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ASSISTENTES E ASSISTIDOS








Por Jorge Luiz (*)



“Deus não concedeu, portanto, superioridade natural
a nenhum homem, nem pelo nascimento, nem pela morte:
 todos são iguais diante dele.” (Allan Kardec)







           
                 A Assistência Social tem como objetivo precípuo resgatar a dignidade humana. É dirigida especificamente para o indivíduo que se encontra em condições de fragilidade, ofertando-lhe condições de recuperar seus direitos à cidadania, a começar pelo direito às necessidades básicas, passando pela emancipação econômico-financeira e a inserção social. Suas descrição e diretrizes estão consolidadas na Constituição Federal Brasileira.
            É imperioso notar que na assistência social a relação entre as partes é de independência, e não de sujeição, mesmo se tratando de poder público e indivíduo/comunidade carente. Teoricamente deve se buscar a mudança da realidade social do indivíduo e da comunidade.  Nunca: indivíduo/poder público (sujeito) e indivíduo/comunidade carente (objeto). A vinculação é de autonomia.

            O Assistencialismo é desprovido de diretrizes ou descrições, funciona em geral de forma empírica e não objetiva alterar o estado socioeconômico do tutelado. As ações são a nível de filantropia; ajuda; doação, não tirando o necessitado da sua situação de penúria; necessidade. Funciona como uma maneira de construir uma imagem favorável aos doadores, muito comum dentro do segmento político. A vinculação é de gratidão.
            Desconhecer o sentido da assistência social deixando-se mover apenas por um sentimento equivocado de caridade, leva à capacidade de questionar as estruturas sociais, os procedimentos inadequados dos políticos, das injustiças sociais, fatores geradoras de fome, miséria e ignorância. Tende-se para um assistencialismo acrítico.
            Certa ocasião, quando visitei um centro espírita para apresentar uma exposição sobre a felicidade na visão espírita, sob alvoroço, ocorria a organização para a distribuição de cestas básicas para trinta mães, algumas acompanhadas de filhos. Concluída a exposição, anunciou-se que as mães fariam uma apresentação musical, o que foi emocionante, por sinal.
            Não entendi, no entanto, qual foi o motivo que impediu que as mães fizessem parte do público assistente, já que o tema era de profundo interesse para o segmento assistido pelo grupo espírita. Aliás, qualquer tema seria importante pra todos: trabalhadores, assistentes e assistidos, pois não existem diferenças. O mais interessante ainda, é que as mães e filhos sequer participaram da prece final.
            Isto é uma pequena mostra que serve para qualificar, em expressiva maioria o tipo do assistencialismo promovido pelos espíritas
            É fácil de se constatar que a principal faceta do movimento espírita brasileiro é a divisão das classes sociais, o que não deixa de ser uma segregação social. Há trabalhadores e assistidos; assistentes e assistidos; filhos de trabalhadores e filhos de assistidos. As pessoas carentes são objeto da assistência social e não indivíduos que merecem reconquistar sua dignidade. Esquecem o que está escrito na questão nº 806 de “O Livro dos Espíritos”, que as desigualdades sociais não são obra de Deus, portanto não é uma lei natural, mas sim obra do homem.
            Allan Kardec, na belíssima obra “Viagem Espírita em 1862”, nos adverte:

“Homens da mais alta posição honram-me com a visita,
porém nunca, por causa deles, um proletário ficou
na antecâmara. Muitas vezes, em meu salão, o príncipe
se assenta ao lado do operário. Se se sentir humilhado,
dir-lhe-ei simplesmente que não é digno de ser espírita.
Mas sinto-me feliz em dizer, eu os vi, muitas vezes,
apertarem-se as mãos, fraternalmente, e, então,
um pensamento me ocorre: ‘Espiritismo, eis um
dos teus milagres; este é o prenúncio de muitos
outros prodígios’.”

            A assistência social governamental brasileira vigente, que teve suas bases inaugurais em 1937, obteve inegável contribuição da assistência social espírita, hoje SAPSE – Serviço de Assistência e Promoção Social Espírita, com diretrizes e recomendações definidas pela Federação Espírita Brasileira – FEB e com rico material de apoio disponibilizado no site da mesma, porém, pouco utilizado pelos espíritas.          

            Enquanto insistirem em dar esmolas ao invés de se despertar o Ser para as suas potencialidades íntimas, favorecendo-lhe a ser o verdadeiro construtor do seu futuro, teremos por algum tempo um assistencialismo acrítico, praticado por alguns espíritas, dividido por condições sociais entre: assistentes e assistidos. Isto não deixa de ser um obstáculo a ser superado na marcha progressiva do Espiritismo em solo brasileiro.

Post Scriptum: as fotos que ilustram o texto são do "Pão da Vida", Projeto Social do Centro Espírita "O Pobre de Deus", localizados na Vila Oiticicas - Viçosa do Ceará - Ceará.  Vejam mais:


(*) livre-pensador e voluntário do Instituto de Cultura Espírita do Ceará.

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