Pular para o conteúdo principal

A DIDÁTICA DA MORTE



Ela disse que ele era o anjo da guarda dela e veio até Toledo (PR) para levá-lo embora”
(amigo da família da jovem)




          

               Sábado último (2), estudante da Universidade de Santa Maria, uma das organizadoras da festa na boite Kiss desencarnou juntamente com o seu namorado em acidente de carro.
            Ela foi convencida pelo seu namorado - que estava em outro Estado e não poderia acompanhá-la -, a não ir à festa. Isso a livrou do incidente que culminou com a desencarnação, até agora, de 238 pessoas e mais de cem feridos.
            Uma peculiaridade marcante nesses dois episódios é o vínculo afetivo existente entre maioria das vítimas: namorados, cônjuges, irmãos, primos, amigos. São desencarnações com características de expiações solidárias, segundo o pensamento do Espírito Clélia Duplantier, em “Obras Póstumas”: “As expiações coletivas são solidárias, o que não suprime a expiação simultânea das faltas individuais.” Portanto, as responsabilidades de todo homem realizam-se como indivíduo, do ser em si mesmo; o de membro de família, e finalmente, o de cidadão.
            Esclarece o referido Espírito: “Salvo alguma exceção, pode-se admitir como regra geral que todos aqueles que numa existência vêm a estar reunidos por uma tarefa comum já viveram juntos para trabalhar com o mesmo objetivo e ainda reunidos se acharão no futuro, até que atingido a meta, isto é, expiado o passado, ou desempenhado a missão que aceitaram.”
            Morte e vida caminham juntas, de mãos dadas por toda a nossa existência. Como nos versos do “Manifesto de Tânatos”: (1)

“Estou aqui hoje e sempre
Pois minha irmã é a vida
E a dançar em vossa roda
É ela que me convida.”


             Sendo a morte algo inevitável nas nossas jornadas terrenas, cabe-nos deixar de ver a morte somente na perspectiva do próximo. É preciso pensar na nossa morte a todo instante. É necessário educar-se para a morte, como bem lembra o Prof. Herculano Pires, na obra “Educação para a Morte”: “A Educação para a Morte não é nenhuma forma de preparação religiosa para a conquista do Céu. É um processo educacional que tende ajustar os educandos à realidade da Vida, que não consiste apenas no viver, mas também no existir e transcender.”
            Sob a ótica espírita, essa educação é promovida através de processo didático que se realiza através do significado da vida que resulta na esperança no futuro, tendo com principal protagonista o Espírito imortal. Essa perspectiva molda-se na proposta educacional reencarnacionista. Não mais o céu, inferno ou purgatório, mas vivências reeducadoras que o Ser experiencia na própria Terra a resultante dos seus pensamentos, impulsos atos e desejos, em ciclos já vividos.
            Portanto, a Educação para a Morte, é antes de tudo, desenvolvermos em nós a consciência de morte como fenômeno biológico e não como tragédia humana. Entendê-la como naturalidade e não como desgraça.
            Fosse possível imiscuir na vida privada de muitas das vítimas, o processo didático da morte estaria presente. Por exemplo, o que relata o pai de uma delas: a menina sempre insistia em dizer que não viveria por muito tempo. Ele contou que, ao folhear o diário da filha, a família descobriu que ela deixou escrito: "viver até os 35, para que mais". Ela sempre dizia isso, durante as refeições, para que nos acostumássemos porque ela iria embora.”
            Diante desses episódios coletivos, quer sejam originados por flagelos naturais ou da negligência humana, faz-se necessária tomada de consciência universal sobre a morte. Não podemos restringir a morte apenas no contexto do sofrimento dos familiares e dos sonhos interrompidos dos que partiram. Natural que as questões físicas, psicológicas e sócias sejam consideradas. No entanto, o aspecto determinante para o enfrentamento da morte é o quesito espiritual.
            O que somos? De onde viemos? Para onde vamos? São exigências básicas para o multidisciplinar processo de educação para a morte, sua didática e pedagogia.
            O príncipe Siddartha Guatama, o Buda, afirmava que a morte nos visita 75 vezes em cada uma das nossas respirações.
            Todos nós precisamos compreender a didática da morte, para entender a vida. Pois como necessitamos de ajuda em nossa passagem do nascimento à vida, assim também será à morte.
           
           
“Acompanhai quem amais
Ao portal da vida além
Despedindo-vos com calma
Até o momento que vem!

E eu passarei tranquilo,
Com doçuras sem iguais
E no momento oportuno
Podereis morrer em paz! 
(Manifesto de Tânatos)

            Pensemos nisso!
                        

()   Post Scriptum: A jovem chama o namorado de "Anjo da Guarda" por ele ter livrado-a da tragédia da boite Kiss. Ela foi buscá-lo em Toledo (PR), pois o mesmo estava retornando ao Rio Grande do Sul para assumir novo emprego. O carro em que viajavam bateu de frente em uma carreta.



                       
(   (1)  Thanatos, (imagem ilustrativa) na mitologia grega, é filho, sem pai de Nix, a noite. É a personificação da morte, que nascido no dia 21 de agosto, tinha essa data como o dia preferido para arrebatar vidas.
(
(     (*) livre-pensador, blogueiro e voluntário do Instituto de Cultura Espírita.




Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

OS ESPÍRITAS E OS GASPARETTOS

“Não tenho a menor pretensão de falar para quem não quer me ouvir. Não vou perder meu tempo. Não vou dar pérolas aos porcos.” (Zíbia Gaspareto) “Às vezes estamos tão separados, ao ponto de uma autoridade religiosa, de um outro culto dizer: “Os espíritas do Brasil conseguiram um prodígio:   conseguiram ser inimigos íntimos.” ¹ (Chico Xavier )                            Li com interesse a reportagem publicada na revista Isto É , de 30 de maio de 2013, sobre a matéria de capa intitulada “O Império Espírita de Zíbia Gasparetto”. (leia matéria na íntegra)             A começar pelo título inapropriado já que a entrevistada confessou não ter religião e autodenominou-se ex-espírita , a matéria trouxe poucas novidades dos eventos anteriores. Afora o movimento financeiro e ...