|
NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE)
|
“Você me pergunta/aonde eu quero
chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota
que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]
Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o
mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se
compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a
carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo,
e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de
opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta
transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!
Assim, com vontade de viver em um planeta
feliz, cujas bases sejam a justiça, o amor e a fraternidade, o ser humano
protagoniza inúmeras tentativas de mudança. Individuais ou coletivas;
sangrentas ou verborrágicas, com armas de fogo ou eleitorais, as batalhas se
proliferam no curso da história, sem olhar para o íntimo da alma humana que
necessita, mais do que nunca, revolucionar-se. São os atalhos na busca pelo
Reino, diria Herculano Pires . O Reino: aquele lugar em que, sob a luz de Deus,
viveremos em paz; uma paz construída pela harmonia entre os seres...
Esse
Reino – cujo gérmen de algum modo já habita em todos nós – não é fruto de
conjecturas ou uma compreensão subjetiva de felicidade. Também não pertence ele
ao além túmulo ou a uma crença em particular. O Reino é aqui na Terra e para
todos os que aqui vivem, posto ser imantado pela harmonia perfeita da criação
divina que rege o Universo e toda a humanidade. Aliás, o Reino será também na
Terra... quando florescer em nossas consciências, aquecer nossas almas e se
refletir em nossos atos. Para que ele se realize, porém, é preciso que
trabalhemos a sua construção, pois se ele é graça, é também conquista.
Construir o Reino é tarefa árdua que exige
coragem. Árdua, porque mexe em nossas estruturas mais íntimas que andam por
demais corrompidas pelo egoísmo e pelos atavismos de uma sociedade desigual.
Assim, “o Reino está presente em tudo e ao mesmo tempo ausente” e a ânsia por
viver sua beleza, comandada por nossa empáfia, é o nosso grande percalço...
Tropeçamos e “nos extraviamos por tantos e tão confusos atalhos que estamos
hoje enleados numa rede.” .
Mesmo assim, sua tão difícil construção brota
como exigência de uma centelha que fervilha em muitas almas, já intuídas de ser
a felicidade nosso destino. “Entretanto, a felicidade não é pessoal. Se a
encontrássemos apenas em nós mesmos, sem poder compartilhá-la com os outros,
ela seria egoísta e triste...” . Por isso, se a construção do Reino é íntima, é
também coletiva. Afinal, “o mundo é o reflexo do homem, esse reflexo também
condiciona o homem” e “melhorar apenas o homem, numa estrutura imoral,
equivaleria a melhorar a estrutura com um homem imoral.” . Seria de novo um
atalho.
O que fazer? Como seguir na construção do
Reino?! Pergunto-me, porque sonho com um mundo justo e feliz, porque quero
ajudar a construí-lo. Porque as coisas como estão doem em mim, mesmo que eu não
sinta tão diretamente em minha carne os abismos construídos pelas desigualdades
sociais. Reflito, e vislumbro caminhos. Lembro que as estruturas não se fazem
sozinhas e que são necessárias condições históricas para que ocorram
transformações sociais.
Mas, já não as entrevejo somente pelo prisma
da vida econômica ou cultural. Sob o paradigma do Espírito, as condições
objetivas de que Marx falava alargaram-se. A consciência humana transcende o
próprio ser e a vida material. Recuso, então, a violência como estratégia para
construir o Reino do mesmo modo que rejeito a violência que mantem o reinozinho
no qual hoje vivemos. Olho com mais atenção e vejo que, apesar de atraentes, os
caminhos vislumbrados são atalhos disfarçados. Recuo, porque já sei que só há
um caminho a construir: a vida em Deus.
Agora, como viver em Deus? Como amá-lo acima
de tudo e, por conseguinte, amar o próximo?! Como fazer isso atolada na
mesquinhez do meu ego inflado?! Como amar o próximo se todo dia o
mundo grita competição, individualismo, indiferença?! Agito-me. Quero chorar e
choro. A violência maltrata... e sofro porque ela ainda faz parte de mim.
Cantarolo a música de Raulzito e lembro como tudo na vida se interliga, como
todos os caminhos se cruzam.
Penso na reencarnação, inexorável até para
quem dela desdenha e a vejo como oportunidade de aprendizados pelas múltiplas
experiências. Entendo que cada atalho ensina. São tentativas em erros e acertos
para sairmos da ignorância de quem não entende a infinitude da vida espiritual,
de quem não conhece e nem ama Deus. Deus, penso nele e sorrio... Acendo a
esperança e contrario o roqueiro da minha adolescência. Encaro a existência de
agora e exijo de mim aprender tudo que eu possa para que o Reino floresça em
mim.
Mas, o aprendizado não acontece sozinho,
porque o aprendizado que almejo é aquele que educa. E educação é via de mão
dupla. Preciso do outro e o outro de mim, porque “amar se aprende, amando”, já
dizia Drummond, o poeta mineiro.
1Texto inspirado nos estudos
do Projeto Leituras: por um pensamento social espírita, realizado pelo Coletivo
Girassóis Espíritas pelo Bem Comum. Disponível em
https://www.youtube.com/watch?v=bO-LzvaVPVIO paulista Herculano Pires (1914-1979) foi
jornalista, filósofo e um dos principais expoentes do Espiritismo no Brasil.
Autor de diversas obras, como O Reino, O Espírito e o Tempo e Introdução à
Filosofia Espírita, combateu interpretações e traduções deturpadas das obras
organizadas por Kardec, e o misticismo que teimava em se instalar no movimento
espírita brasileiro.
Referências:
2Herculano Pires. O Reino. Paideia, 2002, p. 73 e 74.
3Allan Kardec. Onde é o céu? Revista Espírita, mar
1865. Disponível:
https://kardecpedia.com/roteiro-de-estudos/899/revista-espirita-jornal-de-estudos-psicologicos-1865/5762/marco/onde-e-o-ceu
4Herculano
Pires. O Reino. Paideia, 2002, p. 87 e 88.
Parabéns, minha amiga, pelo texto que nos desperta boas reflexões!
ResponderExcluirGratidão. Beijo
ExcluirAmiga quero agradecer por tão bela explanação. Texto rico e bastante esclarecedor. Gratidão
ResponderExcluirAninha!!! Grata por vc ter arrumado um tempinho pra ler beijo
ExcluirAmo o seu jeito único de escrever! 😍👏🏻
ResponderExcluirObrigada rs mas vc é suspeita rs
ExcluirQue texto lindo! Uma reflexão suave repleta de palavras que exprimem uma certa intensidade. Parabéns, lindona!!!
ResponderExcluirObrigada! Tentei expressar o q penso e sinto...
ExcluirExcelente reflexão Klycia. De fato não podemos mudar o mundo se não mudarmos primeiramente a nós mesmos. Acredito que tudo ocorre no tempo de Deus e não adianta sacudir as pernas. Nada muda da noite para o dia, quem dirá o mundo com sua pluralidade. Devemos mudar nós mesmos, quantas e quantas existências forem necessárias para que, aos poucos, no tempo de Deus tudo mude.
ResponderExcluirMas lembremos que há relação entre mudar a gente e mudar o mundo. Na medida em que mudo, mudo o que me cerca; quando o que me cerca muda impulsiona mudanças em mim...
ExcluirPalavras de amor e esperança pra aquecer nossos corações 🥰🌼
ResponderExcluirAcho que o primeiro coração a se aquecer é o meu... Obrigada, por vir por aqui. bj
ExcluirMuito massa o texto, nos leva a uma bela reflexão. Paz e bem!
ResponderExcluirObrigada! Penso que esta é uma tarefa de todos nós: refletir sobre como vivemos a vida... bjs
Excluirmaravilha, princesa! felicíssimo pela leitura de seu belo texto! o reino, anunciado e já antevisto em paragens extradimensionais, se implantará, sim, aqui na terra e em cada coração. anunciá-lo, lutar por ele, no limite de nossas forças, é o que se impõe a cada um de nós! é seguir sempre em frente. e sempre para o alto. não há como voltar a trás!
ResponderExcluirQue maravilha um comentário seu!!! Grata, grata e grata rs Pois é, tio Tarcísio... o Reino virá, mas é preciso construir... dia a dia, encarnação a encarnação.
ExcluirQue belo texto e que profunda reflexão, Klycia! Nem sempre é uma tarefa simples, fácil tirar um pouco o foco de si e pensar de forma mais ampla, humana e solidária, pautada em coletividade. Mas é preciso tentar! Esperança, paz e bem.
ResponderExcluirEntão... não é fácil mesmo... egoísmo impera. Mas, precisa ser combatido e se combate o egoísmo olhando, cuidando, amando o outro...
ExcluirAmei o texto amiga 💋💋
ResponderExcluirDeusa, querida!!! Obrigada por ler e comentar, amiga!
ExcluirParabéns Klycia! Belo texto! Depois de tantos atalhos percorridos, nessa e em outras reencarnações, herdamos esse louco século XXI para construir caminhos...
ResponderExcluirTomara que a gente consiga dar passos importantes... me parece que a vida vem empurrando... Essa pandemia é uma oportunidade única de rever os atalhos que pegamos... sigamos juntos, né?!
ExcluirTexto inquietante! Evitar atalhos, fazer o Reino florescer em cada um de nós, pensar a felicidade como uma construção coletiva: desafios diários nesse mundo repleto de egoísmos e individualismos.
ResponderExcluirÉ, minha amiga, como a "alma humana necessita revoluvionar-se".
Precisamos mesmo dessa revolução íntima... como é difícil... por isso, precisamos nos apoiar...
ExcluirParabéns Klycia!
ResponderExcluirExcelente texto.
Você é um ser iluminado!❤❤
Obrigada!!! Feliz por você passar por aqui!!!
ExcluirParabéns Klycia!👏👏👏
ResponderExcluirExcelente texto.
Você é um ser iluminado!❤🤩
eu gosto é assim, repetir os parabéns kkkk beijooooo
ExcluirGrato pelo convite e mais um belo texto. Parabéns!
ResponderExcluirAgradeço sua gentileza de vir aqui... beijo! Vamos escrever também?!
ExcluirBelíssimo texto. Parabéns!
ResponderExcluirEspero que provoque boas reflexões bjs mil
ExcluirQuerida Klycia,sinto meu pensamento contemplado com este seu texto, aliás como sempre acontece. Te adoro. Bjs
ResponderExcluirAi que vontade de saber quem é!!! rs Mas, já fica um beijo de carinho
ExcluirParabéns amiga, você nos traz ótimas reflexões. Beijos
ResponderExcluirAdriana! Que bom saber que vc leu!!! Obrigada, amiga! bj
ExcluirParabéns Klycia, ótimo texto; como você mesma termina dizendo as palavras Drummond “amar se aprende, amando”, Se não for assim, o reino não chegará ao tempo esperado, por muitos procurado, mas esquecendo a forma correta de procurar.
ResponderExcluiroi, amore... Pois é... aprender a amar, amando. Desafio nosso de todo dia! beijo
ExcluirKlycia, fiquei cem palavras, mas sem espaço pra escrever. Todavia, "ao futuro 'a pena' restam as palavras.
ResponderExcluirE você bem sabe que fui eu que escrevi. Mas a autoria não é só minha... Nossos estudos no Projeto Leituras: por um pensamento social espírita, do nosso amado Coletivo Girassóis... Suas reflexões, as do Elber e de todos que passam por lá também estão, de algum modo, neste texto. bjs
ExcluirLi seu texto somente agora. Falta de tempo, outras prioridades etc, motivos que sempre usamos quando a fuga da espiritualidade se faz inconsciente e o atalho nos é conveniente. Mas não teve jeito...rsrs. Em meio a profusão de trabalho remoto aqui, deparei-me com seu convite de leitura no Whatsapp. Coincidência?!?! Claro que não. Considero seu texto um presente que ganhei ao tentar aplainar minha tristeza com o desencarne "precoce" de uma aluna minha. Seu texto me levou ao fundo do iceberg...estava tudo muito cômodo na superfície do Reino. Grata pela palavras e compartilhamento. De sua leitora e admiradora, Ana Carênina.
ResponderExcluirLindo texto... Refletindo ainda aqui. Grata por me convidar a lê-lo. Pena que demorei tanto a ver sua mensagem. Parabéns querida e um forte abraço!
ResponderExcluir