Pular para o conteúdo principal

KARDEC E O MÉTODO QUE NÃO SE PERDE!*


 


Quando se acompanha por algum tempo comentários de páginas e grupos dedicados ao Espiritismo, é possível classificar os argumentos apresentados pelos participantes ante qualquer tema proposto, em duas categorias principais: a CARTEIRADA e a SUBMISSÃO.

Os simpatizantes da carteirada geralmente são avessos à institucionalização do espiritismo, porém colocam todo peso e medida na letra de Kardec, conforme suas interpretações. Os submissos se colocam a partir da visão de algum vulto do espiritismo, ou algum espírito, ou até mesmo de ambos.


Mas o que é exatamente a carteirada? São argumentos que têm como objetivo encerrar a discussão apresentando uma explicação definitiva, atemporal, mesmo que essa explicação seja incoerente. Um exemplo disso é dizer, diante de um tema social, cultural ou político dos nosso tempos, que “não há uma palavra sequer em Kardec sobre isso!” (nos seus escritos do século XIX). Dá-se um peso de autoridade inquestionável ao que Kardec disse e não disse, e se usa essa “autoridade” para pôr fim a qualquer questionamento.

E o que é a submissão? É a postura passiva de se colocar numa posição de incapacidade / ignorância perante a palavra de médiuns e espíritos. Essa postura usa argumentos como a necessidade do indivíduo passar por uma comissão de dirigentes que vai avaliar se ele está equilibrado o suficiente, afinal o espiritismo deve ser defendido das trevas e de mentes doentes. Qualquer frase de um médium destacado (mesmo que claramente preconceituosa, rasa ou falsa) deve ser entendida como verdade, já que ele é “assessorado pelos espíritos superiores”, que não permitiriam que o tal médium falasse algo pernicioso.

No fundo, essas duas posturas são um espelhamento uma da outra. As duas se ancoram na dualidade entre submissão e autoridade. De um lado entendem que somos caídos, crianças espirituais (compreendendo criança aqui com incapaz), cegos que precisam dos espíritos superiores para nos guiar para fora de nossas próprias sombras. De outro, mostramos nossa evolução e nos diferenciamos da massa ignóbil ao adotarmos o espiritismo, e por isso defendemos a letra de Kardec, como se ela estivesse escrita em pedra.

Para começarmos a desconstruir essas duas posturas, precisamos entender que o espiritismo não é uma obra dos espíritos, mas sim uma obra com a participação dos espíritos, elaborada e executada por Kardec e voltada para que os encarnados de antes e de agora possam vencer o peso da matéria e ver mais longe, entendendo a lógica da evolução e do fim de cada um, como criatura provinda de Deus.


Por que será que houve um trabalho como o de Kardec? Atribuir a seus escritos o rótulo de Terceira Revelação, como é praxe no movimento espírita, é um argumento que não se sustenta já que não é possível comprová-lo fora do campo da fé. Se olharmos para a doutrina sem os pesos da submissão e da autoridade, entendemos que ela foi o resultado de um contexto histórico, em que a razão permitiu colocar certo método nas comunicações entre vivos e mortos. Uma vez colocado o método, a dita ciência, vem a filosofia pela análise dos resultados da aplicação do método, e como isso surgiram os assuntos ligados à moral e à existência de um Deus.

Com esse olhar fica claro que a investigação de Kardec serve para ampliarmos a percepção da realidade que nos cerca. Ela mostra que o mundo invisível interage com o visível e que os fantasmas são tão reais quanto nós, abrindo a possibilidade de filosofarmos sobre a nossa sorte além do túmulo, nos dando subsídios sobre como melhor viver aqui na matéria. Essa realidade ampliada é revolucionária. Nesse novo mundo de imortalidade da alma, de sucessivas vidas, de infinitas oportunidades e eternos aprendizados, as convenções da sociedade material perdem totalmente o sentido. As divisões de classe, os privilégios, as castas, tudo se dissolve, virá pó. Trazer para dentro do espiritismo (através de seu movimento institucional) as divisões entre os que assistem e os que são assistido, os que educam e os que precisam ser educados, os que são santos e seus meros seguidores, é fechar as portas que Kardec nos abriu. Um mundo de regras rígidas e simplistas é a inversão completa do espiritismo.

Por tudo isso o Manifesto por um Espiritismo Kardecista Livre enfatiza que o espiritismo está em permanente construção, em diálogo com a pesquisa científica, a reflexão filosófica e a comunicação dos Espíritos, desde que se mantenham de Kardec o espírito crítico, a observação empírica e o princípio ético do desinteresse.

Avançar nos dias atuais no espiritismo é manter o método de Kardec vivo. Uma postura crítica e combativa é necessária para que a essência libertadora dessa visão ampliada da realidade seja recuperada e possa nos conduzir na construção de um futuro fraterno e igualitário. Por que afinal somos todos espíritos em permanente evolução.

* aLEXANDRE mOTA E mAURÍCIO zANOLINI

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração (1) , isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

O GRANDE PASSO

                    Os grandes princípios morais têm características de universalidade e eternidade, isto é, servem para todos os quadrantes do Universo, em todos os tempos.          O exercício do Bem como caminho para a felicidade é um exemplo marcante, sempre evocado em todas as culturas e religiões:          Budismo: O caminho do meio entre os conflitos e a dor está no exercício correto da compreensão, do pensamento, da palavra, da ação, da vida, do trabalho, da atenção e da meditação.          Confucionismo: Não se importe com o fato de o povo não conhecê-lo, porém esforce-se de modo que possa ser digno de ser conhecido.          Judaísmo: Não faça ao próximo o que não deseja para si.     ...

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...