Pular para o conteúdo principal

O PINCEL, O CINZEL E A PENA

 

Por Mário Portela
 

Debato-me mais uma vez, a fim de trocar de pele. Na difícil tarefa de existir, sinto como se o sol, às vezes, batesse em retirada. Na correria do cotidiano não vemos o tempo passar e, de repente, quando damos contas, fechamos mais um ciclo. Novamente fevereiro. Eis que diante do deus Fébruo anseio por minha morte e purificação. Todavia, minha tristeza é reflexiva e me convida a enxergar a aquarela da alma. Afinal, viver não é um passeio descomprometido, pelo contrário, é reafirmar os votos com a construção do amanhã. Mais uma vez chego ao dia 4. Eis que diante de mim mesmo, reafirmo-me frente ao feliz encontro da morte com a vida. Morro para um passado jaz enterrado e me presentifico com a expectativa de criar um futuro.

Em minhas mãos, trêmulas de emoção, seguro três ferramentas; O pincel, o cinzel e a pena. Às vezes pinto-me coisas, tentado me encaixar em certos padrões que só me causam mais dor e tormenta; busco, então, o cinzel e com ele tento esculpir o busto daquilo que almejo ser. Nem sempre consigo. Meu pensamento está colonizado e acabo por ceder muito mais a aparência do que a essência. Recorro à pena, na tentativa de escrever na folha em branco do tempo algo que fundamente meu processo de historicização. Mas na caligrafia da vida ainda sou analfabeto. Rabiscos e garranchos borram minha história. Quem sou eu, nos meus 44 anos? Assustado ao testificar tanta superficialidade no mundo, perco a fé, inclusive, na sinceridade das lágrimas que escorrem no meu rosto.

Mas ao pintar o abstrato daquilo que sou tento me tornar concreto. Ao lapidar a pedra bruta de meu coração, busco sensibilidade e ao escrever, mesmo que por linhas tortas, almejo retidão. Esse sou eu, o menino-homem, de alma feminina e masculina. Hoje sou criança, sou jovem, sou adulto, mas também sou ancião. Sou caçador de mim mesmo e desejo solidão. Mas não quero ficar só. Refiro-me a solitude, a estar em minha companhia. Procuro por pessoas cansadas, que tal qual a mim, já não se debatam a procura de um mísero espaço em caixinhas pré-formatadas. Sei que há um abismo entre o pensar e o agir. Como construir pontes que me levem ao outro lado? O que almejo encontrar lá? Quantos “eus” cabem dentro mim?  Muita calma nessa hora, desesperados perdemos a razão e a frieza do medo nos rouba o poder da visão. Sou muitas partes de um enorme quebra-cabeça, complicado de se montar. Minha geografia interna me conduz a hemisférios distantes e, não raro, me perco, seguindo a deuses que eu mesmo criei.

Assim sou eu, luz e sombras; direito e avesso; amor e ódio; rasgado e costurado. Pinto-me de sonhos, construo o que imagino e escrevo o que amo. Eu sou o mato, sou a brisa, sou a areia, a água salgada que salga os problemas da vida, fazendo secar as lágrimas de dias cinzentos. De pés descalços, piso o solo que me prende a realidade do simples, do sol quentinho na face, de olhar para o horizonte e ver o dia amanhecer com a canção dos pássaros, da prosa leve, da nuvem no céu, do sorriso da criança. Um Orixá me disse que sou como as árvores, dou flores e frutos que se colhem no pé. Sou amizade gratuita, do afeto comprometido. Sou do tempo e, simultaneamente, ele sou eu. Sou fase, efemeridade, mas tenho o poder de deixar marcas. Sou o poema livre, que usa o amor para compor o próprio verso. Na paz sou a sensibilidade, que fiel a mim mesmo, me conduz a viagens ao desconhecido. Sou a inocência que mesmo quebrada teima em acreditar. Esse sou eu.

 

 

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

OS ESPÍRITAS E OS GASPARETTOS

“Não tenho a menor pretensão de falar para quem não quer me ouvir. Não vou perder meu tempo. Não vou dar pérolas aos porcos.” (Zíbia Gaspareto) “Às vezes estamos tão separados, ao ponto de uma autoridade religiosa, de um outro culto dizer: “Os espíritas do Brasil conseguiram um prodígio:   conseguiram ser inimigos íntimos.” ¹ (Chico Xavier )                            Li com interesse a reportagem publicada na revista Isto É , de 30 de maio de 2013, sobre a matéria de capa intitulada “O Império Espírita de Zíbia Gasparetto”. (leia matéria na íntegra)             A começar pelo título inapropriado já que a entrevistada confessou não ter religião e autodenominou-se ex-espírita , a matéria trouxe poucas novidades dos eventos anteriores. Afora o movimento financeiro e ...