Pular para o conteúdo principal

AS RAZÕES DO DESAMOR

 


           

 A letra e música Me dê Motivo, do saudoso Tim Maia, é um lamento de uma desilusão amorosa.

            O relacionamento amoroso é onde se esboça os primeiros movimentos sinérgicos que se consolidarão em um projeto de vida chamado família, que se inicia com o casamento. Todo processo inicial de buscar o outro é motivado pelo amor. Gregário por natureza, o indivíduo necessita do outro para desenvolver as suas possibilidades anímicas. O amor é a mola propulsora da vida e é o elo fundamental para a definição de casamento, na concepção espírita.

            Na realidade, a busca do outro é sempre recheada de motivos, assim como a separação. O “até que a morte os separe” passou a ser: “separem-se antes que a morte chegue”. As fases naturais de um relacionamento a dois se atropelam e o desamor se instala nos casais, de forma breve.

            O isolamento social provocado pela pandemia expôs as fragilidades das relações, e as descobertas das imperfeições de si e do outro foram as principais alegações para justiçar as separações. A pandemia fez o número de divórcios ter um crescimento na ordem de 15%, considerando-se os anos anteriores. A rotina sempre arguida como álibi para as separações, com a pandemia foi-se por água abaixo. A rotina não é e nunca foi a causadora do desamor.

            A esse respeito, o pensador italiano Franco “Bifo” Berardi, em seu último livro ainda, em edição no Brasil, fala acerca da existência de um terceiro inconsciente, que é o título da obra: O Terceiro Inconsciente: a psicosfera na era viral. “Bifo”, como é conhecido, admite que o desejo nos espaços íntimo e social sofreu um apagão libidinal, ou seja, houve uma retirada do desejo de lugares, objetos e atividades que estavam presentes no cotidiano.

            Importante entender que a classificação de Terceiro Inconsciente de Bifo é didática, ao considerar o primeiro de Sigmund Freud e o segundo de Carl Jung. Na sua definição, ele considera a psicosfera como campo de intersecção entre o social e o psíquico. Essa psicosfera, estando presentes quarenta anos de aceleração pela busca do Ter; e com a desaceleração, por força do isolamento da pandemia, causou uma “psicodeflação”, uma diminuição da energia acumulada nesses anos todos. Todos esses processos, sem sombra de dúvida, afetaram e ainda afetam drasticamente os relacionamentos familiares. Bifo vai além, diz ele: Eu entendo a guerra atual como uma reação agressiva à psicodeflação pandêmica, uma resposta à depressão global.”

Para o Espiritismo, o inconsciente é o Espírito, que se encarrega do controle da inteligência fisiológica e das suas memórias – campo perispiritual –, as áreas dos instintos e das emoções, as faculdades e funções paranormais, abrangendo a mediúnica. O Espírito, portanto, com suas <memórias cármicas catapulta os humores afetivos elevando os desafios, em que na sua maioria são abandonados.

            Esses insucessos na vida a dois, decorrentes fundamentalmente da imaturidade espiritual e do próprio proclame da busca ao outro nas diversas expressões que se apresentam como amor, foi instigado Allan Kardec, na questão nº 775 de O Livro dos Espíritos, a indagar aos Luminares espirituais:

 

            “– Qual seria para a sociedade o resultado do relaxamento dos laços de família?

                        - Uma recrudescência do egoísmo.”

 

            O psiquiatra Paulo Gaudêncio (1934-2017), através de experiência clínica, estudou as razões do desamor no casamento e aponta o diálogo como fator determinante para a superação do egoísmo, o que favorece o amadurecimento do casal. Ele afirma:

 

Para dialogar, no entanto, é preciso fazer dois movimentos complicados e que exigem coragem: falar e ouvir. Tenho de conseguir falar. Tenho de ouvir o que o outro está dizendo. E ninguém me conhece melhor do que a pessoa com quem convivo.

           

            O diálogo é o maior entrave em todo tipo de relacionamento, pois não se busca os interesses comuns, mas se impõe o ponto de vista individual. Diante da incapacidade de realizar o processo do diálogo, como é comum definir, joga-se a poeira embaixo do tapete e, em longo prazo, permite-se a destruição do vínculo e dos afetos.

Gaudêncio sugere uma passagem do Evangelho de Jesus, na qual ele diz: “Deixa o cisco do olho do vizinho e olha o do teu olho”. É importante entender que todos, neste mundinho imperfeito, agasalhamos no inconsciente, protegidas pelo ego, as nossas imperfeições e os resíduos negativos de experiências passadas, a dois.

Gaudêncio reforça para esse desiderato, o que os Espíritos Reveladores ensinam na questão nº 919, de O Livro dos Espíritos, acerca do conhecimento de si mesmo para se melhorar nessa vida e se resistir ao arrastamento do mal.

Diz um místico e escritor indiano que a ideia de casamento é para multiplicar a alegria. Multiplicar o sofrimento é um crime contra a Humanidade.

Enquanto o conhecimento de si mesmo não se constituir o motivo maior da vida do Espírito, enquanto encarnado, o que balizará todo e qualquer relacionamento, principalmente o familiar, as jornadas reencarnatórias estarão fadadas ao insucesso; ao sofrimento. É na família que o Espírito renasce para, bafejado pelos incensos do amor, dar continuidade a sua trajetória evolutiva na Terra. Enquanto isso não acontecer, a busca por motivos para se encontrar a “metade eterna”, negada pelo Espiritismo, segue o curso da canção do Tim:

 

Pode crer eu vou sair por aí

E mostrar que posso ser bem feliz

Encontrar alguém que saiba me dar

Me dar motivo

Me dar motivo

Tchururururu

Tchururururu...

 

 

REFERÊNCIAS:

BERARDI, Franco. Extremo: crônicas da psicodeflação. São Paulo, 2000.

GAUDÊNCIO, Paulo. Minhas razões, tuas razões. São Paulo, 2002.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo, 2000.

 

Site:

<https://outraspalavras.net/crise-civilizatoria/berardi-do-apagao-libidinal-aos-novos-desejos/>.

 

 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

A PIOR PROVA: RIQUEZA OU POBREZA?

  Por Ana Cláudia Laurindo Será a riqueza uma prova terrível? A maioria dos espíritas responderá que sim e ainda encontrará no Evangelho Segundo o Espiritismo a sustentação necessária para esta afirmação. Eis a necessidade de evoluir pensamentos e reflexões.

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.

"FOGO FÁTUO" E "DUPLO ETÉRICO" - O QUE É ISSO?

  Um amigo indagou-me o que era “fogo fátuo” e “duplo etérico”. Respondi-lhe que uma das opiniões que se defende sobre o “fogo fátuo”, acena para a emanação “ectoplásmica” de um cadáver que, à noite ou no escuro, é visível, pela luminosidade provocada com a queima do fósforo “ectoplásmico” em presença do oxigênio atmosférico. Essa tese tenta demonstrar que um “cadáver” de um animal pode liberar “ectoplasma”. Outra explicação encontramos no dicionarista laico, definindo o “fogo fátuo” como uma fosforescência produzida por emanações de gases dos cadáveres em putrefação[1], ou uma labareda tênue e fugidia produzida pela combustão espontânea do metano e de outros gases inflamáveis que se evola dos pântanos e dos lugares onde se encontram matérias animais em decomposição. Ou, ainda, a inflamação espontânea do gás dos pântanos (fosfina), resultante da decomposição de seres vivos: plantas e animais típicos do ambiente.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

O DISFARCE NO SAGRADO: QUANDO A PRUDÊNCIA VIRA CONTRADIÇÃO ESPIRITUAL

    Por Wilson Garcia O ser humano passa boa parte da vida ocultando partes de si, retraindo suas crenças, controlando gestos e palavras para garantir certa harmonia nos ambientes em que transita. É um disfarce silencioso, muitas vezes inconsciente, movido pela necessidade de aceitação e pertencimento. Desde cedo, aprende-se que mostrar o que se pensa pode gerar conflito, e que a conveniência protege. Assim, as convicções se tornam subterrâneas — não desaparecem, mas se acomodam em zonas de sombra.   A psicologia existencial reconhece nesse movimento um traço universal da condição humana. Jean-Paul Sartre chamou de má-fé essa tentativa de viver sem confrontar a própria verdade, de representar papéis sociais para evitar o desconforto da liberdade (SARTRE, 2007). O indivíduo sabe que mente para si mesmo, mas finge não saber; e, nessa duplicidade, constrói uma persona funcional, embora distante da autenticidade. Carl Gustav Jung, por outro lado, observou que essa “másc...

ESPÍRITISMO E CRISTIANISMO (*)

    Por Américo Nunes Domingos Filho De vez em quando, surgem algumas publicações sem entendimento com a codificação espírita, clamando que a Doutrina Espírita nada tem a ver com o Cristianismo. Quando esse pensamento emerge de grupos religiosos dogmáticos e intolerantes, até entendemos; contudo, chama mais a atenção quando a fonte original se intitula espiritista. Interessante afirmar, principalmente, para os versados nos textos de “O Novo Testamento” que o Cristo não faz acepção de pessoas, não lhe importando o movimento religioso que o segue, mas, sim, o fato de que onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome ele estará no meio deles (Mateus XVIII:20). Portanto, o que caracteriza ser cristão é o lance de alguém estar junto de outrem, todos sintonizados com Jesus e, principalmente, praticando seus ensinamentos. A caridade legítima foi exemplificada pelo Cristo, fazendo do amor ao semelhante um impositivo maior para que a centelha divina em nós, o chamado “Reino de...

DIA DE FINADOS À LUZ DO ESPIRITISMO

  Por Doris Gandres Em português, de acordo com a definição em dicionário, finados significa que findou, acabou, faleceu. Entretanto, nós espíritas temos um outro entendimento a respeito dessa situação, cultuada há tanto tempo por diversos segmentos sociais e religiosos. Na Revista Espírita de dezembro de 1868 (1) , sob o título Sessão Anual Comemorativa dos Mortos, na Sociedade Espírita de Paris fundada por Kardec, o mestre espírita nos fala que “estamos reunidos, neste dia consagrado pelo uso à comemoração dos mortos, para dar aos nossos irmãos que deixaram a terra, um testemunho particular de simpatia; para continuar as relações de afeição e fraternidade que existiam entre eles e nós em vida, e para chamar sobre eles as bondades do Todo Poderoso.”