“Se eliminássemos o medo da morte, o mundo conseguiria um equilíbrio maior. Não haveria motivos para a guerra.” (Ian Stevenson)
A professora Heloísa Pires relata um fato significativo por ocasião da desencarnação do seu pai, o filósofo, jornalista, professor e escritor, Herculano Pires, em 9 de março de 1979.
Habitual era a reunião que se realizava na garagem da casa do professor Herculano Pires. Ninguém sabia, portanto, que o professor se encontrava hospitalizado, ocorrência algumas horas antes de iniciar a sessão. Todos os familiares o acompanhavam, na expectativa da sua recuperação, o que não ocorreu.
A professora Heloísa, relata que “Nessa hora, um médium na garagem (um médium até necessitado que nunca mais trouxe uma mensagem tão boa) recebeu duas mensagens e deu para minha tia (Maria de Lourdes Anhaia Ferraz).(...) E depois o próprio Herculano numa mensagem linda em forma de poesia (ele gostava muito de escrever poesia para aqueles que amava). Ele se dirigia à mamãe (...)”.
Situação idêntica acontecera com o célebre jornalista e escritor Cairbar Schutel (fundador da Revista Internacional de Espiritismo) e com o Sr. Sanson, membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e amigo de Kardec.
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Os Espíritos Reveladores, na questão nº 163, de O Livro dos Espíritos, afirmam que o Espírito, ao deixar o corpo, não assume consciência imediata da sua situação; ele fica perturbado por algum tempo. Essa perturbação é variável, podendo durar horas, meses ou anos, estando também condicionada da elevação evolutiva do Espírito. Assim diz:
“Aquele que já está depurado se reconhece quase imediatamente, porque se desprendeu da matéria durante a vida corpórea, enquanto o homem carnal, cuja consciência não é pura, conserva por muito tempo mais a impressão da matéria.”
Na questão nº 165, Allan Kardec indaga se o Espiritismo exerce alguma influência sobre a duração maior ou menor do estado de perturbação. Os Benfeitores Espirituais respondem que sim, pois o Espírito compreende antecipadamente a sua situação, embora prevaleça a prática do bem e a pureza da consciência.
Nos dias atuais não existe um brasileiro que não tenha tido amigos ou parentes que desencarnaram pela COVID-19, e nessa cruzada, não há quem não tenha pensado na sua própria desencarnação. Na realidade, não existe um assunto mais universal e de maior relevância para cada indivíduo do que a morte e o morrer.
Dr. Raymond Moddy Jr., psiquiatra, psicólogo, parapsicólogo estadunidense, pioneiro nas Experiências de Quase-Morte (EQM), atesta que as pessoas que passaram pela experiência de morrer nunca mais foram as mesmas. Normalmente, elas abraçam a vida plenamente e expressam as crenças no amor e no conhecimento como as mais importantes, porque são as únicas que se leva daqui.
Essas situações são assim classificadas pelo monge agostiniano do século 17, Abraham Santa Clara: “O homem que morre antes de morrer não morre quando morre”.
Stanislaw Groff, psiquiatra checo que desenvolveu nos Estados Unidos pesquisas sobre os estados alterados de consciência (EAC), em sua obra Psicologia do Futuro, realizou pesquisas acerca da experiência do morrer, através dos estados holotrópicos. Partindo da citação de Santa Cruz, ele assinala duas sequências importantes para os indivíduos: liberação do medo da morte e mudança na atitude em relação a ela. (grifos nossos).
Stan e sua mulher Cristina Groff desenvolveram prática terapêutica que designaram de Respiração Holotrópica, que é um poderoso método de autoexploração e de terapia que utiliza uma combinação aparentemente simples – respiração acelerada, música evocativa e um trabalho corporal específico que ajuda a liberar bloqueios emocionais e bioenergéticos. É necessário destacar que o processo de autoexploração e terapia na Respiração Holotrópica é espontâneo e autônomo: é regido pela inteligência curadora interna do respirante, em vez de ser guiado por um terapeuta, que segue os princípios de determinada escola de psicoterapia. A Respiração Holotrópica se destaca pelo potencial intrínseco de cura em estados incomuns de consciência
Se a experiência de encontrar a morte leva a essa poderosa abertura espiritual, será possível o indivíduo realizar experiências do morrer através de estados alterados de consciência, e além de propiciar esse enriquecimento espiritual, também levaria a transição idêntica à do professor Herculano Pires?
A resposta é sim.
Se se for conspurcar O Livro Tibetano dos Mortos e O Livro dos Mortos do Antigo Egito, e as culturas antigas e pré-industriais quando aos ritos que contemplam a experiência do morrer, é possível perceber a aceitação da morte como parte integrante da vida. As duas obras são verdadeiros manuais para a arte de morrer.
Já no Ocidente há uma carência de um apoio eficaz que possa aliviar a transição, muito embora com o Espiritismo a realidade além-túmulo seja outra. Os domicílios do além, tais como céu, inferno e purgatório, foram relegados ao domínio dos contos de fada e aos manuais de psiquiatria.
Fato importantíssimo que influencia a atitude relativa à morte e a experiência de morrer nas culturas pré-industriais tem sido a existência de várias formas de experiências de treinamento para o morrer envolvendo estados holotrópicos de consciência. Stan relaciona algumas: a) métodos xamanísticos; b) ritos de passagem; c) mistérios de morte e renascimento; d) várias práticas espirituais; e) livro dos mortos. Pela prática da Respiração Holotrópica, pode-se alcançar o estado de emancipação da alma e se treinar a experiência do morrer.
Leia-se o que diz Stan:
“É possível passar a vida inteira sem nunca experienciar esses domínios ou sem mesmo ter consciência de sua existência, até ser lançado a eles, como uma catapulta, na hora do falecimento físico. Contudo, algumas pessoas podem explorar esses territórios experienciais enquanto estão vivas. Entre as ferramentas que tornam isto possível, encontram-se as substâncias psicodélicas, formas poderosas de psicoterapias experienciais e participação em rituais xamanísticos. Para muitas pessoas, experiências semelhantes ocorrem espontaneamente, sem disparadores conhecidos, durantes crises psicoespirituais (emergências espirituais).”
A compreensão espírita define esses casos como desdobramento, bilocação ou bicorporeidade, como assinala Ernesto Bozzano (1862-1943) pesquisador italiano em sua obra Animismo e Espiritismo:
“Pela denominação genérica de ‘fenômenos de bilocação’ se designam as múltiplas modalidades sob que se opera o misterioso fato do ‘desdobramento fluídico’ do organismo corpóreo’. (...) o ‘corpo etéreo’ é suscetível de separar-se temporariamente do ‘corpo somático’, conservando íntegra a consciência de si.”
O leitor deve estar se perguntado sobre a importância disso tudo. As pesquisas de Dra. Elisabeth Kubler Ross (1926-2004), pioneira nos estudos sobre a morte, o morrer, a tanatologia e os cuidados paliativos, identificaram cinco estágios de reações dos enfermos desenganados pela medicina oficial: a) da negação; b) da ira, raiva, inveja e ressentimento; c) da barganha; d) depressão; e) da aceitação. Vê-se que são processos dolorosos para o enfermo e para os familiares.
Há de se considerar, pois, aquilo que poderia ser para o moribundo como processo pedagógico de desapego, sabedoria e amor, ser experimentado como indesejável, marginal, percebido como carga pesada, obsoleta, quando não inútil. O próprio Stan, em suas experiências, chegou à conclusão do enfrentamento de uma profunda crise que é básica e total, no momento que afeta simultaneamente os aspectos biológico, emocional, psicológico e espiritual.
O Espiritismo venceu a morte. Allan Kardec foi quem primeiro se preocupou com a educação e a psicologia da morte. A educação para a morte é uma necessidade premente da sociedade. Na obra Morte e Suicídio – uma abordagem multidisciplinar, autores diversos, assim está:
“(...) uma sociedade que contribui para um medo sempre crescente da destruição quer física quer psicológica e que, portanto, contribui para o medo sempre crescente da morte é uma sociedade que (...) oferece ao homem uma única forma de defesa para lidar com seu medo da morte: a sedução para o irracional, o apelo à violência.”
Estudos já apontam na direção de que um dos principais fatores para a violência no mundo é a não compreensão da vida após a morte.
Na obra Cartas e Crônicas, psicografia de Francisco Cândido Xavier, pelo Espírito Irmão X, que ao ser indagado acerca da sobrevivência da alma e de como deve ser levado a efeito o treinamento de um homem para as surpresas da morte, ele antes de elencar os maus hábitos a que se deve renunciar, afirmou:
“A indagação é curiosa e realmente dá que pensar.
Creia, contudo, que, por enquanto, não é muito fácil preparar tecnicamente um companheiro à frente da peregrinação infalível. (grifos nossos)
Os turistas que procedem da Ásia ou da Europa habilitam futuros viajantes com eficiência, por lhes não faltarem os termos analógicos necessários. Mas nós, os desencarnados, esbarramos com obstáculos quase intransponíveis.”
Será que passadas algumas décadas da publicação da obra, enfim, chegamos ao tempo de superarmos esses obstáculos e ser possível se treinar para a morte?
Vamos treinar?
Referências:
ASSUMPÇÃO, Evaldo e outros. Morte e suicídio – uma abordagem multidisciplinar. São Paulo: Vozes, 1984.
BOZZANO, Ernesto. Animismo e espiritismo. Rio de Janeiro. FEB. 1995
GROF, Stanislav. Psicologia do futuro. Rio de Janeiro: HERESIS, 2007.
GROF, Stanislav & Cristina. Respiração holotrópica. São Paulo: NUMINA, 2010.
KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: LAKE, 2000.
PIRES, J. Herculano. Educação para a morte. São Paulo: Correio Fraterno, 1993.
MOODY JR. Raymond. A luz que vem do além. São Paulo: Butterfly, 2004.
XAVIER. Francisco C. Cartas e crônicas. Brasília: FEB, 1996.
Excelente apanhado e seleção de fatos necessários para a nossa reflexão.
ResponderExcluirInteressante é ver a produção científica, colaborando com pontos que já vínhamos analisando dentro do âmbito da doutrina.
Com a certeza de que somos Espíritos imortais, tudo muda quando lidamos com as vicissitudes das nossas jornadas terrenas, especialmente quando nos deparamos com os processos de desencarnação iminente.
Educação para a morte é mais que necessária.
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