segunda-feira, 4 de junho de 2012

OS DESAFIOS DA GESTÃO DA CASA ESPÍRITA

Mediante autorização dos administradores do site Correio Fraterno - www.correiofraterno.com.br -, reproduzimos a entrevista abaixo, realizada por Eliana Haddad, considerando que as ideias são pertinentes e em perfeita sintonia com a proposta desse blog.


milaniO consultor sobre políticas e práticas de responsabilidades sociais Marco Milani conheceu o espiritismo em 1988, um ano antes de se graduar em Economia pela Universidade Mackenzie, em São Paulo. Despertado pelo espiritismo para as problemáticas sociais, passou a se interessar pelo Terceiro Setor, aprofundando-se no tema em seu mestrado e doutorado em Controladoria e Contabilidade na Universidade de São Paulo. Suas atividades como docente na Universidade Mackenzie e também no movimento espírita paulistano (é diretor de doutrina da USE Distrital Lapa) reforçam a sua condição de traçar em entrevista exclusiva ao Correio Fraterno um panorama sobre gestão da casa espírita.

Qual o principal desafio dos gestores de casas espíritas hoje? 
Como em qualquer época, todo gestor deve identificar e compreender os desafios do contexto em que se encontra. Uma das características da sociedade moderna, além do acesso massificado à informação, é a maior velocidade relativa de mudanças em determinados aspectos sociais e econômicos, fato que influencia novos padrões de comportamento dos indivíduos. Muitos gestores têm dificuldade de acompanhar essas mudanças e, ao se depararem com desafios modernos, tentam utilizar soluções do passado que não se mostram eficazes atualmente.
Que mudanças são essas?
A mudança no perfil do voluntário é uma delas, que hoje tem um nível de conhecimento geral, expectativas e disponibilidade de tempo diferentes de 20 anos atrás. O gestor deve promover a captação, motivação e retenção de colaboradores talentosos de maneira diferente do que se fazia no século passado. Há também a necessidade de se preparar a organização espírita para captar recursos financeiros, mediante a elaboração de projetos sociais bem desenhados e capazes de oferecer resultados que ultrapassem o assistencialismo, a fim se incentivar a geração de renda e a mobilidade social dos assistidos. Outro ponto fundamental é a qualidade do ensino doutrinário e os meios de divulgação a serem utilizados, diante de um público habituado a novas tecnologias e com comportamentos sociais típicos das presentes gerações. Isso não implica alterar o papel do centro espírita, mas aprimorar as ferramentas de comunicação e contar com pessoal capacitado para que as casas atuem eficazmente, como agentes transformadores da sociedade.
Quais características dos gestores, a seu ver, mais interferem no desempenho das casas espíritas? 
Se encontramos casas que contam com gestores muito bem preparados e que se esforçam para oferecer uma administração competente, pautada na ética e voltada para a sustentabilidade da organização, temos também pessoas que foram conduzidas à função administrativa apresentando inadequações de diferentes naturezas. Geralmente, as organizações padecem pela ausência de planejamento, personalismo, falta de preparo para a sucessão e problemas de governança. Mas esse não é um problema novo e nem exclusivo de centros espíritas. Qualquer organização pode sucumbir diante de obstáculos mais complexos do que seus gestores poderiam imaginar. O que se deve evitar é a postura ingênua de se supor que o auxílio espiritual suprirá o comodismo e a falta de preparo de alguns gestores. Espíritos superiores ajudam quem se esforça para ser ajudado. Só a boa vontade não mantém o centro organizado e funcionando, se assim fosse, alguns centros não teriam que encerrar as atividades.
Existe uma preocupação exagerada para a captação de recursos para o centro espírita hoje? Quais as principais fontes de recursos?
É preciso lembrar que nenhuma casa sobrevive sem recursos, sejam eles humanos ou financeiros. É fundamental que se planeje a continuidade operacional do centro espírita conforme a estrutura e as atividades pretendidas. O problema, então, não é saber ‘o que’ angariar, mas ‘como’, respeitando-se os princípios éticos abraçados pela instituição. As dificuldades econômico-financeiras costumam estimular a criatividade de muitos gestores quando se buscam meios para aumentar a captação. Geralmente as principais fontes de receitas são as mensalidades dos associados, doações, eventos e campanhas, comercialização de livros, alimentos e bazares. Poucos captam recursos públicos e privados por meio de projetos sociais submetidos a organizações de fomento nacionais e internacionais.
Como evitar problemas financeiros nas casas espíritas?
Os problemas financeiros estarão presentes nos centros que comprometerem grande parcela de seu orçamento com as despesas fixas, sem muita margem de segurança para absorver eventuais variações negativas no caixa. É muito comum a queda de receita no início e no meio do ano, devido ao período de férias e menor atividade nas casas. As despesas fixas (aluguel, salários) independem da quantidade de frequentadores e devem ser pagas pontualmente, por isso deve-se contar com provisões para esses períodos. Não se pode desenvolver atividades que não se tenham recursos previstos para cobri-las, ainda que isso implique reduzir o volume ou a frequência de algumas dessas atividades. A caridade é caracterizada pela ação responsável e não pela atitude imprevidente.
Comente sobre a administração de voluntários.
No centro espírita temos voluntários e muitas organizações também contam com funcionários. A responsabilidade pelo trabalho bem realizado é exatamente a mesma para ambos. E isso é perfeitamente natural, pois a sociedade mudou. A disponibilidade de tempo, as novas estruturas e relações familiares afetam as características do voluntariado. Há deveres e obrigações que devem ser explicitados e constantemente relembrados. Líderes devem ser identificados e envolvidos na proposta de trabalho da casa, pois serão os responsáveis pela condução das diversas tarefas. Obviamente, aqueles que já tiveram experiências profissionais em funções diretivas tendem a administrar equipes de trabalho de maneiras mais objetivas. Se até Jesus teve que administrar problemas de relacionamento entre seus discípulos, por que isso seria diferente nos centros espíritas?
Como fazer os voluntários do centro serem realmente receptivos e fraternos com as pessoas que chegam?
Treinamento adequado, envolvimento com os objetivos do centro e comprometimento com a causa. Esses três fatores estimulam a capacitação, o foco e a disciplina. A atividade voluntária deve proporcionar satisfação para quem a desenvolve e qualidade para quem dela se beneficia. O produto final sempre dependerá da motivação constante daquele que executa e direcionamento dos esforços para o objetivo desejado por parte de quem administra.
Dá para aplicar ainda o modelo proposto por Allan Kardec na Sociedade Espírita de Paris?
A estrutura proposta por Kardec – educação, assistência e divulgação – inspirou o modelo seguido pela maioria dos centros espíritas brasileiros. Igualmente, o papel que Kardec desenhou para a Comissão Central, em seu Projeto de 1868, influenciou a estruturação das entidades federativas no movimento espírita. Entretanto, ele previu diversos mecanismos de governança para a Comissão Central que hoje, infelizmente, se perderam. Por exemplo, os congressos espíritas deveriam proporcionar um ambiente para a reflexão crítica e para a tomada de decisões sobre os caminhos do próprio movimento espírita e suas organizações. Atualmente, com raras exceções, os congressos se tornaram eventos sociais festivos, cujo objetivo é receber renomados palestrantes que versam sobre temas tradicionais sem a produção efetiva de debates sobre temas polêmicos nem sobre os rumos do movimento espírita. Uma das preocupações de Kardec era a união entre os diversos grupos espíritas, por meio do alinhamento conceitual doutrinário, sendo os congressos ambientes adequados para essas discussões. Nos centros espíritas, o modelo tradicional estimula a assistência social e espiritual, mas a quantidade de pessoas que permanece na casa para estudar e trabalhar não é grande, sugerindo que os fatores de atração devem ser repensados.
Há grupos no movimento espírita que se formaram com características diferentes das tradicionais casas espíritas?
Sim, existem grupos com finalidade de atuação específica, como os formados por profissionais de determinada área (Abraje, Abrape, Aje etc.) ou grupos de cunho científico, em que destaco a Liga dos Pesquisadores do Espiritismo, um grupo virtual que tem a proposta de aproximar estudiosos do mundo inteiro sobre a temática espírita, com encontros científicos anuais, onde trabalhos de pesquisa são apresentados. Há associações, ainda, com valiosos acervos, como o Museu Espírita e o CCDPE – Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo, ambos em São Paulo.
Dentre as entidades federativas, a União das Sociedades Espíritas de São Paulo faz um bom trabalho no sentido de fortalecer o movimento espírita, incentivando a cooperação e sinergia entre as casas, além de promover ações de esclarecimento e fomentando o debate de temas atuais, como por exemplo, a sustentabilidade do centro espírita e sua integração com a comunidade.
E quanto ao mercado editorial e as casas espíritas? Estamos oferecendo o que vende ou o que se precisa?
É uma questão crítica, pois há uma enxurrada de autores e obras superficiais e poucos trabalhos que se propõem a um desenvolvimento doutrinário consistente. Agrava-se o problema quando textos espiritualistas, mas que não são espíritas, invadem as prateleiras de algumas livrarias de centros, porque priorizou-se o apelo comercial. Isso confunde o leitor que acredita que todos os livros oferecidos numa livraria espírita são coerentes com os princípios doutrinários. Cabe aos administradores de livrarias a seleção dos títulos e autores a serem oferecidos. Igualmente, os gestores do centro devem analisar com muito cuidado os pedidos de certas pessoas que se oferecem para realizar palestras na condição de poderem comercializar as suas obras. Geralmente, esses divulgadores de si mesmos e preferem centros com grande público. Bons livros são aqueles que favorecem a ampliação e consolidação do conhecimento doutrinário de forma clara e objetiva, sem misticismo, estimulando o leitor a se autodescobrir enquanto ser espiritual e compreender as leis naturais que nos impulsionam a progredir através da prática da caridade e do aprimoramento intelectual.
 

6 comentários:

  1. Excelente matéria!
    Everaldo Mapurunga
    Viçosa do Ceará

    ResponderExcluir
  2. Excelente! Vou copiar e discutir estas questões lá nosso grupo.

    ResponderExcluir
  3. O que mais me chama a atenção nesta matéria é a questão da qualidade do serviço doutrinário a ser prestado pela casa espírita. Quando se tem compromisso doutrinário e insere-se isso ao contexto atual, levando a discussão com o público, os ventos do tempo jamais derrubarão a casa edificada com esse propósito. Quanto aos meios de comunicação, em nossa casa espírita estamos sempre antenados e os resultados são visíveis. Muito boa matéria com alguma ressalva em um ponto ou outro.

    Fernando Bezerra - ICE

    ResponderExcluir
  4. Gostei muito...
    Parabéns!!!
    Muita Paz!

    ResponderExcluir
  5. Muito bom! Abraços, diretamente de Beberibe - CE. =)

    ResponderExcluir
  6. O conteúdo é digno de ser reproduzido e divulgado para todas as instituições espíritas, no Brasil e no exterior.
    Parabéns!
    Carlos
    Espanha

    ResponderExcluir