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2018 - ANO DO CISMA ESPÍRITA NO BRASIL


         


 
        Quem se debruça com acuidade ao estudo das obras básicas do Espiritismo perceberá de forma clara o método dialético – processo de fusão da tese e da antítese, na produção de uma nova ideia. Allan Kardec mergulha no universo do desconhecido, e em diálogo direto com as Vozes dos Céus, os contradiz e arranca deles os mais íntimos segredos. Aliado a isso, Kardec compreende que esse universo oferece um campo vastíssimo para o emprego da sua didática, na qual dois elementos constantes foram aplicados: a observação e o ensino.
          Camille Flamarion, dileto discípulo de Kardec, no discurso em homenagem fúnebre, quando o designa de “bom senso encarnado”, realça essa característica:


“Razão reta e judiciosa, aplicava sem cessar à sua obra permanente as indicações íntimas do senso comum. (grifo nosso)

          O processo dialético tem necessariamente que ser uma constante nas instituições espíritas. Aliás, o próprio Kardec afirma em Obras Póstumas, ao se referir à funcionalidade dessas instituições, obviamente, através dos seus trabalhadores:

“(...) a Sociedade tem necessariamente que exercer grande influência, conforme disseram os próprios Espíritos; sua ação, porém, não será, em realidade, eficiente, senão quando ela servir de centro e de ponto de ligação donde parta um ensinamento preponderante sobre a opinião pública.”

          O professor e filósofo J. Herculano Pires, pouco conhecido no movimento espírita brasileiro, que segundo o Espírito Emmanuel é o metro que melhor mediu Kardec, consciente dessa realidade, afirmou:
“Se os espíritas soubessem o que é o Centro Espírita, quais são realmente a sua função e a sua significação, o Espiritismo seria hoje o mais importante movimento cultural e espiritual da Terra.”

           A dinâmica deve ser efetivada pela ação dos espíritas no meio em que se inserem, no que se pode qualificar como ativismo espírita, como está delineado no capítulo XVII, de O Evangelho Segundo o Espiritismo, “O Homem no Mundo”, mensagem assinada por Um Espírito Protetor. De forma especial, destaca-se nesse mesmo capítulo “O Homem de Bem” e o “O Dever”.
          Ativismo espírita é revolucionário, mas não reacionário. É viril, mas não intolerante. É político, não partidarista.  Emula a coragem, não a valentia e a desordem. Faz do dever uma obrigação moral para consigo e com o próximo. É racional, e não fanático.  É pacífico e fraterno.
No transcurso do século XX, as elites globais elaboraram as narrativas – fascista, comunista e liberal – que possibilitariam a explicação do passado e do futuro do mundo inteiro.
          Após o colapso da comunista, parecia somente sobrar a liberal. Entretanto, chega-se em 2018 sem nenhuma narrativa. O que se vê, portanto, é que nem tudo vai bem, apesar de avanço no campo do progresso tecnológico, a humanidade tem que conviver ainda com a pobreza, a violência e a opressão. O que se constata é uma desilusão com a narrativa liberal.
          Os espíritas, por sua vez, não assumiram o protagonismo que lhes cabia, encapsularam-se intramuros nas instituições espíritas, relegando o Espiritismo às narrativas do aborto, pena de morte, eutanásia e suicídio, tão somente, como soluções para os graves problemas que o Brasil enfrenta.
          As massivas inserções no campo do assistencialismo social espírita sempre seguiram em um vazio da crítica devida, considerando-se à aversão declarada dos espíritas à política, como um todo.
          De repente, o Brasil e o Mundo navegam em um mar de incertezas e sem perspectivas para o futuro, só resta olhar para o passado; sonho ilusório. O que é real e imaginário se confundem. O que aprendemos no passado não serve para o enfrentamento do presente. A constituição do arranjo familiar sofre mudanças conturbadas. O gênero humano não atende mais ao modelo binário.
          A memória sempre generosa com os momentos de alegria estimula o saudosismo do passado.
          Os espíritas, no entanto, que no passado não experienciaram nenhuma vivência no contexto político-social, arvoram-se a colocar os pés além do umbral da porta do Centro Espírita e são tragados pela trágica polarização político-partidária nacional.
          Conflitando com o pensamento espírita, circular, integrador do conhecimento, para se ajustar no contexto, partilham do pensamento radicalizador, o pensamento binário-cartesiano: “ou/ou.” Certo ou errado; não há a terceira alternativa. O “Amai-vos e instrui-vos” do Espírito da Verdade não faz mais sentido. Os ideais de unificação e união entre os espíritas são relegados. O ódio contamina as hostes espíritas. Os conflitos soam de toda a parte.
Instalou-se o cisma espírita!
          A fé racional de Allan Kardec se tornou a irracionalidade no “Coração do Mundo, Pátria do Evangelho”.
          O movimento espírita brasileiro soçobrou! Sem nunca conseguir se legitimar no contexto espírita, das federativas estaduais e da Federação Espírita Brasileira, ouve-se um silêncio ensurdecedor. E sobre o nosso futuro, quem afirma é o próprio Kardec:

“Se – que Deus não o permita! – surgissem dissidências entre vós, digo-o com pesar, eu me separaria abertamente dos que desertassem da bandeira da fraternidade, porque, aos meus olhos, não poderiam ser encarados como verdadeiros espíritas.”

          Que não se tenham dúvidas, a transnacionalização do Espiritismo realizada pela Federação Espírita Brasileira e pela Associação Médico-Espírita do Brasil está levando o Espiritismo para outra Pátria.
          Dita e redita neste sítio, é necessário se referir novamente à mensagem escrita pelo Espírito Massilon:

“(...) Esta criança não tem pátria; percorre toda a Terra, procurando o povo que há de ser o primeiro a arvorar a sua bandeira, e esse povo será o mais poderoso entre os povos, pois tal é a vontade de Deus.”

          As duas correntes de pensamento são irreconciliáveis. O Espiritismo ao não permitir interpretações ambíguas, naturalmente há equívocos em partes. Como ficará o movimento espírita no futuro?
Já o Espiritismo no Brasil...

          ...Bye, Bye, Brasil!


REFERÊNCIAS
HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21.  São Paulo: Cia. Das Letras, 2018.
KARDEC, Allan. Revista espírita. nov/1861. Brasília: FEB, 2004.
____________. Evangelho segundo o Espiritismo. São Paulo: EME, 1996.
____________. Obras póstumas. Rio de Janeiro: FEB, 1987.
____________. Revista espírita. Abril/1861. Brasília: FEB, 2004.
PIRES, J. Herculano. O Centro Espírita. São Paulo: LAKE, 1990.
____________. Pedagogia espírita. J. Herculano Pires, 1994.




Comentários

  1. Uma grata surpresa e uma enorme satisfação ter encontrado este blog e seus registros, que desde já, afirmo, históricos. Muito obrigado!!!

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