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A REFORMA ESPÍRITA








Por Jorge Luiz (*)

          
         O clamor social que o Brasil enfrenta nos remete ao cenário que precedeu as reformas protestantes do século XVI, na Europa, que tiveram como símbolos Lutero e Calvino, e que ficaram marcadas pelos excessos daquilo que se convencionou chamar-se comércio das indulgências.
            Para alguns historiadores a questão foi muito mais além, e passaram a ser observadas como uma resposta religiosa às necessidades espirituais de uma cristandade que não encontrava respostas para a suas angústias nem nas liturgias nem na dogmática da Igreja Romana. Atrelados a isto, verificou-se decomposição das instituições tradicionais: Estado, Sociedade e Igreja. Leiam o que diz Flávio Luizetto: (1)
            Às vezes a violência popular explodia de modo mais ou menos espontâneo: sem qualquer plano previamente traçado, sem reinvindicações bem definidas, sucediam-se assaltos, saques mortes, sendo que a insatisfação do povo voltava-se contra a parte mais rica da população, as cidades (...)”

            Situando-nos em nossos dias, verificamos que as necessidades são parecidas. A corrupção que campeia aos quatro cantos, degradando os valores nas relações sociedade e indivíduo. Os escândalos das igrejas nos contextos materiais e morais diferenciam-se, apenas, pela pulverização e diversificação, em equivalência vetorial, à velocidade que se multiplicam as seitas religiosas.
            Estagiamos na era do “estrelato gospel”, característica da nossa sociedade atual, definida por Guy Debord (1931-1994), escritor francês, como “sociedade do espetáculo”. Para Debord, as religiões fazem parte das novas configurações institucionais do capitalismo globalizado. Todas as ramificações religiosas buscam o mundo midiático para consolidar o seu império, deixando de lado a sua “missão religiosa”, se é que alguma ainda a tem.
            Como prolongamento, surgem as personalidades que Jesus classificou como “falsos profetas”, que engendram, em nome da fé, práticas bizarras para espoliar financeiramente os fiéis, que poderiam muito bem ser caracterizados como crime de “estelionato religioso.”
            O Estado laico brasileiro, garantido o art.º 5 da Constituição Federal, vive em permanente tensão diante de um turbilhão de interesses, crimes financeiros e sexuais, intolerâncias, que ferem o próprio dispositivo constitucional arguido, refletindo no âmbito político-religioso, pela “frente parlamentar religiosa”.
            A herança católica que aqui e acolá surge em reclamações jurídicas – símbolos católicos em repartições e vias públicas; feriados santos; procissões - é pouco representativo na discussão do laicismo, pois não deixa de ser história do período em que o Catolicismo foi religião oficial.
            O laicismo tem o seu núcleo na tolerância a todas as crenças e suas manifestações, e não na retirada deste ou daquele simbolismo.
            A tolerância, entretanto, tem limites, pois uma tolerância infinita seria o fim da tolerância. André Conte-Sponville, filósofo francês, afirma: “Se formos de uma tolerância absoluta, mesmo com os intolerantes, e se não defendermos a sociedade tolerante contra seus assaltos, os tolerantes serão aniquilados, e com eles a tolerância.”
            A sociedade demonstrou claramente que não pode ser mais tolerante com os desmandos e atrocidades praticadas e exige reformas, e estes surtos de insatisfações estendem-se também no âmbito religioso.
            Os Reveladores Celestes admitem em “O Livro dos Espíritos”, “Lei do Progresso”, questão nº 783, que estes abalos físicos e morais são provocados por Deus para que o progresso seja mais rápido. Kardec, a seu turno acentua na mesma questão: “As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram pouco a pouco nas ideias, germinam ao longo dos séculos e depois explodem subitamente, fazendo ruir o edifício carcomido do passado, que não se encontra mais de acordo com as necessidades novas e as novas aspirações.”
            Tudo isto dá uma impressão que o mundo está recuando, pelo menos no ponto de vista moral, o que não é verdadeiro. “É preciso que haja excesso do mal, para fazer-lhe compreender as necessidades do bem e das reformas.”, respondem os Benfeitores Espirituais na questão nº 784, da referida obra. O caos é aparente.
        As Leis Morais, no livro III, de “O Livro dos Espíritos” encontram-se todos os fundamentos para as reformas que nossa sociedade necessita. No entanto, quero me deter especificamente sobre a reforma religiosa.
            Não há dúvidas que o contexto religioso necessita de uma reforma profunda, não só no âmbito doutrinário, mais também fiscal e criminal. É responsabilidade de o Estado adequar os fundamentos jurídicos e fiscais existentes no sentido de coibir determinadas práticas que estão longe de serem religiosas.
            Já no âmbito doutrinário, percebemos que pouco existe da mensagem original do Cristo. A quem, então, compete realizar esta reforma?
            Surpreendentemente, a nós espíritas. É verdade!     
            Historicamente Jan Huss(2) (1369-1415), sacerdote theco, foi o precursor da reforma protestante que se iniciou com Lutero com a publicação de suas 95 teses, em 31.10.1517, na porta do castelo de Wittemberg, na Alemanha. Huss morreu queimado pela “Santa Inquisição”. A reforma protestante a seu turno, foi a preparação para a vinda do Consolador Prometido por Jesus, cabendo a Allan Kardec a tarefa de organizá-lo naquilo que compõe as cinco obras básicas do Espiritismo, e promover reforma última para acessarmos ao mundo de regeneração.
            Portanto, cabe aos espíritas a tarefa Sagrada de restabelecer a Verdade cristã na Terra. Não adianta verbalizarmos constantemente que somos os “trabalhadores da hora última”, enquanto o arado e a charrua estão enferrujando por falta de uso. Somos os reformistas convocados para a peleja final.
            A convocação está bem delineada no Cap. XX de o Evangelho Segundo o Espiritismo, item 4, “Missão dos Espíritas” que já soa como admoestação:
“Ide e aniquilai o culto do bezerro de ouro, que dia a dia mais se expande. Ide, que Deus vos Conduz!
            Se ainda não a realizamos é por pura INCOMPETÊNCIA nossa!
            Alguma dúvida?
     
      


           
  (1)       Reformas Religiosas, Flávio Luizetto Editora Contexto;
  (2)   Via mediúnica, psicografia de Ermance Dufaux, Jan Huss foi uma das reencarnações de Rivail. As fontes, segundo Dr. Canuto de Abreu, estavam, em 1921, na Livraria de Leymarie, onde ele as copiara na sua quase totalidade. Há correntes que afirmam que Jan Huss reencarnou como Lutero.
           
           


 

Comentários

  1. A timidez e a interpretação errada da doutrina contribui ao nosso estacionamento pelo movimento. Até lemos no entanto não compreendemos. Ouvimos e não assimilamos ou colocamos somente o que queremos que seja.

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  2. Ola carissimo !!!! Estou aqui contribuindo para o aumento de acessos no exterior rsrsrsrs
    O que no impede de levarmos adiante a reforma espirita ? Oportunidade ? Entendimento ? Egoismo? Individualismo exacerbado ? Tudo junto ? Nao somos missionarios mas as atitudes individuais podem somar-se e, como uma lenta queda de domino atingir a meta desejada. Aline Loiola.

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