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REVISÃO EXISTENCIAL - I PARTE

 


 Por Jerri Almeida

Todos almejam uma revolução na convivência humana. Já não podemos mais assistir,  rotineiramente, cenas de agressividade e intolerância, envolvendo os diversos setores da sociedade. O novo milênio aponta para uma crescente complexidade das relações humanas. Obcecados pelo pragmatismo da vida contemporânea, o ser humano vive a vulnerabilidade dos sentimentos éticos, formadores de uma cultura da paz. A vida moderna exige com que tudo seja rápido, instantâneo, condicionando os indivíduos à impaciência e à angustia diante das situações cotidianas.

Em uma notável reflexão sobre a vida atual, Dalai Lama, em seu livro “Uma ética para o novo milênio”, assim expressou-se:

A meu ver, criamos uma sociedade em que as pessoas acham cada vez mais difícil  demonstrar um mínimo de afeto aos outros. Em vez da noção de comunidade e da sensação de fazer parte de um grupo (...) encontramos um alto grau de solidão e perda de laços afetivos.

A complexidade do mundo moderno, inexoravelmente, vem contribuindo, com sua racionalidade e técnica, para aumentar a frieza da convivência. Isso é quase automático, assim nos permitimos conduzir, desqualificando a fraternidade, a paciência e a compreensão na família e no entorno social. Convivências mal conduzidas, insatisfações psicológicas e emocionais, determinam uma fuga para os medicamentos, na expectativa de neles encontrar o elixir milagroso para uma nova vida.

Em uma de suas primeira viagens ao Ocidente, Dalai Lama conta que ficou hospedado na residência de uma família muito abastada, que gentilmente o acolheu. Havia muitos empregados na casa, todos atendiam com gentileza e isso, por um determinado tempo, fez com que ele pensasse que a felicidade poderia estar, realmente, naquela condição de abastança material. Ali poderia estar a “prova”. Entretanto, para sua surpresa, ao passar por um banheiro, percebeu, através da porta entreaberta do armário, uma quantidade expressiva de medicamentos, tranquilizantes e remédios para dormir. Ele conta que a partir daí, passou a pensar que existe uma grande diferença entre os sinais exteriores e a realidade interior.

Vivemos nesse paradoxo. Sabemos que o caminho para um nível de completude civilizatória e espiritual passa pela experiência de construirmos uma sociedade mais humana. O próprio Freud, em seu escrito sobre O mal-estar da civilização, admitiu que um dos maiores preceitos de nossa civilização é a assertiva cristã: “amar ao próximo como a si mesmo”. Mas esse, também, tem sido um dos grandes dilemas humanos. O sociólogo Zigmunt Bauman, em seu livro intitulado “Amor Líquido”, chegou a refletir sobre a “dificuldade de amar ao próximo”. Ora, se esse é um preceito fundamental, onde está sua dificuldade?

A grande indagação do ser humano, a partir do cristianismo, foi: “por que devo fazer isso?” As religiões ortodoxas, formadoras de nossa mentalidade, instituíram o “amor ao próximo” como um princípio moralista, de subserviência a Deus, para atrair sua atenção para nós, míseros humanos. Amar ao próximo tornou-se um bom argumento para barganharmos com Deus uma compensação, afinal, tudo isso é muito difícil. Mas, no geral, como Deus não faz barganha, nos decepcionamos e percebemos a inutilidade de amar ao outro.  A civilização chegou, com sua técnica e nos prometeu que com a ciência, nossos sofrimentos seriam atenuados, teríamos mais conforto, quem sabe até, a juventude permanente.

O desconcerto religioso e o pragmatismo humano, no eclodir da modernidade, afastaram de nós o interesse por “amar ao próximo”. Passamos a viver em sociedade mais por necessidade do que por prazer. A busca do prazer nos levou, significativamente, para uma vida individualizada, permeada de preocupações egoísticas. A pergunta passou a ser: “o que eu ganho em amar o próximo?” A resposta, bem formulada, para essa indagação poderia ter nos ajudado a mudar o rumo de nossa sociedade.

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