domingo, 14 de agosto de 2022

LOBISOMEM: MITO OU REALIDADE?

 


 Por Americo N. Domingos Filho

 

Na tradição oral, em âmbito mundial, há o relato fantástico de um ser que se converte em lobo, em noites de lua cheia, e, sedento de sangue, sai em busca de suas vítimas para sugá-las. Ao amanhecer, assume de novo as características de uma pessoa comum. Essa lenda revela um ser amaldiçoado, que se torna parte homem e parte lobo, produzindo muito temor, principalmente nas crianças e, igualmente, em muitos adultos, especialmente os moradores de áreas rurais.

A cultura popular denomina essa assustadora criatura de lobisomem, conhecido praticamente no mundo todo. Relatos mais antigos apontam sua origem, na Grécia Antiga, com o nome de licantropo (lykos, significando lobo, e anthropos, homem).

Em relação ao assunto, descortinado sob à ótica espiritista, lembro-me de dois episódios, os quais me impressionaram muito, principalmente por estar me vinculando aos arraiais kardecianos e ávido por adquirir novos e importantes conhecimentos.

A minha primeira lembrança aconteceu através da saudosa médium Yvonne do Amaral Pereira, responsável por excelentes livros publicados pela Federação Espírita Brasileira. Durante alguns meses, todos os sábados, à tarde, me dirigia à sua residência, situada em um subúrbio da cidade do Rio de Janeiro, na qual fui agraciado com muitas lições ministradas pela estimada confreira, indiscutivelmente abençoada pessoa que renunciou a tudo, dedicando-se integralmente ao seu mandato mediúnico.

Em uma das valiosas e inesquecíveis oportunidades, a querida Yvonne abordou o tema em tela, fornecendo-me uma primorosa abordagem, relatando um fato verídico de aparecimento de um lobisomem na cidade do interior onde morou e, pela primeira vez, recebi uma explicação possível, alicerçada na Terceira Revelação Espírita.

O outro acontecimento ocorreu quando me tornei amigo de outro excelente e saudoso profitente espírita, muito conhecido pelas obras editadas, por magníficas palestras, pelas belíssimas composições musicais e, devido ao seu comportamento edificante, vencendo, inclusive, com sucesso, as duras limitações impostas pela cegueira congênita.

Que saudades sinto do meu querido companheiro de lida espírita, Luís Antônio Millecco Filho! Através dele, iniciei meu aprendizado espírita e, durante muitos anos, fui seu “médium de transporte”, como risonhamente me chamava, por poder conduzi-lo às palestras, transportando-o de carro, ajudando-o sobremaneira em sua locomoção já muito dificultada devido à sua deficiência visual.

Pois bem, além de escrever um livro em parceria com ele (“Cartas a um sacerdote”, editora EME de Capivari, SP), participei igualmente de matérias espíritas de sua lavra, manuscrevendo o que ele me ditava. Lembro-me, quando me anunciou que tinha terminada uma obra a respeito do folclore brasileiro e me solicitou ajuda no sentido de encontrar uma editora que a publicasse. Fui ao confrade e colega Dr. Paulo da Costa Rzezinski, o qual, prontamente, aquiesceu, sendo o responsável pela primorosa edição de O Lado Oculto do Folclore Brasileiro, pela Livraria Atheneu, em 1987, onde exatamente no capítulo 3, da Primeira Parte, intitulada “O folclore e o paranormal”, é abordado o estudo em apreço, fazendo uma análise, uma discussão natural do lobisomem, enquadrando-o na probabilidade de ser “a versão sertaneja de certos médiuns de ectoplasmia ou materialização, torturados e escravizados a terríveis processos de subjugação obsessiva” (1).

Na introdução do livro, o estimado autor relata que lhe vieram à mente algumas interrogações a respeito de lendas, símbolos e mitos em correlação com o mundo complexo e fascinante, penetrado e estudado pelo eminente psicólogo Carl Gustav Jung, deslumbrando os cenários arquetípicos. Considerou importante empreender um estudo do folclore brasileiro, relacionando-o como uma espécie de espelho onde reflete o psiquismo humano, individual ou coletivo. Enfatizou com muita propriedade: “Não estarão escondidas nele (folclore) verdades sérias e profundas, capazes de alimentar nossa sede de conhecimentos?” (2). Do mesmo modo, o saudoso Millecco afirmou que a definição mais comum de folclore é “saber do povo” e essa sabedoria, certamente, não abrange apenas a culinária, o pitoresco, a superstição” (3).

 

Subsídios importantes revelados pela Doutrina Espírita na contribuição da pesquisa do tema

 Allan Kardec, brilhante como sempre, assevera que “uma ideia só é supersticiosa quando é falsa; deixa de o ser quando se torna uma verdade. Está provado que no fundo da maioria das superstições existe uma verdade amplificada e desnaturada pela imaginação(...) Mostremos a realidade, expliquemos a causa e a imaginação se detém no limite do possível; o maravilhoso, o absurdo e o impossível desaparecem e, com eles a superstição” (4).

A ajuda da ciência espírita é marcante no exame desse ser folclórico, através do estudo e pesquisa dos fenômenos marcantes da ectoplasmia, da licantropia, da transfiguração, da presença da vestimenta espiritual ou períspirito. Assim sendo, muito pode auxiliar a Doutrina compilada pelo sábio francês, Alan Kardec, desde que apresenta muitos subsídios ao tema.

Disse o magnânimo codificador: “O Espiritismo, avançando com o progresso jamais será ultrapassado, porque se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ele se modificará nesse ponto; se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará” (5).

Segundo o que ensina a ciência espírita, além do corpo físico, o homem possui uma vestimenta espiritual, denominada de períspirito, por meio do qual entra em contato com a dimensão extrafísica e constitui o laço que une a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o espírito. Após a morte, o ser conserva essa indumentária etérea, imperecível, também denominada de “corpo espiritual” por Paulo de Tarso (6).

Segundo Kardec, nos mundos inferiores e, especificamente, nos seres ainda não esclarecidos, “o períspirito é de natureza mais grosseira e se aproxima muito da matéria bruta” (7), sendo a janela por onde o ser espiritual revela sua identificação. Esse corpo etéreo, além de ser o agente modelador por excelência do corpo somático, no processo do “nascer de novo” ou reencarnação, possui a propriedade da plasticidade, assentando sua forma sob o comando da mente, sendo responsável por transformações marcantes em sua apresentação e, de acordo com o grau evolutivo bem inferior do espírito, pode mostrar um aspecto animalesco, processo que se conhece como zoantropia, através da ideoplastia consciente ou induzida.

Assim sendo, pela força do pensamento e da vontade, os espíritos devotados ao mal moldam sua exposição, dando-lhe as mais terríveis formas e atributos, até mesmo com características próprias de bichos ferozes ou monstruosos. Através do fenômeno da ectoplasmia ou materialização, as entidades brutalizadas com aspecto próprio de animais são capazes de se apresentar visíveis a todos os circunstantes, por meio da utilização do ectoplasma, abundante nas regiões rurais, em combinação com suas próprias energias originadas da vestimenta espiritual. Conseguem, também, os seres extrafísicos degradantes agir, através da manifestação mediúnica da subjugação obsessiva, associada ao fenômeno da transfiguração, a qual “consiste na mudança do aspecto de um corpo vivo (...) Um outro Espírito, combinando seus fluidos com os do primeiro, poderá, a essa combinação de fluidos, imprimir a aparência que lhe é própria, de tal sorte que o corpo real desapareça sob o envoltório fluídico exterior, cuja aparência pode variar à vontade do Espírito” (8).

Por conseguinte, se entidades desencarnadas podem exercer ação transfiguradora, agindo no períspirito dos médiuns ou diretamente no seu corpo físico, são capazes também de imprimir-lhes feições animalescas. Portanto, um indivíduo obsediado, em plena subjugação, consegue, pelo fenômeno da transfiguração, assumir os traços fisionômicos e trejeitos do ser espiritual opressor, apresentando uma forma animalesca, como a de um lobo, o que caracteriza o fenômeno marcante da licantropia.

Nos abundantes relatos, na literatura mundial, a respeito do lobisomem, são observados o fato de apreciar o sangue dos homens e animais, o que sugere um comprometimento obsessivo com características vampirizantes, procurando suas vítimas para impregnar-se da energia vital abundante no líquido sanguíneo. Ao mesmo tempo, a referência de o ser animalesco agir à noite, nos remete à possibilidade da produção da materialização que necessita da escuridão, porquanto o ectoplasma é sensível à luz.

Importante destacar que, na área da medicina, especificamente a psiquiátrica, há referência a um raro transtorno, denominado de licantropia clínica, no qual o paciente vivencia a ilusão de poder se transformar em um animal. Também há a menção de uma doença extremamente rara, denominada de hipertricose lanuginosa congênita, caracterizada pela apresentação excessiva de pelos em diversas partes do corpo.

Em verdade, o personagem Lobisomem, conhecido em quase todo o mundo e rotulado como fruto de crendice ou de superstição, no momento em que for possível estudá-lo cientificamente, havendo oportunidades e condições, o Espiritismo poderá muito colaborar, oferecendo muitos elementos, colaborando proficuamente para essa oportuna pesquisa.

 

Bibliografia

MILLECCO, Luiz Antônio. “O lado oculto do folclore brasileiro”, pág. 4, Livraria Atheneu;

Idem. Introdução do livro;

Idem. Final da Introdução do livro;

KARDEC, Allan. Revista Espírita, janeiro de 1859, página 19, FEB);

KARDEC, Allan. A Gênese, cap. I, “Caráter da Revelação Espírita”;

Novo Testamento, Primeira Epístola aos Coríntios, 15:44;

KARDEC, Allan. Obras Póstumas, Manifestações dos Espíritos, item 9;

KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns, cap. VII, itens 122-123.

 

Nota do autor: Como a Doutrina Espírita tem muitas contribuições a respeito do fenômeno da zoantropia, oportunamente, em outras edições do Jornal, serão publicadas outras matérias, inclusive, com outras referências bibliográficas.

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