Pular para o conteúdo principal

A ZONA DE INTERESSE ESTÁ ENTRE NÓS, AGORA¹

 

Por Alexandre Mota

Após algum tempo do trabalho mediúnico que chamamos de Grupo da Paulista, há muito material a ser analisado, abarcando uma série de assuntos caros àqueles que buscam por meio da visão espírita uma mudança e avanço, de fato, no mundo em que vivemos. Lembrando que nosso grupo tem trabalhado na comunicação com jovens desencarnados e ligados às áreas de vulnerabilidade e de exclusão social, principalmente da cidade de São Paulo.

Nesse sentido de olhar o que esses jovens nos colocam para discussão, e  também a partir do filme Zona de Interesse (Inglaterra, 2023), traçam-se aqui algumas reflexões sobre a realidade em que vivemos hoje suas relações com a triste história do Holocausto.

O filme Zona de Interesse narra um história que está intimamente ligada ao Holocausto. Ao longo do filme, em segundo plano, a máquina da morte está a todo vapor, mas a câmera filma languidamente uma família a andar pelo seu quintal florido, seus momentos de lazer à beira da piscina e do desfrute da vida confortável na casa com serviços de prisioneiros judeus.

É um filme sobre o Holocausto? Sim e não. Talvez seja bom falarmos que é sobre nós, hoje. O nome não é por acaso: quais são as nossas Zonas de Interesse? Hoje ao sair de casa e andar duas quadras até o metrô passo por, pelo menos, duas famílias sem teto mendigando. Se andar mais um pouco encontrarei várias barracas que se amontoam ao lado do Parque Trianon, ali mais famílias vivendo miseravelmente. Apesar de me condoer com a situação, passo e consigo deixá-los em segundo plano. Sigo em frente.

Tenho ciência que existe uma política pública que exacerba a violência do Estado contra os marginalizados na periferia, quase todos pretos e pobres. São mortos, desaparecem e são humilhados dia após dia. Quantas crianças foram  mortas por balas perdidas no último ano em operações que não levam a nada nas comunidades? Essas comunidades continuam como sempre foram, antes e depois das operações policiais, pelo menos para nós que estamos fora dessas áreas. Para quem está lá  dentro resta o medo, a injustiça, a humilhação e a experiência de vidas quebradas para sempre. Comove-me? Certamente, porém consigo deixar tudo isso em segundo plano. Sigo em frente.

Esse seguir tem alguma relação com o filme? O que está rolando em segundo plano enquanto posso ir ao shopping e tomar um café sob o frescor proporcionado pelo ar-condicionado trabalhando pleno?

Em relação ao nosso trabalho mediúnico, há força em cada psicografia e psicofonia que dá conta do sofrimento, inconformismo e esperança de um mundo melhor. Apesar de tudo, os espíritos que falam conosco não querem vingança, embora a ferida da injustiça e da violência ainda esteja aberta.  Percebe-se  que o trabalho entre eles é de ressignificação, não-violência e mudança para um mundo bem melhor para quando reencarnarem. Dessa forma, o que nos resta, como encarnados nesses encontros, é sentir cada pedrada lançada contra nossa Área de Interesse.

Já escutamos como é difícil “viver com um alvo nas costas”, como é difícil ter “família sem a perspectiva de oferecer nada aos filhos”, “como é duro deixar a mãe tão cedo”, as tantas reflexões das mães solo e de suas preocupações do que será dos filhos, e os lamentos dos pais que não seguraram a onda devido aos modelos de machismo vigente e, também, pela própria imaturidade das decisões que tomaram. Até mesmo recebemos dos espíritos o olhar duro às nossas elucubrações filosóficas sobre o que lhes acontece feitas “do apartamento confortável e de gente sentada nos próprios privilégios”.

Pois é, as coisas estão aí para serem vistas, o segundo plano não é uma abstração. Para saltar aos olhos só é preciso uma pequena alteração no ângulo de como enxergamos, ou queremos enxergar, as coisas.

Em termos espíritas, para quem quer de fato seguir essa visão de mundo, consideramos  que o mais importante é buscar ação aqui sobre esse planeta, e deixar de lado especulações individualistas e estéreis, por exemplo, sobre como ganhar bônus-hora, os cálculos do que se fazer para se ter direito a alguma colônia espiritual em Júpiter, exacerbar um processo de reforma íntima para pelo menos escapar do umbral, buscar uma posição legal na escala dos espíritos, etc, que, em síntese, nada mais são do que uma série de perspectivas estreitas sobre compensações e prêmios individuais por um suposto bom comportamento.

Óbvio que o retrato do filme é a potencialização do que há de pior no ser humano no que foi definido como a Zona de Interesse. O paralelo desse texto é dizer que no fundo, como diria meu filho mais novo e, provavelmente, os jovens da reunião: “ninguém tá puro”.

 

¹ postado em 22.04.2024, no blog da ABPE.

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

O DISFARCE NO SAGRADO: QUANDO A PRUDÊNCIA VIRA CONTRADIÇÃO ESPIRITUAL

    Por Wilson Garcia O ser humano passa boa parte da vida ocultando partes de si, retraindo suas crenças, controlando gestos e palavras para garantir certa harmonia nos ambientes em que transita. É um disfarce silencioso, muitas vezes inconsciente, movido pela necessidade de aceitação e pertencimento. Desde cedo, aprende-se que mostrar o que se pensa pode gerar conflito, e que a conveniência protege. Assim, as convicções se tornam subterrâneas — não desaparecem, mas se acomodam em zonas de sombra.   A psicologia existencial reconhece nesse movimento um traço universal da condição humana. Jean-Paul Sartre chamou de má-fé essa tentativa de viver sem confrontar a própria verdade, de representar papéis sociais para evitar o desconforto da liberdade (SARTRE, 2007). O indivíduo sabe que mente para si mesmo, mas finge não saber; e, nessa duplicidade, constrói uma persona funcional, embora distante da autenticidade. Carl Gustav Jung, por outro lado, observou que essa “másc...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

O MEDO SOB A ÓTICA ESPÍRITA

  Imagens da internet Por Marcelo Henrique Por que o Espiritismo destrói o medo em nós? Quem de nós já não sentiu ou sente medo (ou medos)? Medo do escuro; dos mortos; de aranhas ou cobras; de lugares fechados… De perder; de lutar; de chorar; de perder quem se ama… De empobrecer; de não ser amado… De dentista; de sentir dor… Da violência; de ser vítima de crimes… Do vestibular; das provas escolares; de novas oportunidades de trabalho ou emprego…

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...