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ESPIRITISMO, GÊNERO E SEXUALIDADES: QUANDO A IGNORÂNCIA É VIZINHA DA MALDADE

 

Alexandre Júnior

A crença nos Espíritos constitui sem dúvida a sua base, mas não basta para fazer um espírita esclarecido, como a crença em Deus não basta para fazer um teólogo.2

 

            Segundo o comentário de Kardec citado acima percebemos, e a cada dia que passa, mais temos certeza, que se dizer espírita, não é sinônimo de conhecer o Espiritismo. Essa afirmativa se torna evidente com alguns artigos escritos na Edição 118, de junho/julho de 2023 do periódico espírita Kardec Ponto Com.

            O que lemos na referida edição, nos assusta por vários motivos, primeiro pela desarticulação com qualquer pensamento científico, segundo pela irresponsável tentativa de transformar opiniões próprias e particulares em conhecimento espírita.

            Recorremos mais uma vez ao pensamento de Kardec; “Ora, uma revolução nas ideias leva, forçosamente, a uma revolução na ordem das coisas, e é essa revolução que o Espiritismo prepara³.” É impressionante que “orientados” por um Espiritismo que possuí em suas bases a evolução das ideias, o livre pensar e o progresso, muitas pessoas sejam absurdamente conservadoras. Numa ação antagônica à epistemologia espírita. Sendo o progresso um dos princípios que formam as bases de conhecimento espírita, tentam, essas pessoas, fazer com que esse mesmo progresso não produza uma revolução na ordem das coisas, e não alcance o próprio Espiritismo, ação conservadora e sem o menor sentido espírita de existir.

            Dito isso, nos diz o poeta, “E a ignorância é vizinha da maldade4”.  

                Sendo mais específicos, precisamos refletir; quando falamos de opiniões particulares como se fosse o pensamento do Espiritismo, precisamos estar atentos, invariavelmente é apenas a aplicação daquilo do qual os próprios opinadores se dizem vítimas, produção de ideologias, nesse caso específico, sem nenhuma colaboração científica ou espírita, portanto, antes de falarmos que os pais são capazes de instituir os gêneros de seus filhos, é necessário sabermos do que se trata a discussão sobre gênero e sexualidades, antes de propormos uma violência de tal envergadura.

            Sem nenhuma novidade, por não conhecerem as referidas discussões tornam marginal, como explicito nas próprias escritas, toda forma de vida que não seja a heterossexual e suas relações, são, segundo eles, “lascivas e promiscuas”, ou seja, para eles, não há amor entre as pessoas  LGBTQIAP+, são como dizem em seus textos “conflitos mentais”, e essas pessoas não seriam suficientemente serias “para manterem postura e comportamento dentro dos centros espíritas”.

            Por tratar-se apenas de um pequeno artigo, não esgotaremos as discussões sobre gênero e Sexualidades de forma espírita e científica aqui neste respeitoso espaço, o que nos faz indicar o nosso livro.5

Não dá para comparar as vivências LGBTQIAP+ com uso de psicotrópico. Não é possível imaginar que as pessoas se tornarão Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais, Travestis, Interssexos, Assexuadas ou Pansexuais porque foram motivadas por “coleguinhas” ou “influenciadores de plantão”, ou por algum motivo achar que o Brasil, que é o país por 14 anos consecutivos que mais mata a referida população, seja o país da “gaiola das loucas”.

Não é possível tratarmos dessas questões, associando todas essas series de violências aos “carmas”, pagamentos de débitos do passado”, “expiações” e/ou” obsessões infindáveis”.      Se não conhecemos determinados assuntos convém ficarmos em silêncio e não deixarmos os nossos preconceitos infundados falar em nosso lugar. Não há mais espaço para delírios anticientíficos do tipo “o orador espírita pode falar sobre qualquer assunto”, “o Espiritismo responde a todas as perguntas”. Nenhuma filosofia sozinha, sem dialogar com as ciências de sua época é capaz de responder a todas as perguntas, até porque, não sabemos todas as respostas, e quando insistimos em respondê-las, invariavelmente somos ignorantes, pois todo aquele que não conhece, mas mesmo assim opina, o é. Porém, quando repetimos essas ações sem levarmos em consideração que externarmos esses pensamentos validam violências contra populações que são diária e cotidianamente vítimas, essa ignorância automaticamente torna-se vizinha da maldade.

Gêneros, são constituídos social e culturalmente, não são estabelecidos a partir do binarismo, as humanidades que nos formam nos tornam diversos e plurais, ampliando as nossas perspectivas no campo dos afetos, dos desejos e compondo as nossas Sexualidades, que a partir do amor,  não se resumem, como muitos desavisados pensam a penetração e coito.     Existe amor e afeto, sinto muito em lhes informar, existe amor no mundo e quem dita as normas da heterossexualidade compulsória não são proprietários desse libertador sentimento.

Finalizo, com uma pergunta que consta em meu primeiro livro, já aqui citado:

 

“como uma doutrina que tem suas bases fincadas na espiritualidade e na espiritualização institui conceitos que induzem julgamentos, estabelecem e ditam como as pessoas devem se comportar a partir dos corpos e das consequentes genitálias que estes corpos possuem?”6

 

Referências:

1 - Pedagogo, coordenador do Ágora Espírita e Escritor do livro: Espiritismo, Educação, Gênero e Sexualidades: Um Diálogo com as Questões Sociais.

2 - Allan Kardec. O Livro dos Médiuns. Cap. III Do Método. P. 26. Edicel. São Paulo. 2017.

3 - Allan Kardec. Que é Espiritismo. Cap. II Consequências, do Espiritismo p.119. IDE São Paulo 2019

4 - Música do Espírito - Legião Urbana - Compositores: Eduardo Dutra Villa Lobos / Marcelo Augusto Bonfa / Renato Manfredini Junior

5 - Espiritismo, Educação, Gênero e Sexualidades: Um Diálogo Com as Questões Sociais

6 - Alexandre Júnior, Espiritismo, Educação, Gênero e Sexualidades: Um Diálogo Com as Questões Sociais. Introdução. P. 18. Produção Independente. Recife. 2022

Comentários

  1. É justa sua indignação meu amigo,essa falta de respeito e empatia precisa acabar.✊🏽💕

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  2. Gratidão Alexandre por trazer luz as nossas reflexões!
    Parabéns!

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