domingo, 29 de abril de 2018

COMO ASSIM? CRIANÇAS EM REUNIÕES MEDIÚNICAS?






Nos últimos meses, por conta de diversos debates em que a Associação Brasileira de Pedagogia Espírita tem se envolvido, marcando posições claras, temos recebido centenas de retornos via e-mail, comentários no blog e no Facebook. Muitas nos indagaram a respeito da participação de crianças em reuniões mediúnicas.


O que se dá é que as crianças ­ ­– nem todas – podem apresentar percepções mediúnicas muito cedo e precisam ser orientadas. E quando a mediunidade estoura, principalmente na adolescência, precisa ser aceita e trabalhada.


O trato com os espíritos – assim nos ensina Kardec – deve ser sério, ético, bem orientado, mas também natural, em grupos familiares, pequenos, sem mistérios, sem hierarquias. Todo mundo sabe que o Espiritismo nasceu através de meninas médiuns, adolescentes. As Baudin, Ermance Dufaux, Jafet, entre outras.  Na Revista Espírita, Kardec narra o seguinte episódio, encantador, que até transcrevi em minha tese sobre Pedagogia Espírita, na USP:

    “Um dia, ele (o menino) se achava em casa de uma pessoa do seu conhecimento e brincava no páteo com sua priminha, de cinco anos, dois meninos, um de sete, outro de quatro anos. A senhora que morava no rez-do-chão os convidou a entrar em sua casa e lhes deu bombons. As crianças, como se pode imaginar, não se fizeram de rogadas.

    A senhora perguntou ao filho do Sr. Delanne: como te chamas, meu filho?

1.     — Eu me chamo Gabriel, senhora. P. — Que faz teu pai?R. — Senhora, meu pai é espírita.P. — Não conheço esta profissão.
2.     — Mas, senhora, não é uma profissão; meu pai não é pago para isto, ele o faz com desinteresse e para fazer o bem aos homens.
3.     — Meu rapazinho, não sei o que queres dizer.R. — Como! Jamais ouvistes falar das mesas girante?P. — Então, meu amigo, bem gostaria que teu pai estivesse aqui para as fazer girar.R. — É inútil, senhora, eu tenho, eu mesmo, o poder de as fazer girar.P. — Então, queres experimentar e me fazer ver como se procede?R. — De boa vontade, senhora.

    Dito isto, ele se senta ao pé da mesinha da sala e faz sentar os seus três camaradinhas; e eis os quatro gravemente pondo as mãos em cima. Gabriel fez uma evocação, em tom muito sério e com recolhimento. Apenas terminou, para grande estupefação da senhora e das crianças a mesa ergueu-se e bateu com força.

    — Perguntai, senhora, quem vem responder pela mesa.A vizinha interroga e a mesa soletra as palavras: teu pai. A senhora empalidece de emoção. E continua: então, meu pai, podes dizer se devo mandar a carta que acabo de escrever? — A mesa responde: Sim, sem dúvida. — Para me provar que és tu, meu bom pai, que estás aí, podias dizer há quantos estás morto? — Logo a mesa bate oito pancadas bem acentuadas. Era justo o número de anos. — Podias dizer teu nome e o da cidade onde morreste? — A mesa soletra os dois nomes.

    As lágrimas jorraram dos olhos daquela senhora, que não pode mais continuar, aterrada por esta revelação e dominada pela emoção. (…) não é a primeira vez que a mediunidade se revela em crianças, na intimidade das famílias. Não é a realização daquela palavra profética: Vossos filhos e vossas filhas profetizarão (Atos, II, 17)?

Como se depreende dessa narrativa e de outras, que podem ser lidas na Revista Espírita, as crianças participavam de reuniões mediúnicas familiares no tempo de Kardec, como também acontecia até as décadas de 60 e 70, no movimento espírita brasileiro.

O que mudou?

O movimento se institucionalizou, se hierarquizou, se engessou. Perdeu convívio, familiaridade, naturalidade, humanismo, olho no olho. Virou algo cheio de regras (que nada têm a ver com Kardec), apostilado, empobrecido, em que as pessoas se sentem distanciadas, desempoderadas e cada vez mais incapazes de lidar com o fenômeno mediúnico.

Na ABPE, recebemos inúmeras pessoas, entre adolescentes, jovens e maduras, que simplesmente não encontram espaço para trabalhar a mediunidade, em centros espíritas convencionais. Tudo muito demorado, desumanizado, com dirigentes ríspidos e muitas vezes castradores. Para começar a aplicar um passe ou ter permissão para receber um mentor, 5 anos de curso básico, mais 3 de curso de desenvolvimento mediúnico e quando passou tudo isso, a mediunidade secou ou o cidadão já desistiu.

A outra situação são os centros comandados por algum médium de relativo destaque e onde só o tal pode ser médium…

Então, o que se dá é que egos inchados, incapacidade de acolher e desenvolver pessoas que possam contribuir no espiritismo, visão burocrática e apostilada da mediunidade ­­– tudo isso leva a um espiritismo sem espíritos. E quando há espíritos, o médium guru monopoliza e mediunidade e como suas manifestações não estão sujeitas à crítica, vira essa miscelânea oba-oba que impera em muitos centros, livros e no movimento em geral.

Hoje mesmo, na mediúnica para iniciantes da ABPE, em Bragança Paulista, conversávamos, algumas pessoas mais maduras e idosas, sobre como havia sido nossa convivência com a mediunidade na infância: familiar, natural, doméstica.  Eu mesma posso contar da minha experiência pessoal nesse sentido. Desde muito pequena, via reuniões domésticas em casa, com comunicações de espíritos e achava isso muito natural. Muitas vezes, participei de orações na casa de Herculano Pires (que frequentava desde dois anos de idade) e via por exemplo, as comunicações da Irmã Ditinha, uma preta velha que dava valiosos conselhos, inclusive para as crianças.

Aos 11, estava morando com minha família na Alemanha, onde não havia nem em sonho algum centro espírita, e comecei a psicografar poesias. Aos 15, já de volta ao Brasil, comecei a trabalhar, como médium de psicofonia, na reunião mediúnica do Centro Espírita Cairbar Schutel, dirigido por Herculano.

As mediunidades, que se tornarão uma tarefa existencial do indivíduo, começam cedo. E devem ser acolhidas, orientadas. Eu jamais poderia esperar para fazer um curso de anos, apostilado, num centro espírita, para começar a exercer as faculdades inatas que trazia e que quando vêm à tona, são altamente perturbadoras. Aos 11, comecei a ler livros espíritas, para entender o que se passava comigo. Aos 14, já havia devorado vários livros de Kardec, incluindo O Livro dos Médiuns de cabo a rabo.

Para resumir em itens claros, precisos e absolutamente dentro do que propôs Kardec (porque se algumas das posições das obras de Kardec podem ser revistas hoje por conta do contexto histórico em que viveu, o que permanece insuperável é a sua proposta simples, série, racional e ética no trato com a mediunidade):

1)    Crianças podem sim, desde que não tenham medo, participar de reuniões mediúnicas familiares, ouvir mentores, presenciar comunicações de espíritos sofredores, ver fenômenos outros como psicografia, pintura mediúnica etc. E é até muito bom que o façam, pois para elas, a imortalidade da alma e a comunicação com os espíritos vai se tornando algo natural, como aliás, é de fato.

2)    Crianças devem ser acolhidas e orientadas na oração, no estudo, se têm percepções mediúnicas. Mas não devem desenvolver mediunidade.

3)    Adolescentes podem e devem desenvolver sua mediunidade, orientados por médiuns mais experientes, e acompanhados nos estudos, se mostrarem fenômenos e percepções que possam ser interpretados como fenômenos mediúnicos. Há que se ter o necessário discernimento para saber se o jovem está psiquicamente saudável e pode assumir tal responsabilidade.

4)    Os adultos que quiserem ou necessitarem trabalhar a própria mediunidade, podem e devem fazê-lo, estudando Kardec sozinho ou em grupo, participando de reuniões, com médiuns experientes e confiáveis.

5)    As reuniões mediúnicas devem ser com poucas pessoas, afinadas, conectadas afetivamente, numa organização desierarquizada, onde todos se tratem de maneira fraternal e igualitária, em que as pessoas se sintam à vontade para serem médiuns, mas também encontrem crítica amistosa.

Isso é espiritismo. O resto virou igreja. E se continuarmos nessa via em que estamos, teremos um movimento espírita sem espíritos!


Um comentário:

  1. Francisco Catro de Sousa29 de abril de 2018 às 17:30

    Excelente texto de Dora Incontri. Tenho a mesma opinião que ela, não podemos submeter a Doutrina Espírita a uma camisa de força!

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