Pular para o conteúdo principal

A PEDAGOGIA DO "OUVI DIZER"




Nos meios acadêmicos, que frequentei parcamente, “ouvi dizer” é algo quase sem valor, ou com tanto valor quanto “eu acho”. Chamamos de achismos, pensamentos sem importância!
Mas os insignes mestres da Academia, que lecionam através de distintos livros à cartesiana, esquecem que o homem só é homem quando se mostra capaz de “achar”.
Então, outros mestres, tão distintos quanto aqueles, lecionam com menos reconhecimento, mas será que com menor importância?... Lecionam perguntando: A seara do pensamento deve ser apenas campo de reprodução do conhecimento? Ela não deverá, também, ser capaz de produzi-lo? Só posso citar alguém? Eu mesmo não poderei pensar, criar um pensamento?

De minha parte, neste modesto espaço de um blog ainda não famoso, eu lanço uma campanha, pois este escriba longe está da fama: Abaixo os textos com aspas! Chega de citações! Porém, digo isto pedindo consentimento aos leitores, defendendo os meus escritos, pois há momentos em que não desejo perder uma boa ideia, no entanto renuncio a coloca-la no papel por falta de tempo para referendá-la ou refutá-la com citações.
Então, eu implanto aqui a “Pedagogia do ouvi dizer”, pois hoje muita coisa boa se “ouve dizer” pelas rádios da internet, como é o caso da Fraternidade e da Boa Novo, ou da rede Amigo Espírita.
Como o assunto é comunicação e Doutrina Espírita, trarei à baila a metodologia de nossas reuniões formativas, palestras, conferências.
Um dia desses, “ouvi dizer” por uma dessas emissoras que novos métodos de “ensinar” a Doutrina estão chegando. Haroldo Dutra Dias, por exemplo, o culto tradutor do Novo Testamento publicado pelo C.E.I., vem adotando um método de oratória diferente do que tradicionalmente se utiliza nos meios espíritas. Consiste no seguinte:
--Discurso lento, quase parando... palavras bem pronunciadas... chega a fazer duas repetições de uma frase, portanto cita três vezes o mesmo pensamento... dá tempo de rir, de enfatizar, de fazer o que quiser com o tratar de assuntos complexos, que “descem” ao entendimento das pessoas mais simples.
Ao fim de uma palestra, Haroldo terá empregado 1/3 das palavras de um orador tradicional. E talvez terá chegado a 3 vezes o entendimento proporcionado por este. Especulações estatísticas minhas, a partir do que ocorre comigo!
Certamente por atuar no campo do Direito, onde a oratória é assunto científico, ele deve ter chegado concluído que o ritmo, a ênfase, a repetição e o sentir a reação dos ouvintes são elementos indispensável, não apenas à persuasão, mas também ao esclarecimento.
Mas não é a vaidade que motiva este denodado trabalhador, forjado nas Minas de Chico Xavier e que vem se destacando em palestras, traduções, livros e mídias modernas, como o Portal do Ser.
Penso tê-lo “ouvido dizer”, na mesma entrevista, que Divaldo Pereira Franco já lhe pediu para conversar sobre o interessante estilo. Depreende-se que o médium baiano reconhece o valor pedagógico da “palestra lenta”.
Mas o verdadeiro conhecimento não disputa. Então Haroldo explicou, traindo a humildade, que a fantástica oratória de Divaldo é o recurso de que a Espiritualidade dispunha para fazer chegar a Doutrina Espírita a tantos lugares e pessoas: Teatral, comovente, a deixar qualquer um de queixo caído!
Os Bezerra de Menezes, os Viana de Carvalho, os Divaldo Franco, os Raul Teixeira... ofertaram à comunidade espírita pérolas oratórias de valor técnico e moral inconfundível.
A palestra, na visão dos espíritas, suplanta em interatividade os cultos católico e protestante, pois ao fim daquelas é possível fazer perguntas.
Contudo, a grande aceitação da “síntese” como “modelo” dos conteúdos a serem transmitidos por via oral remete-nos a uma pergunta:
--Não é chegado o momento do diálogo nas reuniões espíritas? Não me refiro ao Diálogo Fraterno, privado, mas o diálogo aberto nas reuniões.
Outra pergunta:
--Embora que o diálogo consuma mais tempo; que menos questões sejam analisadas... à consciência não resultaria mais proveito?
E uma pergunta de fariseu, para finalizar:
--Se o Espiritismo segue o progresso da Ciência; e se esta é uma questão apenas de forma e não de fundo, para usar os termos do Codificador, não seria hora de ficarmos mais atentos ao ramo pedagógico e psicológico do conhecimento?
São questões para se pensar. Afinal, não podemos esquecer que Kardec foi um sábio educador e herdeiro de dois outros grandes mestres: Pestalozzi e Russeau.
Se for acatado, eu, que me excedo em palestras, serei o primeiro a ter que me emendar.

(*) Pres. do Centro Espírita "O Pobre de Deus", Oiticicas, Viçosa do Ceará.

Comentários

  1. Sou uma a aderir a "Pedagogia do ouvi dizer", tendo em vista, que seria pretensão a minha acreditar que existe a forma adequada para expor o pensamento... ainda mais se este estiver livre!!! O pensamento deve se expressar da forma que se acredita e entende a vida, o corpo é vitrine e não dá para ignorar o entorno.

    Adorei o texto!!!

    ResponderExcluir
  2. Meu Caro Everaldo, sabe que você tem razão! Parabéns, pelo texto que nos faz refletir. Castro

    ResponderExcluir
  3. Nem sempre falar de suas idéias e reflexões é distorcer a Doutrina. É sempre bom ouvir novas idéias, desde que arejadas pela disciplina do estudo e do discernimento. Parabéns pela ousadia!!! Alex Saraiva - Crateús/CE

    ResponderExcluir
  4. A forma do pensamento é infinito,e quando se ouve dizer de alguém que confiamos,é algo extraodinário para termos novos conhecimentos e aperfeiçoamos nossas qualidades do saber.Portanto um belo texto.Abraço amigo Jorge.

    ResponderExcluir
  5. Caro Everaldo,
    Oportuna sua reflexão. Ainda não sabemos lidar com a originalidade do pensamento. Preferimos "tagarelar" como papagaios que criar o pensamento.

    ResponderExcluir
  6. Meu Caro Amigo Everaldo.
    É sempre bom asistir sua palestra.
    A qualidade de seus textos é comprovada. Demonstrando conhecimentos da doutrina espírita.
    Parabéns

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

A CIÊNCIA DESCREVE O “COMO”; O ESPÍRITO RESPONDE AO “QUEM”

    Por Wilson Garcia       A ciência avança em sua busca por decifrar o cérebro — suas reações químicas, seus impulsos elétricos, seus labirintos de prazer e dor. Mas, quanto mais detalha o mecanismo da vida, mais se aproxima do mistério que não cabe nos instrumentos de medição: a consciência que sente, pensa e ama. Entre sinapses e neurotransmissores, o amor é descrito como fenômeno neurológico. Mas quem ama? Quem sofre, espera e sonha? Há uma presença silenciosa por trás da matéria — o Espírito — que observa e participa do próprio enigma que a ciência tenta traduzir. Assim, enquanto a ciência explica o como da vida, cabe ao Espírito responder o quem — esse sujeito invisível que transforma a química em emoção e o impulso biológico em gesto de eternidade.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...

POR QUE SOMOS CEGOS DIANTE DO ÓBVIO?

  Por Maurício Zanolini Em 2008, a crise financeira causada pelo descontrole do mercado imobiliário, especialmente nos Estados Unidos (mas com papéis espalhados pelo mundo todo), não foi prevista pelos analistas do Banco Central Norte Americano (Federal Reserve). Alan Greenspan, o então presidente da instituição, veio a público depois da desastrosa quebra do mercado financeiro, e declarou que ninguém poderia ter previsto aquela crise, que era inimaginável que algo assim aconteceria, uma total surpresa. O que ninguém lembra é que entre 2004 e 2007 o valor dos imóveis nos EUA mais que dobraram e que vários analistas viam nisso uma bolha. Mas se os indícios do problema eram claros, por que todos os avisos foram ignorados?