As duas meninas, sete e nove anos,
brincavam na calçada.
Nas
proximidades, a gata rueira, impossível de ser contida nos limites da casa, como
todos os felinos.
A
bichana resolveu atravessar a rua. Um automóvel aproximava-se, veloz. Ela esgueirou-se, rápido. Escapou por um
triz, como sempre, valendo-se das “sete vidas” com que o imaginário popular
brinda a agilidade dos felinos.
Certamente gastou a última,
porquanto outro carro vinha em sentido contrário e a pobre foi colhida por
rodas implacáveis.
Em
segundos expirava, velada pelas meninas que choravam em desolação,
traumatizadas com a violência presenciada, inconformadas com a perda de sua
Juju.
–
Papai, a Juju cumpriu um carma?
–
Não, filhinha. Animais não têm dívidas a pagar. São conduzidos pelas forças da
natureza, sob orientação do instinto.
–
Mamãe dizia que era uma criminosa, destruidora de cortinas e estofados!
–
Não fazia por mal… Apenas afiava as garras, como todo felino.
–
Podemos orar por ela?
–
Certamente! Será como se lhe fizessem um carinho à distância.
– Quando morrermos, vamos encontrá-la?
–
Talvez… As almas dos animais não costumam demorar-se no Além.
–
Animal também reencarna?
–
Sim. Faz parte de sua evolução.
–
Gato pode reencarnar como cachorro?
–
Sem dúvida, e também em outras espécies, em constante desenvolvimento, ao longo
dos milênios.
–
Que bom papai! A Juju poderá voltar como filha de nossa Baby!
***
Tempos
depois, Baby, a cadelinha, despejou no mundo quatro filhotes.
As
meninas encantam-se, particularmente com a menor.
–
Veja, papai! Tem a mesma cor de nossa Juju e até os olhos puxadinhos. Deve ser
ela!
–
Pode ser, filhinha – sorriu o pai, condescendente.
Não seria caridoso contestar
a animadora fantasia.
Afinal, não era impossível…
Como devassar os meandros da evolução, a progressão das experiências, as
espécies a que se liga o princípio espiritual, na longa jornada rumo à consciencia?…
–
Podemos ficar com ela?
–
Se quiserem…
–
Vai chamar-se Juju.
–
Tudo bem.
Observando o entusiasmo das
meninas, conjecturava o pai, com seus botões:
“Ah! Vida abençoada! Sempre a
brotar, irresistível, plena de esperanças, sobrepondo-se à desolação da morte!”
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