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MÍDIA, CRIANÇA E FUTURO¹









Num país como o Brasil, onde 94% dos domicílios possuem ao menos um aparelho de televisão, a publicidade que fomenta novos desejos se depara com um velho problema nacional: a desigualdade.

Considerando que a maioria das pessoas não tem dinheiro sobrando para comprar tudo o que deseja, ou que passa a desejar a partir das campanhas publicitárias, disseminam-se pacotes de frustração, angústia, ansiedade, tristeza, eventualmente depressão e, em casos extremos, a violência, podem surgir como resposta à exclusão da sociedade de consumo, à impossibilidade de adquirir um novo produto ou serviço.


Se para adultos resistir minimamente aos apelos da publicidade já constitui uma tarefa difícil, imagine-se para as crianças. No caso específico da televisão, o tempo médio que as crianças passam vendo TV a cada dia é de quatro horas, cinquenta minutos e 11 segundos.

A ex-ministra do meio ambiente, Marina Silva, definiu com precisão a relação entre as novas gerações de consumidores e a situação do planeta:

­­­­­­– O triste é que as crianças estão substituindo o brincar pelo consumir. Com graves consequências para elas e para o meio ambiente. Paradoxalmente, são crianças, adolescentes e jovens os que mais têm se mostrado sensíveis à preocupação com a proteção da Natureza. Mas, hiperestimulados ao consumo, desde a mais tenra idade, não conseguem fazer ligação entre seus sinceros ideais de preservação dos recursos naturais – sem os quais serão prejudicados no futuro – e o desenfreado consumo que ironicamente vai, aos poucos, os transformando em exterminadores de si mesmos. E esse talvez seja um “exterminador do futuro” mais preocupante do que a ficção cinematográfica.

Novas gerações de consumidores crescem sem perceber a relação que existe entre consumo e meio ambiente e, o que é mais preocupante, repetindo clichês  do movimento ambientalista como “cuide do planeta hoje para que nossos filhos e netos tenham direito ao futuro”, “protejam as baleias”, ou ainda “salvem a Amazônia”. Ignora-se a dimensão política presente no ato de consumo. Quando escolhemos de forma consciente o que nos convém consumir, evitando excessos e adotando marcas comprometidas com a sustentabilidade, estamos assumindo o papel que se espera de um consumidor no século 21.

Boa parte dos movimentos em favor do consumo consciente utiliza uma importante ferramenta metodológica para legitimar suas ações, a “pegada ecológica”, que revela o espaço físico do planeta que cada um de nós precisa ter exclusivamente para suportar nossos estilos de vida. Ou seja, mostra a energia e a matéria-prima de que necessitamos, além do espaço para armazenar todo o lixo que produzimos durante um ano. Para conhecer sua pegada ecológica a pessoa deve responder a um questionário que apura diferentes hábitos de consumo, como, por exemplo, qual o meio de transporte normalmente utilizado, hábitos alimentares, uso de eletrodomésticos, tempo do banho etc. A resposta é expressa em hectares de terra que precisam existir apenas para satisfazer a esses hábitos de consumo, além de uma projeção de quantos planetas seriam necessários se toda a população da Terra tivesse hábitos semelhantes. Em 2008, a organização não governamental WWF anunciou que a pegada ecológica do planeta havia ultrapassado em 25% da capacidade de suporte da Terra. Isso significa que se a Terra fosse um governo ou uma empresa, estaria quebrada, operando no vermelho, em regime pré-falimentar.

Segundo o historiador escocês Niall Ferguson, 100 bilhões de seres humanos já nasceram na Terra desde o aparecimento do primeiro hominídeo. Os que estão vivos hoje representam 6% desse contingente. É justamente esse grupo – no qual eu e você estamos inseridos – que terá a enorme responsabilidade de realizar as escolhas mais importantes da história da Humanidade. Não há dúvida de que estamos à altura do desafio. A pergunta fundamental é: estamos realmente interessados em enfrentá-lo?

¹ (texto na integra na obra Espiritismo e Ecologia, FEB.


(*) colunista do Jornal da Globo, e no site G1 sobre o tema “Sustentabilidade”.

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