sexta-feira, 27 de maio de 2016

À MUSA ESTUPRADA


"O Rapto das Sabinas", pintura de Nicolas Poussin


          Há indignações tão profundas, que só podem ser expressas em poesia, pelo menos para mim. Nos últimos meses, no meio do espetáculo constrangedor e bizarro em que o país mergulhou, a mulher brasileira foi alvo das mais absurdas violências: uma presidenta que não cometeu nenhum crime afastada do poder por um bando de criminosos, depois de ter sido xingada por uma parte da população, com as maiores baixarias e depois de ter sido ofendida por um Bolsonaro, que invocou seu torturador, num gesto de fascismo e supremo desrespeito humano; a primeira dama do presidente golpista posta como modelo de “beleza, do lar e recato”; um ministério inteiro só de homens (a maioria envolvidos com corrupção); um fundamentalismo religioso avançando no Estado, ameaçando os direitos da mulher; a visita de um ator machista, de filmes pornô, que nada tem a ver com Educação e que se ufana de ter estuprado uma mulher, no ministério da Educação e, por fim, esse estupro coletivo de uma menina de 16 anos, com direito a espetáculo e aplausos na internet! Onde estamos? Retrocedemos séculos? Ou essas camadas obscuras, nauseantes da sociedade não estavam tão visíveis?

          Se uma brasileira é estuprada a cada 11 minutos, isso está aí há muito tempo. Mas de repente, com a ascensão política de uma grande maioria de homens que representam justamente esse tipo de macho cafajeste, opressor e sem respeito pelas mulheres (veja-se o que fizeram com a presidenta, que pode ter os defeitos que tiver como política, mas é um ser humano, uma mulher, mãe, avó), temos todos esses homens medievais saindo das cavernas, para mostrar suas caras.

          Para eles e para todos os homens que não são como eles (graças a Deus, há muitos); para as mulheres, as que lutam por dias melhores e para aquelas que assumem o discurso do opressor (infelizmente, há muitas), dedico a poesia abaixo:

À MUSA ESTUPRADA
(VERSOS SÁFICOS)



Na favela, ou presidenta,
No congresso, ou no lar...
Há uma ferida nojenta
Há uma mulher a sangrar!

A mulher torturada,
Depois impedida.
A mulher estuprada,
Depois esquecida.
 
A mulher excluída,
Se não for recatada.
A mulher ofendida,
Se não for calada.

A mulher minha mãe,
A mulher minha irmã,
A mulher é culpada
Porque ela se expõe.

A mulher sufocada
De vestido na igreja,
De saia cumprida,
Na burca escondida.

A mulher violentada,
Estendida na rua,
Porque é despudorada
Porque é puta e está nua!

É sempre a culpada,
É sempre a acusada,
É sempre a julgada,
É sempre a safada!

É sempre a piranha,
Que não se acanha
Nunca é culpa do senhor,
Do macho predador!

Do poder, exilada,
Se honesta, impedida.
Se esbofeteada,
Porque merecida.

É sempre a vadia,
É sempre a que traía!
Mas onde o traidor?
Onde o estuprador?

A mulher que trabalha,
Que sempre batalha,
Que raro se ausenta,
Dos seus que amamenta...

É a mulher que sustenta
Que tudo já aguenta
Por ela que a vida
Se faz e se alenta.

Ó terna guerreira,
Eterna na lida,
Não mais quero à beira,
Calada, escondida!

Não mais de olhos roxos
Não mais ensanguentada
Não mais enlameada
Não mais acuada.

Homens, sois filhos
Sois pais, sois irmãos
Por que não limpais
Enfim vossas mãos?

Por que não partilhais
Iguais condições?
Por que não espalhais
Honestos corações!

Mulheres, não rompamos
Nossas mãos unidas
E sempre as estendamos
Às irmãs mais feridas!

Homens e mulheres,
Um mundo mais igual
O respeito natural
E a liberdade afinal!

(*) Jornalista, educadora e escritora. Suas áreas de atuação são Educação, Filosofia, Espiritualidade, Artes, Espiritismo. Tem mestrado, doutorado e pós-doutorado em Filosofia da Educação pela USP. É sócia-diretora da Editora Comenius e coordenadora geral da Associação Brasileira de Pedagogia Espírita. Coordenadora geral da Universidade Livre Pampédia.

Um comentário:

  1. "Onde estamos? Retrocedemos séculos? Ou essas camadas obscuras, nauseantes da sociedade não estavam tão visíveis?"
    A segunda opção, prof. Dora. O esgoto veio à superfície.

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