sexta-feira, 25 de agosto de 2023

O FUTURO DE QUAL ESPIRITISMO?

 


Por Jerri Almeida

Não, não pretendo fazer exercícios de futurologia. Nem mesmo tensiono fundamentar qualquer tese absoluta, otimista ou pessimista, sobre o futuro do espiritismo. Parafraseando Zygmunt Bauman, não sou pessimista, nem otimista. Sou, apenas, esperançoso! Kardec, como sabemos, imaginou que o espiritismo – estando na ordem da natureza – iria se tornar crença geral. Certamente, foi um otimista! De forma mais “pé no chão”, Léon Denis compreendia que o espiritismo seria o que fizessem dele os homens. Inclino-me a pensar que Denis estava mais certo. Pelo menos neste ponto.

Em junho de 1863, há uma dissertação na Revista Espírita, sobre o “futuro do espiritismo”.  Em dado momento, o espírito autor da mensagem e que se autodenomina: “Um filósofo do outro mundo”, afirma:

“Quando os homens estiverem imbuídos do pensamento que a pena de Talião é a lei imutável que Deus lhes inflige, lei muito mais terrível que vossas terríveis leis terrenas; mais apavorante e mais lógica que as chamas eternas do inferno, em que não mais acreditam, eles temerão essa reciprocidade de penas e pensarão duas vezes antes de cometerem um ato censurável.”

Em recente live, Charles Kempf, conhecido dirigente do movimento espírita francês, afirmou que o espiritismo encontra grande resistência para sua aceitação, atualmente, na Europa, em parte, devido aos diversos escritos de Kardec e dos espíritos enfatizando a velha e carcomida ideia de punição divina.

A reprodução e atualização, pelo viés reencarnacionista, das antigas narrativas e concepções do punitivismo divino, inserem o espiritismo no cenário das teologias do medo. Obviamente, que o estudo aprofundado, integrado e problematizado da teoria espírita nos permite perceber que esses fragmentos textuais não representam o conjunto da filosofia. É preciso transgredir a literalidade da parte, para compreender o todo possível. E, nesse sentido, a teoria espírita permite um olhar muito mais progressista do que conservador sobre Deus, rompendo com o antigo paradigma religioso de “castigo divino”.

Todavia, grande parte dos espíritas estão presos, como qualquer religioso de fé cega, na literalidade dos textos de Kardec. Sendo assim, esse espiritismo “compreendido” e divulgado em grande parte das instituições espíritas, e pelos meios literários, nada mais é do que uma repaginação, com ares de sofisticação intelectual, do “olho por olho, dente por dente” enfatizado pelo “religioso do outro mundo”: do deus judaico-cristão!

Como o espiritismo poderá contribuir na reflexão sobre os desafios do século 21, insistindo na manutenção dos velhos discursos religiosos, punitivistas?

Penso, e é uma mera hipótese de reflexão, que seguindo nesse itinerário conservador, literalista, o espiritismo estará fadado a se tornar uma seita cada vez mais reduzida, do ponto de vista não só de sua inserção global, mas também social e cultural.

Léon Denis, possivelmente, tenha percebido isso ao fazer sua citação. Como afirmei, sou esperançoso, penso que talvez seja possível, ainda, uma mudança de rota. Felizmente, os espíritas progressistas estão se multiplicando, oferecendo ao público um espiritismo mais suave, de fundamentos pedagógicos e humanistas. Espero que seja este o espiritismo do futuro.

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