quinta-feira, 16 de julho de 2020

JESUS SABIA. NÓS IGNORAMOS


           Ele sabia. Não desconhecia o que estava por lhe acontecer. Ali sentado sob a luz do luar, sozinho com os seus pensamentos. Sua memória viajava por tantas paragens, estradas emolduradas por vegetação escassa, poeira, cascalhos de pedras que tantas vezes lhe feriram os pés. Lembrava o dia, em que ainda criança sobe ao monte e mostra ao primo também infante o mapa das peregrinações de ambos e que traduziriam um chamado aos atentos do caminho, mas também serviria de convite aos tantos esfaimados de pão e justiça. Uma onda de regozijo o teria invadido ao perceber que aquele plano havia sido posto em prática, apesar da saudade do quase irmão que atravessara o seu próprio deserto com altivez e humildade, ciente de sua tarefa. Questionara ao Pai quanto ao cálice que lhe seria servido e aceitado o desafio por entendê-lo inadiável. Aqueles que foram convidados para a derradeira vibração, recolhidos ao cansaço do dia, dormiam. Teria chegado a guarda dos poderosos para executar a prisão, cujo ato simbólico para sacramentá-la tivera sido um beijo em sua face.      
Por que prendemos e imolamos Jesus? Havia uma música em suas palavras e o verbo que lhe saía da boca balsamizava a dor e anulava a escassez da falta de poesia de tempos tão difíceis. Ele fazia silêncios para que Deus nos falasse à alma enquanto sorria ao dividir a parca porção do alimento compartilhado. Escutava nossas dores com um olhar que fabricava júbilos interiores e de suas mãos empoeiradas luzes limpavam as escuridões que habitavam nossos corpos e nossas almas. Entregara os três últimos anos de sua vida para construir uma realeza em cada pessoa, nem que fosse uma utopia de futuro, sem confundir o divino com o profano, ensinando ambos como uma mesma realidade a ser exploradas e conquistadas. Mesmo assim deixamos que o levassem sob humilhação e chicotadas. Tantos que éramos, mas tão acovardados que servimos de plateia que aplaudia e repetia impropérios infames, cooptados pelo medo de gritar bem alto onde é que estavam os inimigos do razoável.
Ele sabia de si e do quanto ignorávamos o papel que nos competia. Ignorávamos ou ignoramos? E por quanto tempo mais? Jesus ainda precisará subir e orar sozinho sobre as montanhas das aflições humanas? Por quanto tempo ainda vai ser ouvido com disfarçada incompreensão, enquanto parecemos atentos aos chamados da desfaçatez? Será que, ao menos, tivemos a atitude de tirá-lo da cruz em que o prendemos, há 2000 anos, ou ainda desejamos o seu sangue derramado sob alegação de desejarmos a cura de nossas incúrias?
Esse novo dia que nasce traz um convite, não exatamente para ser comemorado, senão para um despertar. Jesus e a povo da Terra compõem um grupo só, ele é o condutor desse séquito. As nossas torpezas não são motivos para a sua desistência. Ele nos vê dos planaltos de sua evolução e sabe o quanto chegaremos longe, mas avisa que a estrada precisa de pés para se transformar em caminho. Erramos de escolha no passado, ele também sabe disso, e já sabia desde muito. Esse dia nos chega com o convite de acompanharmos Jesus em sua oração de resgate da humanidade. Enquanto ele ora e vibra, nós trabalhamos com a intenção de vê-lo inserido nos fatos que se desenrolam. Nesse novo dia podemos prometer a ele que vamos estar ao seu lado no combate às injustiças e na defesa daqueles que o representam nos calvários de tantas cruzes que se erguem por não termos aprendido a lição da partilha. Podemos prometer isso a ele?       

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