Pular para o conteúdo principal

UM MUNDO EM TRANSIÇÃO

 


Só após a primeira grande crise do capital, representada pela eclosão de duas grandes guerras mundiais e por vários eventos entre elas, como a crise de 1929 e o surgimento dos regimes fascistas na Europa, é que os estados nacionais entenderam que, para a própria saúde do sistema capitalista, seriam necessárias estruturas de proteção ao trabalhador que lhe desse garantias mínimas de vida digna e direitos inalienáveis para sua segurança. Daí surgiu, por exemplo, a famosa Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU em 1948.

Durante quase toda a segunda metade do século XX, houve certa paz na luta entre as classes sociais --capital e trabalho-- nos países centrais do sistema capitalista. Entretanto, diante da exaustão de alguns mercados e a consequente redução dos níveis de lucro do capital, uma nova crise começou a se desenhar, a partir dos anos 1980, e ocorreu a ascensão ao poder de líderes que representavam essa demanda do capital. Dois exemplos são marcantes: Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher no Reino Unido. Além disso, os países periféricos, como o Brasil, foram instados a aplicar o catecismo dessas novas demandas, conhecidas como neoliberalismo.

Esse nova postura do capital perante o trabalho pode ser resumida em alguns aspectos, como a redução sistemática do tamanho do estado, retirando suas competências como regulador dos mercados e deixando ao capital a liberdade de produzir, explorar e lucrar sem peias; a migração contínua e intensificada do capital para os mercados financeiros, onde os lucros costumam ser mais fáceis e maiores, em vez de fazer investimentos em produção e serviços, resultando em desigualdades sociais crescentes até mesmo nos países centrais do sistema capitalista; e o descolamento definitivo do capital em relação a bens e meios de produção, gerando uma bolha imensa de capital volátil e virtual, sem respaldo concreto, resultando, por exemplo, na grande crise de 2008.

Esse novo momento que vive o sistema capitalista ainda não encerrou seu ciclo. Ao contrário, agora ele alcança seu ápice por todo o mundo e os governos da ultradireita, que bem representam essa nova postura do capital perante o trabalho, são o sintoma clássico duma nova crise mais aguda que surge na luta desigual entre as classes sociais. A ultradireita que ora ascende ao poder em diversas nações sói dizimar qualquer garantia trabalhista e demonizar os direitos humanos como estratégia para maximizar os lucros do capital. As soluções dessas grandes e mais graves dissensões entre o capital e o trabalho apresentadas pela história são as guerras, as revoluções e os demais fatos históricos que rearrumam por completo o xadrez político e social dos estados nacionais.

Os trabalhadores precisam estar atentos aos movimentos políticos que buscam devorar seus direitos, como ocorre hoje no Brasil com a tal "modernização" trabalhista e a proposta de extermínio da aposentadoria, pois o capital pressiona o jogo para realizar seu xeque-mate e garantir a completa subserviência da classe trabalhadora. As peças estão na mesa e o movimento dialético da história não para, portanto é hora de as organizações dos trabalhadores, já feridas nessa batalha social, realizarem seus movimentos no tabuleiro a fim de garantir a segurança dos explorados e expropriados. E é hora de os trabalhadores entenderem que se não estiverem organizados em sindicatos, partidos ou movimentos sociais serão presas fáceis nesse jogo impiedoso, meros peões diante do poder dos novos reis e rainhas do mundo contemporâneo.

Talvez seja esse o momento de transição global que nos falavam Kardec, Marx, Engels, Trótski e tantos outros. E o que sairá ao final desse novo ciclo de crise histórica só o futuro dirá, mas com certeza será um mundo bem diferente daquele que nos acostumamos a viver a partir da segunda metade do século XX.

E não poderíamos deixar de lembrar os velhos Marx e Engels, na conclusão de seu "Manifesto do Partido Comunista", encorajando-nos a enfrentar os ciclos de crise do sistema capitalista: "Proletários de todos os países, uni-vos!".

A charge que inspirou esse texto é do cartunista estadunidense Matt Wuerker.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TUDO MUDOU. E AS INSTITUIÇÕES?

  Por Orson P. Carrara Os de minha geração, nascidos nas décadas de 60 a 80 ou 90 e, claro, mesmo anteriores, lembram-se perfeitamente do formato de organização e funcionamento de uma padaria, de uma farmácia ou de um mercado, entre outros estabelecimentos comerciais. Hoje temos tais formatos completamente diferentes. O que antes era balcão único de atendimento mudou para prateleiras abertas, inclusive com auto atendimento para pagamento. Antes levávamos o pão para casa, hoje vamos à padaria tomar café para apreciar outras delícias. Farmácias normalmente eram reduzidas, hoje se multiplicaram com total mudança nos atendimentos, face às facilidades virtuais. Nem é preciso citar mais nada, todos estamos muito habituados às facilidades dos dias atuais.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.

VISÕES NO LEITO DE MORTE¹

Especialista no tratamento de traumas e processo de superação, Dr Julio Peres, analisa as experiências no final da vida e o impacto das visões espirituais ao enfermo e sua família, assim como para os profissionais da saúde que atuam em cuidados paliativos. De acordo com Dr. Júlio Peres, pesquisas recentes demonstram que um grande número de pessoas de distintas culturas têm relatado experiências no final da vida – originalmente chamadas na literatura por end-of-life experiences – sob a forma de visões no leito de morte, sugestivas da existência espiritual. Esta linha de pesquisa tem trazido contribuições que interessam diretamente aos profissionais que atuam com cuidados paliativos e mais especificamente, aqueles que desenvolveram a Síndrome de Burnout decorrente do esgotamento, angústia e incapacidade perante a falta de recursos para lidar com as sucessivas mortes de seus pacientes.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...