Produzido pela Gume
Filmes, (2008), o documentário “Hiato”,
dirigido por Vladimir Seixas, exibe a ocupação pacífica, em agosto de 2000, de
um grande shopping na zona sul do Rio
de Janeiro por um grupo de manifestantes, crianças, adultos, idosos, favelados
e sem teto. Transportados em dois ônibus, os manifestantes queriam apenas
conhecer o shopping, entretanto,
sofreram repressão policial e foram hostilizados por clientes e lojistas. Os
depoimentos de alguns dos participantes soam deprimentes.
Está-se diante de um acontecimento
extremamente delicado e em suas minudências rico de significados.
É necessário entender que o shopping é o “templo de Papai Noel”, deus do consumismo no universo de símbolos
na cultura de massa. A cultura de massa
carrega a característica de ser constituída de um corpo de símbolos, mitos e
imagens que trafega da vida prática ao imaginário, com suas projeções e
identificações específicas. Ora, para participar desta cultura de massa que
está permanentemente na mídia, é preciso acessá-la. É necessário que o
observador passe a ser observado. É preciso participar deste mundo sem ser
estranho a ele. Ela delineia arquétipo de felicidade que deve ser conquistada
pela competitividade, individualismo – ideia-força – vivida por milhares de
adeptos. A felicidade dentro da cultura de massa se alia a própria capacidade de
viver, considera Edgar Morin, um dos maiores pensadores da atualidade.
O episódio, inflado pela cultura de massa,
consumou-se, pelas suas contradições sociais, como luta
de classes, aditado à intervenção do aparelhamento de
repressão do Estado - ordem
social - possibilita uma análise como questão social, fenômeno
que vem sendo marcado por protestos, revolta e revoluções desde o século XVI, e
que teve seu apogeu com a Revolução Francesa.
Apesar de transcorridos alguns séculos, a
questão social continua sendo melhor interpretada simplesmente pela existência
da pobreza, conforme afirma Hannah Arendt (1906-1975), filósofa política alemã. Em nossos dias, os trabalhadores, os sem terra, sem teto,
tomam consciência e organizam-se, lutam pelos seus direitos sociais, ampliam o debate
e reivindicam justiça social.
As causas do entrevero não passaram ao largo
nas análises do arguto socialista utópico Charles Fourier (1772-1837), quando
assinalou que a ordem
social passou a ser instrumento de segmento da sociedade na
busca de satisfazer seus desejos em detrimento dos mais pobres e dos mais
fracos. Para ele, as leis e instituições passaram a ser elementos de
legitimação da opressão e dos privilégios. Estava ele corretíssimo, quando
certa feita, advertiu aos
detentores do poder e da riqueza que seus tronos estavam assentados sobre
barris de pólvora, que explosões revolucionárias se delineavam no horizonte.
Allan Kardec, em Obras
Póstumas, - “Questões e
Problemas” -, assim expõe acerca destes episódios:
“As convulsões sociais são revoltas
dos Espíritos encarnados contra o mal que os acicata, índice de suas aspirações
e esse reino de justiça pelo qual anseiam, sem, todavia, se aperceberem
claramente do que querem e dos meios de consegui-lo. Por isso é que se
movimentam, agitam, tudo subvertem a torto e a direito, criam sistemas, propõem
remédios mais ou menos utópicos, cometem mesmo injustiças sem conta, por
espírito, ao que dizem, de justiça, esperando que desse movimento saia,
porventura, alguma coisa. Mais tarde, definirão melhor suas aspirações e o
caminhos se lhes aclarará.”
Portanto, o Espiritismo admite as convulsões
sociais como processos naturais para a consolidação da Lei do Progresso, muito
embora não preconize adesão do indivíduo a processos revolucionários.
Ainda em Obras
Póstumas – “O Egoísmo e o
Orgulho” -, Kardec acentua: “não
podem haver homens felizes, se não viverem em paz, isto é, se não os animar um
sentimento de benevolência, de indulgência e de condescendência recíprocas;
numa palavra: enquanto procurarem esmagar-se uns aos outros.”
Aliás, em “O
Livro dos Espíritos” - no livro III
– Leis Morais
(igualdade, liberdade, sociedade, amor, justiça e caridade, trabalho) – encontram-se
todas as teses para que a sociedade se torne funcional de fato, com valores,
disciplina, poder e organizações sociais. Portanto, um fato social no contexto
social espírita, é também um fato cósmico, por estar ligado e dirigido por Leis
Naturais.
Quando Kardec propõe a caridade como dinâmica
para as relações sociais, entende que somente por ela se superará o
egocentrismo social.
O propósito do Espiritismo é a moralização do
homem, para que opere a transformação moral da sociedade. Este estado será
alcançado pela Educação moral.
Na questão nº 914 de “O Livro dos Espíritos”, o Reveladores Espirituais assim se
posicionam: “À medida que os homens se esclarecem
sobre as coisas espirituais dão menos valor às materiais, em seguida é
necessário reformar as instituições humanas que o entretêm e o excitam. Isso
depende da Educação.”
Eis as soluções para o hiato social
que existe entre os homens, que se convencionou chamar de classes sociais, e que diante de todas as suas
consequências – pobreza, exploração, contestação – levaram a questão social a
contornos problemáticos como as abordadas no festejado documentário.
Prezado Jorge Luiz, enquanto nos faltar a compreensão de que somos templos de Deus e procurarmos nos templos externos a ânsia das soluções dos problemas humanos ainda teremos que caminhar entorpecidos pelos engodos de crenças frágeis, alimentados pelos formadores de opinião que separam a humanidade entre ricos e pobres. A compreensão de caminhar dois mil passos quando mil forem solicitados e dar também o manto quando pedida a túnica é tarefa das mais difíceis enquanto não tivermos a convicção de que a mudança do mundo começa naquele que se reflete diante do nosso espelho. Roberto Caldas
ResponderExcluir