Pular para o conteúdo principal

DIALÉTICOS COM PORTEIRO. QUE ESPÍRITA É VOCÊ?

 

 

Por Ana Cláudia Laurindo

O que seria da vida sem a partilha?

Adoro fazer estas pequenas lições de virtude, dividindo coisas boas com os demais. E, no caso, falo das leituras que estou fazendo e refazendo, priorizando obras espíritas de cunho progressista e especialmente político, porque é disso que eu gosto mesmo.

Espiritismo Dialético é um livro de espessura modesta, escrito por Manuel Porteiro, aquele propositor da sociologia espírita com raiz latino-americana.

Em tom de brincadeira ante coisas sérias (que a meu ver as deixa ainda mais sérias) ele registrou na página 19: “Ante os fatos surpreendentes do Espiritismo, não faltarão céticos que dirão com um certo sabor de ironia, usando o conhecido paradoxo: Será verdade tanta mentira? Ao que os homens estudiosos e reflexivos contestarão, tendo ante seus olhos a visão dos fatos: Será mentira tanta verdade?”

E você, o que acha?

No mundo dos achismos quem repete jargões vira sábio, e nem precisa de estudos.

Mas quando estudamos, a complexidade nos transforma em cuidadosos; no falar, escrever, agir, pensar e reproduzir narrativas.

Esse cuidado, no entanto, nada tem a ver com neutralidade ou peleguismo, porque neste território de saberes não negociamos agrados ou desagrados.

Porteiro afirma na página 20: “Estudando o Espiritismo, alcançam-se muitos mistérios, resolvem-se muitos problemas da vida, ampliam-se os horizontes do conhecimento humano e explicam-se as anomalias da sociedade…”.

Vale ressaltar que os mistérios não ganham tons de assombradas revelações, porque a naturalização dos fenômenos afasta temores, esvazia coações, explica e esclarece sobre existir, nascer, morrer e renascer, em ciclos de continuidades que animam nossas esperanças.

Por esta via de compreensão o Espiritismo nos ajuda a resolver problemas da vida, e isso não significa assumir um corolário de culpas e resgates de dívidas, mas tão somente incentiva as lutas pela assunção das propriedades inatas conquistadas pela inteligência, sem afã de domar as criatividades, mas acolhendo carinhosamente o estado evolutivo que aguarda o passo seguinte.

Ao ampliar os horizontes do conhecimento humano a vivência espírita libertária promove o reencontro interior, antes ferido pelas crenças médias, acusatórias e enregeladas nos tradicionalismos. Nos descobrimos partes essenciais de um processo imenso, do qual podemos participar de variadas maneiras, semeando ou colhendo, alimentando ou repousando. Na alçada das nossas possibilidades, contribuindo.

Porque as anomalias da sociedade são mantidas pela ignorância inerte dos que se calam quando o anúncio do Reino já foi permitido. O campo sutil da alma não está desligado das vivências materiais, mas quando aquelas suplantam as outras necessidades as perdas afetam a evolução de todos nós espíritos.

Advertem os amigos:

Aquele que se engana a si mesmo não consegue passar pela porta do Reino. O que não joga na estrada os fardos do egoísmo não podem entrar com eles no Reino. O que pensa que o Reino está longe terá de andar muito para encontrá-lo, mas o que sabe que o Reino está aqui mesmo, ao nosso lado, já o traz dentro de si. Ai, porém, do que pensar que o Reino já está nele e deixar de buscá-lo! (O Reino, Irmão Saulo – Herculano Pires)

A ignorância pode fechar as portas do Reino interior, onde nossas buscas promovem necessidades supremas e instigam a saída das zonas conhecidas, no advento das mudanças e transformações.

Estudar é processo infinito. Nunca seremos novos ou velhos demais para aprender o que precisamos. Por isso partilho incentivo às leituras, diálogos, debates, pesquisas. Há muito a ser descoberto e o que já foi revelado confirma que precisamos buscar.

Porteiro na página 15, nos dirá: “Conhecer-se a si mesmo: saber o que somos, de onde viemos e para onde vamos! Eis aí o problema, o formidável problema, que inclui o princípio da verdadeira sabedoria”.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.