domingo, 26 de junho de 2022

DIÁLOGO SOBRE O DIA NACIONAL DO ESPIRITISMO E BOLSONARO


 Por Ana Cláudia Laurindo

Instigada pela necessidade de reflexão constante, nestes caminhos repletos de armadilhas e obstáculos intencionalmente postos, abro o coração e a mente para dialogar com organizadores e articulistas do livro Espiritismo, Sociedade e Política – Projetos de Transformação”, da Editora Comenius, sobre a Lei 14354/22, que sob assinatura de Jair Messias Bolsonaro institui o Dia Nacional do Espiritismo no Brasil.

O primeiro gesto de esgar tentei conter, pois já não é aconselhável afetar o emocional com ocorrências sequenciais de escárnios administradas por este presidente.

É sabido por todos nós que o meio espírita brasileiro tem uma parcela de si anestesiada para as questões sociais em profundidade política, econômica e até mesmo humanitária, pois este percentual de espíritas segue o presidente denunciado em tribunais internacionais por genocídio, como se este ato não significasse nada nos patamares do amor à vida humana.

Imaginamos que estes consigam celebrar o ato presidencial como um prêmio. Contudo, rompendo as questões de guetos, não podemos felicitar ninguém por tal feito quando a coletividade sofre inúmeros males evitáveis oprimida por crises fabricadas e políticas de extermínio dos empobrecidos e vulneráveis.

O espírita de visão liberal que encontra representação em Bolsonaro, não agrega valores societários a esta escolha, pois “o liberalismo fundamenta a visão individual do ser humano em todos os aspectos da vida”, diz Ademar Arthur Chioro dos Reis, na página 12.

O atual contexto brasileiro expõe a ferida comum provocada pelas políticas de Jair Bolsonaro, desde o período de campanha eleitoral, quando sua sanha de poder confundiu verdade e mentira, dificultando o discernimento de um povo semialfabetizado em questões históricas e sociais, para com a manipulação das crenças, alcançar os objetivos predatórios do ultraliberalismo nacional e internacional.

Em seu artigo no livro acima citado, Alessandro Cesar Bigheto na página 35, reflete sobre alguns malefícios correspondentes ao ato de fazer política para quem possui poderes, dizendo que “a sociedade organizada pelos liberais e capitalistas não era apenas injusta, mas parecia funcionar mal, pois na medida em que funcionava, produzia resultados ruins, distantes do bem-estar pregado pelos seus defensores. O fato de os ricos ficarem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, não era um acidente, mas um problema estrutural da sociedade organizada pelos ideais liberais capitalistas.”

Desse modo, um governo que prioriza a vitória (da vida) dos mais ricos e exploradores, não é representativo da causa espírita!

Conhecedores de teorias sociais e econômicas, não poderemos fazer escolhas de caráter político e histórico, sem assumirmos as responsabilidades do que fazemos. Os inconvenientes de apoiar ou aprovar as ações de Bolsonaro movimentam debates, estudos, reflexões internas e explanações externas, gravando divisões necessárias no meio espírita brasileiro, pois não aceitamos a omissão diante da morte coletiva dos marginalizados, por serem trabalhadores, desempregados, ou apenas livres pensadores de suas histórias de vida.

No artigo denominado “Existência humana: fenômeno espiritual e político”, a autora afirma que “o controle do sofrimento de agrupamentos humanos e categorias societárias, através da criação e manutenção de sistemas sociais excludentes, não é resultado de determinações do além, portanto, é temática dos saberes humanos. Tal violência histórica é consequência de concepções ainda atrasadas, a reproduzir sofreres planejados sobre a vida das coletividades que rumam.”

Se o presidente do Brasil é responsável pelo acúmulo de sofrimento da população através da execução de políticas geradoras de morte, com acentuada evolução da violência e agudização da miséria humana, não corresponde sob hipótese alguma aos objetivos do Espiritismo em nosso meio.

A miserabilidade é entrave a qualquer expectativa justa de evolução, pois nega respostas às necessidades primárias do ser encarnado. Retirar postos de trabalho e direitos trabalhistas, é ação trevosa.

Concordamos com Carlos Gaba, que na página 63 do livro com o qual dialogamos aqui, afirma que “é por meio do trabalho que o ser humano desenvolve suas habilidades, experimenta novos aprendizados, aumenta seus conhecimentos e relaciona-se com os seus semelhantes, exercitando e aplicando os ensinamentos deixados por Jesus e por vários outros espíritos evoluídos que estiveram conosco na Terra.”

Empobrecer um povo materialmente, culturalmente e espiritualmente, tem sido consequência visível do tempo presente, sob a batuta de Jair Bolsonaro, aquele que tripudia da enfermidade e da morte, desonra a faixa presidencial em exibições grotescas de insensibilidade diante de calamidades públicas e/ou naturais, sem temer divulgação de gestos e falas profanas mesmo em instantes de consternação.

Nossas análises não surgem do vácuo, e as palavras podem ser confrontadas em registros. Nosso sentimento de repulsa por uma ação instituída por um governo genocida não é indicativo de busca purista, mas de grito de alerta, para que o meio espírita afinado com Jair Bolsonaro ainda possa repensar. Ecoando Dora Incontri, na página 89 do livro, “se o ser humano é um ser em evolução, com potencial infinito para desabrochar seu senso de justiça e fraternidade, então oprimido e opressor devem ser estimulados à maturação espiritual e convertidos ao amor recíproco”, mas este píncaro não se alcança com omissões, medos e silenciamentos.

Nos diz Isabel Guimarães, na página 95, que “a moral que sustenta o espiritismo é a moral cristã, a base é a ética proposta por Jesus, que foi profundamente revolucionário, na época em que ele esteve encarnado na Terra e ainda o é até os dias de hoje”. Portanto, não seremos induzidos a nenhum tipo de silêncio conivente, e os brados do livre pensamento haverão de incomodar os acomodados, mas fortalecerão os dispostos a maturar.

Já não nos basta falar baixo como proposta piedosa, assim como a fome da nação não será saciada apenas com doações de cestas básicas. Joana Angélica Guimarães da Luz nos diz na página 113, que “no caso do espiritismo, essa visão assistencialista é também uma questão predominante, pois muitos grupos espíritas trabalham na perspectiva de que o assistencialismo lhes garante uma elevação espiritual”. Mas a omissão quanto à percepção das estruturas geradoras de fome e miséria não lhes aliviará as lacunas do desamor que tal prática alimenta e mantém.

Negar a purulência da mentalidade individualista, liberal, que o capitalismo predatório exposto nos caminhos do governo brasileiro apenas escancara a dose alta de ignorância, que parte significativa do meio espírita ainda não admitiu possuir. Juliana Paula Magalhães, na página 121 explica que “a lógica do capitalismo é a da acumulação e isso se faz à custa do suor e sangue dos trabalhadores”, por essa razão, não existe maneira de negar a importância de escolher o fortalecimento de práticas progressistas, humanitárias, com alcance mais espiritualizado sobre os efeitos das leis sociais e econômicas nas vidas reais de todos nós.

Espiritismo sem valores espíritas, não pode existir.

Associar apoio de pessoas espíritas a governos ditatoriais, homofóbicos, beligerantes e misóginos não pode ser normalizado; Jair Bolsonaro destrata a mulher de maneira pública, e seu governo conseguiu fazer proliferar o feminicídio de maneira assustadora.  Segundo Litza Amorim, na página 134, “os movimentos sociais militantes pela emancipação da mulher foram notados por Allan Kardec e destacados na Revista Espírita.” Como podemos na contemporaneidade aceitar o retrocesso?

A história espírita pode até mesmo ser desgarrada da religião, e isso tem acontecido de modo interessante, mas não poderá ser desgarrada do amor!  Como apoiar ao mesmo tempo amor e destruição?

Pausamos para pensar profundamente este diálogo com o texto de Luiz Signates, na página 147, que diz: “Um século depois, em 2018, o país assistiu a ascensão de um governo de extrema direita, que, segundo as pesquisas eleitorais, contou com o voto de 58% dos espíritas no primeiro turno (candidaturas de direita) e 48% no segundo turno (votos em Bolsonaro). Político controverso, original do baixo clero da Câmara dos Deputados, onde cumpriu 28 anos de vida parlamentar sem qualquer realização digna de nota, exceto a prática do nepotismo possível diante das restrições legais (contratação cruzada de parentes em gabinetes de parlamentos diversos, inserção de praticamente todos os filhos na vida política etc.) e o alinhamento acrítico aos setores retrógrados e autoritários do Exército, Bolsonaro é a cara de um Brasil ignorante e paternalista, patriarcal e autoritário, profundamente preconceituoso e pernóstico, que saiu da escravidão sem que a escravidão saísse de sua mentalidade.”

Assim sendo, não há motivo real para nenhum tipo de celebração por causa da instituição do dia nacional do espiritismo pelas mãos espúrias do atual presidente do brasil.

Optamos em seguir com aqueles e aquelas que fazem de cada dia uma nova oportunidade de resistência ao mal institucionalizado e reverberam amor na prática cotidiana, dando mais do que água a quem tem sede e pão a quem tem fome, por acrescentar instrumental de pensamentos políticos libertadores, canais de evolução.

 


Fonte bibliográfica: Incontri, Dora. Pinto, Sergio Maurício. (Org.)

Espiritismo, Sociedade e Política – Projetos de Transformação

Bragança Paulista, Editora Comenius, novembro de 2021.

3 comentários:

  1. De pleno acordo com o pensamento de Ana Cláudia Laurindo! Francisco Castro de Sousa

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  2. Emmanuel escreveu pelas mãos de Chico Xavier e a FEB inseriu no livro Coletânea do Além.

    Ei-la, na íntegra:

    "Como devemos encarar o comunismo cristão?

    O comunismo em suas expressões de democracia cristã está ainda longe de ser integralmente compreendido como orientador de vossas forças político-administrativas.

    Somente serão entendidas as suas concepções adiantadas, à luz dos exemplos do Cristo, quando reconhecerdes que o Evangelho não quer transformar os ricos em pobres e sim converter os indigentes em ricos do mundo, fazendo desabrochar em cada indivíduo a concepção dos seus deveres sagrados, em face dos problemas grandiosos da vida.

    Comunismo ou socialismo cristão não pode ser a anarquia e a degradação que observais algumas vezes em seu nome, significando, acima de tudo, a elevação de todos, dentro da harmonia soberana e perfeita.

    Quando o homem praticar a fraternidade, não como obrigação imposta pelas justas conveniências, mas como lei espontânea e divina do seu coração, reconhecendo-se apenas como usufrutuário do mundo em que vive, convertendo as bênçãos da natureza, que são as bênçãos de Deus, em pão para a boca e luz para o espírito, as forças políticas que dirigem os povos nortear-se-ão sem guerras e sem ambições, obedecendo aos códigos de solidariedade comum.

    Semelhante estado de coisas, porém, nunca será imposto por armas ou decretos humanos. Representará o amadurecimento da consciência coletiva na compreensão dos legítimos deveres da fraternidade e somente surgirá, no mundo, por efeito do conhecimento e da educação de cada indivíduo." (Coletânea do Além, obra mediúnica psicografada pelo médium Francisco Cândido Xavier.)

    Att Edilson, edilsonsilva@hotmail.com

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  3. Léon Denis, em seu livro Socialismo e Espiritismo, tradução de Wallace Leal V. Rodrigues, publicada pela Casa Editora O Clarim, também se reportou ao tema, lembrando as condições necessárias para que tais ideais se concretizem no mundo em que vivemos.

    Eis o que o grande pensador e escritor francês escreveu:

    Longe de nós criticar os comunistas de convicção sincera que desejariam estabelecer na Terra o regime social que reina, provavelmente, nos mundos superiores, onde todos trabalham para cada um e cada um por todos, no espírito de devotamento absoluto a uma causa comum. Esse regime exige, no entanto, qualidades morais e sentimento de altruísmo que não existe senão em condições excepcionais em nosso mundo egoísta e atrasado. É fácil demonstrar que as aspirações generosas do comunismo são ainda prematuras e inaplicáveis na sociedade atual. Seria preciso séculos de cultura moral e de educação popular para levar o espírito humano ao estado de perfeição necessário a uma tal ordem de coisas. Eis por que a posse individual dos frutos do trabalho permanecerá sendo por muito tempo o estimulante indispensável, o meio de emulação que assegura pôr em ação o equilíbrio das forças sociais. (Socialismo e Espiritismo, pág. 87.)

    No momento, o comunismo não é realizável senão no seio de grupos restritos, cuidadosamente recrutados, nos quais todos os membros sejam animados por uma fé intensa e espírito de sacrifício. Não se poderia sonhar com estender-se a sua aplicação a nações inteiras, a milhões de homens de caracteres e temperamentos tão diferentes. E não será através do crime e pelo sangue que se poderá fundar um regime de fraternidade, solidariedade e amor. As instituições não são realmente vivas e fecundas senão quando os homens, por uma vida interior verdadeira, sabem animá-la. Um comunismo sem ideal elevado não poderia ser construído sobre uma areia perpetuamente movediça. (Obra citada, págs. 87 e 88.)

    Os revolucionários violentos, que pretendem fundar a ordem social no sangue e sobre ruínas, não passam de cegos e desgarrados. A harmonia social não pode se estabelecer senão sobre a justiça, a bondade, a solidariedade. O verdadeiro comunismo exige a doação de si mesmo, um sentimento de altruísmo que leve até ao sacrifício, e não foi praticado até aqui senão em agrupamentos religiosos, que se inspiravam em um ideal superior e que, em seus arrebatamentos de fé e de amor, chegavam à renúncia pessoal em proveito da coletividade. Acrescentemos ainda que essa renúncia implicava o esquecimento da família. Ora, a família é a base essencial, o pivô de toda sociedade humana. Um sistema assim não poderia, pois, generalizar-se. (Obra citada, págs. 106 e 107.)

    Só Ler o Livro No Rumo do Mundo de Regeneração Autor: Divaldo Pereira Franco / Ditado por: Manoel Philomeno de Miranda ano 2021, que encontramos detalhes do que aconteceu pelo plano espiritual em relação a pandemia e a guerra que esta acontecendo pelo poder no mundo e principalmente no Brasil, porem sendo influenciada diretamente pelo plano espiritual.

    Fica claro que o Comunismo é o mais evoluído dos sistemas de organização social (quem ler o livro Nosso Lar de Francisco Cândido Xavier pelo Espírito André Luiz percebe que a organização da cidade espiritual é algo que se assemelha muito ao comunismo), porem a humanidade encarnada ainda não tem evolução moral em sua maioria para coloca-lo em pratica.

    Att Edilson, edilsonsilva@hotmail.com

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