Pular para o conteúdo principal

"COMPADRES, AMAI-VOS!?"







Por Jorge Luiz (*)




“A liberdade de consciência é consequência
da liberdade de pensar, que é um dos
atributos do homem; e o Espiritismo, se não a
respeitasse, estaria em contradição com
os seus princípios de liberdade e tolerância” (Allan Kardec)


          
Há dezoito anos escrevi ao confrade Divaldo Franco o convidando para um evento na cidade em que residia, no interior do Estado do Ceará.  Ele educadamente informou que só aceitaria o convite via Federação Espírita. Na ocasião, a Federação do Ceará era presidida pelo saudoso Benvindo Melo que facilmente viabilizou a visita do tribuno baiano.

            As iniciativas de Divaldo Franco, bem como Raul Teixeira àquela época visavam fortalecer o movimento federativo.
            Em nossos dias a atitude assume uma nova feição por parte de algumas federativas, talvez sob a mesma alegativa. São duas as linhas de condutas:
a)    a federativa não avaliza convites feitos a expositor local, que não seja simpático aos trabalhos desenvolvidos pela mesma;
b)    alguns expositores, por sua vez, não participam de eventos patrocinados por casas espíritas que não são afiliadas/não se afinizam com a federativa.

             O que era um gesto de deferência passou para uma postura provinciana e inquisitorial. É indiscutível a necessidade de fortalecimento do movimento federativo. No entanto, esta afirmativa não isenta de que a dinamização das atividades federativas não sejam sujeitas a críticas. Sabe-se que é de competência das federativas, os seguintes objetivos e fins:
I – O estudo, a prática e a difusão do Espiritismo em todos os seus aspectos, com base nas obras de Allan Kardec, que constituem a Codificação Espírita;
II – A prática da caridade espiritual, moral e material por todos os meios ao seu alcance, dentro dos princípios da Doutrina Espírita, desenvolvendo, para tanto, atividades nas áreas assistencial, cultural, beneficente e filantrópica;
III – A união solidária das sociedades espíritas e a unificação do movimento espírita.

            Nem mesmo a Federação Espírita Brasileira - FEB, que se autodenomina “casa-máter do Espiritismo do Brasil”, é infalível. É de bom alvitre lembrar que não existe esta figura no Espiritismo, nem no Brasil e nem em lugar nenhum, até porque a FEB nasceu como centro espírita. A este respeito leia-se o que afirma o Espírito Massilon, em a Revista Espírita, abril de 1861:

“(...) Esta criança não tem pátria; percorre toda a Terra, procurando o povo que há de ser o primeiro a arvorar a sua bandeira, e esse povo será o mais poderoso entre os povos, pois tal é a vontade de Deus.”

            Não restam dúvidas que muitas federações espíritas estão distantes dos objetivos e fins que lhe são instituídos. As funções de algumas estão mais restritas às atividades de relacionamento público-social.
            O Espiritismo não tem estrutura hierárquica, nem clerical. Não tem sacerdotes nem chefes religiosos. O Espiritismo é fundamentado em bases efetivamente morais.
            O que se percebe na realidade é que parcela das federativas se transformaram em reduto de majestades no exercício do poder, sem nenhuma legitimidade no universo doutrinário em que se situa, até pela falta de visão de algumas lideranças em relação à dinâmica das atividades federativas.   Por outro lado, espíritas embora dotados de boa vontade alçam-se à condição de dirigente sem conhecimento da função e do próprio significado de um centro espírita, alheios; e até por interesses pessoais permanecem alheios aos destinos do meio espírita em que se insere. Estabelece-se uma “política de compadres”, esquecendo-se a máxima do “Amai-vos e Instruí-vos!” do Espírito da Verdade, sob o jugo dos interesses próprios, sufocam o ideal de união ensinado por Kardec que forjará a grande família espírita.
            O professor, filósofo, jornalista, escritor espírita José Herculano Pires, em sua obra “Curso Dinâmico de Espiritismo”, adverte:
“Não há mais lugar para comodismos, compadrismos, tolerâncias criminosas no meio espírita. Cada um será responsável pelas ervas daninhas que deixarem crescer ao seu redor. É essa a maneira mais eficaz de se combater o Espiritismo na atualidade: cruzar os braços, sorrir amarelo, concordar para não contrariar, porque nesse caso, o combate à doutrina não vem de fora, mas dentro do movimento doutrinário.”
            As iniciativas de algumas destas entidades em direção aos princípios de união e unificação entre os espíritas e as suas instituições são subnutridas. Os órgãos informais funcionam de forma independente, muito mais como espaços sociais do que fórum de discussão em busca da unidade desejada por Allan Kardec.
            A falta de uma participação ativa dos espíritas e especialmente dos dirigentes espíritas possibilitam espaços para posturas desta natureza.
            Caminhamos para a institucionalização de comportamentos extremamente reacionários. Parece que a simpática personalidade do papa Francisco atingiu o inconsciente arcaico desses espíritas favorecendo processo de “romanização” no movimento espírita brasileiro.
            Todo este cenário demonstra de forma inequívoca o desconhecimento do espírita Allan Kardec. E ainda, o afastamento de tudo que ele escreveu sobre a dinâmica que se deve observar nas diretivas para a construção da unidade de princípios favorecendo a marcha progressiva do Espiritismo.
            Em “O Que é o Espiritismo”, ensinamento oportuno de Allan Kardec:

            “Se transformardes, porém, uma crença em si mesma inocente, em instrumento de perseguição, ela então se tornará nociva e pode ser combatida.”

(*) livre-pensador e voluntário do Instituto de Cultura Espírita do Ceará.

Comentários

  1. Parabéns pela lucidez do texto.

    ResponderExcluir
  2. Espero Jorge, que faça a sua parte....esclarecendo e despertando consciência.
    Sem estudo aprofundado da CODIFICAÇÃO...continuará o equívoco ou equívocos.
    Bem lembrado meu grande amigo, Bem Vindo.
    Abraço fraterno e minha gratidão pelos teus excelentes comentários.

    ResponderExcluir
  3. Excelente lucidez!
    É preciso que mentes assim possam pensar e terem a coragem para assumir de fato a verdadeira doutrina.

    Márcia.

    ResponderExcluir
  4. Excelente Jorge Luiz! Vai para o Twitter, para o Facebook e para o mundo!

    ResponderExcluir
  5. Muito Bom Compadre Jorge!
    Francisco Castro de Sousa

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

PUREZA ENGESSADA

  Por Marcelo Teixeira Era o ano de 2010, a Cia. de teatro da qual Luís Estêvão faz parte iria apresentar, na capital de seu Estado, uma peça teatral que estava sendo muito elogiada. Várias cidades de dois Estados já haviam assistido e aplaudido a comovente história de perdão e redenção à luz dos ensinamentos espíritas. A peça estreara dez anos antes. Desde então, teatros lotados. Gente espírita e não espírita aplaudindo e se emocionando. E com a aprovação de gente conhecida no movimento espírita! Pessoas com anos de estrada que, inclusive, deram depoimento elogiando o trabalho da Cia. teatral.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

SOBRE A INSISTÊNCIA EM QUERER CONTROLAR AS MULHERES

  Gravura da série O Conto da Aia, disponível na Netflix Por Maurício Zanolini Mulheres precisam se casar com homens intelectualmente e financeiramente superiores a elas ou o casamento não vai durar. Para o homem, a esposa substitui a mãe nos cuidados que ele precisa receber (e isso inclui cozinhar, lavar, passar e limpar a casa). Ao homem, cabe o papel de prover para que nada falte no lar. O marido é portanto a cabeça do casal, enquanto a mulher é o corpo. Como corpo, a mulher deve ser virtuosa e doce, bela e recatada, sem nunca ansiar por independência. E para que o lar tenha uma atmosfera agradável, é importante que a mulher sempre cuide de sua aparência e sorria.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

ALLAN KARDEC E A DOUTRINA ESPÍRITA

  Por Doris Gandres Deolindo Amorim, ilustre espírita, profundo estudioso e divulgador da Codificação Espírita, fundador do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, em dado momento, em seu livro Allan Kardec (1), pergunta qual o objetivo do estudo de uma biografia do codificador, ao que responde: “Naturalmente um objetivo didático: tirar a lição de que necessitamos aprender com ele, através de sua vida e de sua obra, aplicando essa lição às diversas circunstâncias da vida”.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

"O CIO DA TERRA" : PENSANDO O TRABALHO COMO EXPIAÇÃO

  Ceifeiros, de Pieter Bruegel (1565) Por Jorge Luiz                Do latim tripalium , surge a palavra trabalho formada da junção dos elementos tri, que significa “três”, e palum , que quer dizer “madeira”.   Conforme afirma o Dicionário Etimológico, Tripalium é o nome de um instrumento de tortura constituído de três estacas de madeira bastante afiadas e que era comum em tempos remotos na região europeia. Desse modo, originalmente, “trabalhar” significa “ser torturado”.