Pular para o conteúdo principal

SALA REPLETA...CASA DESERTA






“Tanta gente!... E estava tudo vazio. Tanta gente!... E o meu cantar tão sozinho.” (Gilberto Gil)

 
 
            O que teria isso a ver com o cotidiano dos grupos espíritas na atualidade?... Muita coisa!...
            Em Casas equivocadamente agigantadas, equipes trabalham por turno e mal se conhecem, pessoas viram números e o velho e essencial acolhimento que começaria “dentro de casa” acaba se perdendo em meio à distribuição de senhas para o passe e outras novidades em nome da organização. A preocupação é atender e impressionar bem aos que chegam, aos que vem de fora. Enquanto isso, no interior dos grupos, quanta gente sofrendo de solidão acompanhada... Minguando afetivamente!
            Importante avaliar como tem sido a nossa relação com os companheiros de dentro, no cotidiano institucional espírita. Conseguimos perceber seu olhar mais triste nesse ou naquele dia? Quando desaparecem por algum tempo, o nosso primeiro pensamento é de censura ou preocupação? Passa pela nossa cabeça que possam estar atravessando uma fase difícil e, em caso afirmativo, nos mobilizamos para ampará-los? Aos que retornam após um período de ausência, a manifestação tem sido de acolhimento e alegria ou de cobrança?

            Ah, as tais cobranças... Das piadinhas sarcásticas e olhares enviesados ao dedo em riste, vale tudo para manter o “bom andamento das atividades, em nome de Jesus”... Porém, vale a pena pensar se tem sido oferecido afeto, compreensão e solidariedade na mesma medida em que se cobra.
            Favorecidos por regras monásticas que inibem a espontaneidade e a afetividade entre os trabalhadores, os grupos acabam resvalando para o extremismo. “O silencio é uma prece”... Antes, durante e depois das reuniões. Ignora-se que onde não há espaço para diálogo e autenticidade não pode haver uma relação saudável e verdadeira. Assim, vestindo a armadura do formalismo que afasta - em lugar da naturalidade que aproxima - temos nos tornado meros tarefeiros, cada vez mais robotizados e indiferentes. Sem perceber, em vez de estar uns com os outros temos apenas passado uns pelos outros, como se as pessoas fizessem parte dos móveis e utensílios da Casa Espírita.
            Muito comum entrar no grupo, assinar a lista de frequência (uma espécie sutil de folha de ponto para espíritas) e ligar no automático. A preocupação em ser impecável sobrepõe-se então ao importar-se com. É que andamos muito ocupados em ser perfeitos. Mesmo que ser perfeito signifique apegar-se a detalhes ínfimos e apontar a imperfeição alheia para colocar em destaque a pretensa superioridade que ainda estamos longe de possuir... Quanta ilusão!
            Se o companheiro procura ajuda, lá vem o julgamento implacável implícito na “receitinha de bolo”: Prece, água fluidificada, redobrar a vigilância... Com direito, é claro, a sorrisinho paternalista e tapinha nas costas. Dali cada qual pro seu lado e a cômoda sensação de dever cumprido, sem que tenhamos, entretanto, caminhado um milímetro sequer em direção às reais necessidades do outro. Sem contar que, convenhamos, numa quase ditadura da pseudo-santidade como critério de “promoção” a trabalhador espírita, raros são os que têm coragem de expor suas dificuldades, por mais que estejam passando o pão que o diabo amassou. Afinal, reza a lenda que espírita não pode estar sujeito aos problemas existenciais inerentes aos “reles mortais”, como estresse, depressão, frustração amorosa ou coisa que o valha. Daí o receio de se abrir, pois mostrar alguma fragilidade pode significar perda de credibilidade e exclusão dos trabalhos, pode render o  estigma indigesto de obsediado.
            Some-se a tudo isso o fato que, embora espíritas, a maioria de nós tem vivido na prática como bons materialistas. Interagindo numa sociedade altamente competitiva, temos sido sutilmente seduzidos pelo supérfluo, em detrimento do essencial. O objetivo primordial da vida passou a ser o sucesso profissional, social e financeiro, que inclui produzir, consumir e ostentar (desde títulos acadêmicos e profissionais a bens materiais). Mas ser “bem sucedido” dá muito trabalho. Os inúmeros cursos, viagens e horas extras à noite, fins de semana e feriados, somados à necessidade exacerbada de ter, tomam-nos muito tempo.            
             Então os compromissos espirituais deixam de ser prioridade. Vão sendo adiados ou assumidos pela metade, encaixados nas sobras de tempo que restam de tudo o que é material e “urgente.” Passa-se então a ir à Casa Espírita quando dá... Só pra bater o ponto... E de preferência “correndinho,” como quem dá um pulinho no supermercado mais próximo só pra suprir uma ou outra coisa que está em falta na despensa. Nem bem acabou o “assim seja” e as pessoas já saem feito foguete para “levar ou buscar Fulaninho e Beltraninha não sei onde”... Ou para compromissos que poderiam tranquilamente ser agendados em outra data.
            Ora, quanto mais superficial a convivência, mais frieza nas relações. Passamos então a nos esbarrar na Instituição, não como irmãos, mas como meros colegas de trabalho; a viver uma vida paralela fora do Grupo Espírita, com um circulo de relações à parte, onde dificilmente há lugar para os companheiros de ideal.
        Em que vão escuro do preciosismo doutrinário e do igrejismo teremos perdido a sensibilidade, o prazer de estar juntos, os laços de amizade que extrapolavam os muros da Casa Espírita? Em que lugar do tempo foi parar as gostosas confraternizações extra-reuniões... Os agradáveis bate-papos após as atividades... A amizade parceira que se estendia para os programas de lazer em comum... O olhar atento que detectava quando esse ou aquele amigo não estava bem... O interesse verdadeiro pelo bem-estar uns dos outros?...  Talvez seja mais fácil culpar a correria e o medo da violência dos dias atuais - alegando que é perigoso chegar tarde em casa ou pretextando falta de tempo  ou pretextando “a  a ante os "?- do que responder honestamente a essas perguntas, mas uma coisa é inegável: Coragem é questão de fé, e tempo é questão de prioridade.
           E são tantos os irmãos que reclamam atenção especial... Companheiros solitários para os quais os fins de semana são intermináveis e que, se acolhidos, com certeza se sentiriam muito melhor!... Companheiros em processos reencarnatórios difíceis ou em períodos de crise existencial, para os quais faria toda a diferença uma conversa amorosa, a presença amiga naquele momento crucial ou a festinha surpresa de aniversário. Celebrar gente é trabalhar a autoestima individual e coletiva. Quando as pessoas se sentem valorizadas, quando são envolvidas em ambiente de carinho, alegria e leveza, todo o grupo se torna mais harmônico, feliz e produtivo.
       “Espíritas, amai-vos e instruí-vos!” - Recomendou o Espírito de Verdade. A construção da frase sinaliza, clara e pedagogicamente, para a ação prioritária. Teoria já temos de sobra. Agora é aplicá-la no cotidiano das relações. É avaliar com honestidade até que ponto ser impecável, indispensável e PHD em Espiritismo, tem sido mais importante do que ser irmão.
        “Reconhecereis os meus discípulos por muito se amarem” – afirmou Jesus. Neste momento é imperioso resgatar a nossa identidade de seguidores sinceros do Mestre, buscando interagir com sinceridade e companheirismo. Como distribuir aos que chegam o afeto, o aconchego e a tolerância que sequer conseguimos construir entre nós, companheiros de caminhada e de ideal?
            Repensemos. Continuar a brincar de ser fraternos, alimentando a distância entre o discurso e a pratica da legítima fraternidade, é um enorme desserviço a nossa própria evolução e felicidade. O mundo espiritual tem nos alertado que das boas intenções de teóricos e indiferentes espíritos-espíritas o umbral já está cheio... E os hospitais das colônias espirituais também!.. Muito embora - pra sorte nossa - em casos de extrema pobreza e vulnerabilidade espiritual a Misericórdia Divina nunca negue licença pra mais um puxadinho.  


Comentários

  1. Bom dia irmãos de ideal espírita! Tenho a certeza que se a Joana conhecer o ICE ficará maravilhada, não porque somos perfeitos, mas, pelo carinho e alegria que nos envolve o grupo. Toda casa espírita terá os seus problemas e dificuldades de relacionamento entre um ou outro membro, mas tudo superável quando a cordialidade e alegria de um propósito comum nos faz compreender o outro. Que levemos a alegria e a fraternidade aos centros espíritas e joguemos para longe a solidão em meio a multidão.
    Abraço fraterno.
    Fernando Bezerra

    ResponderExcluir
  2. Olá, Joana Abranches

    Seu texto está muito bom. O evangelho nos tras em suas linhas grandes conhecimentos dos quais pouco absorvemos, ou até mesmo, pouco compreendemos.

    Para citar, como exemplo temos a "Indulgência" - palavra profunda. Passei a ler o evangelho sempre desde que me tornei espírita, mas, ao passar do tempo as "obrigações" de faculdade, trabalho e "n" passaram a ser prioridade.

    O que você fala, de fato, são problemas recorrentes.

    O interessante é ver que cada linha do evangelho quando bem lida e bem internalizado é o constante convite a mudança. Não há como ser espírita sem o desejo da constante mudança interior.

    Eu posso dizer que tenho lutado contra o materialismo - algumas vezes tenho sucesso, de outras nem tanto. Mas, o desejo da reforma íntima permanece. Que essa chama do ideal espírita se manhenha nos nossos corações.

    Muita paz a todos.

    Abraços da Casa Espírita a Caminho da Luz - Beberibe - CE.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

OS ESPÍRITAS E OS GASPARETTOS

“Não tenho a menor pretensão de falar para quem não quer me ouvir. Não vou perder meu tempo. Não vou dar pérolas aos porcos.” (Zíbia Gaspareto) “Às vezes estamos tão separados, ao ponto de uma autoridade religiosa, de um outro culto dizer: “Os espíritas do Brasil conseguiram um prodígio:   conseguiram ser inimigos íntimos.” ¹ (Chico Xavier )                            Li com interesse a reportagem publicada na revista Isto É , de 30 de maio de 2013, sobre a matéria de capa intitulada “O Império Espírita de Zíbia Gasparetto”. (leia matéria na íntegra)             A começar pelo título inapropriado já que a entrevistada confessou não ter religião e autodenominou-se ex-espírita , a matéria trouxe poucas novidades dos eventos anteriores. Afora o movimento financeiro e ...