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NASCER DE NOVO (*)






 Por Roberto Caldas(**)



Não deve ser muito fácil compreender a mecânica da vida quando a olhamos sob a óptica da existência única. É preciso estar revestido de um senso dogmático beirando à cegueira para desconsiderar a forma desigual como o mundo nos trata e ainda assim buscar uma consolação que se fundamenta simplesmente na fé de que Deus determina ao seu gosto o drama que constitui a história das pessoas. Sob esse prisma foi Deus que, apenas pelo seu desejo, escolheu quem iria amargar uma experiência de sacrifícios atrozes convivendo com a escassez de saúde, de alimento, de ética familiar, enquanto premiaria outros com a abundância, as melhores escolas, a proteção social. Dessa forma, as graças e as desgraças que se mostram nos palcos do planeta não passariam da vontade de Deus. O adoecimento grave e morte das crianças em tenra idade. O nascimento de pessoas com limitações profundas de natureza física e mental. As diferenças entre as inteligências humanas, brilhante em alguns, precária noutros. As oportunidades de sucesso e insucesso patrocinadas pelo berço. Todas essas circunstâncias e outras mais que identificamos todos os dias não passariam única e exclusivamente da decisão divina, que apesar do tratamento desigual ainda teria que ser considerada justa. A crença na existência única traz uma distorção que faz beirar à monstruosidade a compreensão de Deus.

            Consideremos então outra perspectiva: a multiplicidade das existências. Deus concede ao ser espiritual o privilégio da eternidade para que palmilhe cada degrau de uma escalada que o levará de uma condição de primitividade e imperfeição ao alcance de todas as metas de aprendizado e amadurecimento que o levará ao encontro de sua natureza profunda que caracteriza a angelitude. Para tanto lhe apresenta tantas oportunidades quanto necessite para se refazer dos seus enganos e deslizes, abrindo as portas para a renovação sem restrições, pois o tempo não é cronológico e as existências incontáveis. Permite no acerto o avanço, no erro o reajuste, nos desencontros o ensejo do reencontro. Deixa que as leis imutáveis do Universo, codificadas na consciência de cada pessoa, seja o código que ajuda nas escolhas que cada Espírito determina para o enredo que planeja antes de renascer. A Reencarnação não somente nos livra de imputar a Deus as venturas e desventuras que experienciamos em nossas existências, por supô-lo muito além de um jogador de dados da casualidade, mas principalmente nos permite expandir a nossa visão para uma divindade que reina de forma justa e imparcial, além de misericordiosa.

             Essa a razão que faz da Doutrina Espírita uma das mais fortes ferramentas para quem intente compreender a natureza da própria existência – saber que é um ser reencarnante em busca de reconciliar-se consigo mesmo e com as pessoas a quem tenha ferido no passado. Afinal os Mentores da Codificação foram categóricos na resposta que deram a Allan Kardec na questão 171 de O Livro dos Espíritos questionados quanto a base da Reencarnação: “...um bom pai deixa sempre para seus filhos uma porta aberta ao arrependimento... Não são todos os homens filhos de Deus? Só homens egoístas podem pregar a injustiça, o ódio implacável e os castigos sem perdão”.


(*) editorial do programa Antena Espírita de 27.01.2013.
(**) integrante da equipe do programa Antena Espírita e voluntário do C.E. Grão de Mostarda.

Comentários

  1. Parabéns Roberto Caldas pelos constantes presentes nestes textos relevantes! Muito Obrigado!!!

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  2. Que me conforta é a explicação do benefício do resgate. Embora cometemos erros infantis, devemos aprender com a dor. Belo texto.

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