“Pretender que
todos os espíritas sejam infalíveis seria tão absurdo quanto a pretensão dos
nossos adversários de deterem o privilégio exclusivo da razão. Mas se alguns se
enganam, é que se equivocam quanto ao sentido e ao fim da doutrina. Neste caso
sua opinião não pode fazer lei, e é ilógico e desleal, conforme a intenção,
tomar a ideia individual pela ideia geral, e explorar uma exceção.”
(Allan Kardec –
Revista Espírita, maio de 1863)
O eruditismo e a idolatria há
muito vem cimentando os caminhos do movimento espírita brasileiro. Ambos são
extremamente nocivos a qualquer processo pedagógico, principalmente
considerando o vigor do Espiritismo como obra de educação. Para Nietzsche, a essência do eruditismo comparar-se-ia a
“galinhas exaustas”, na medida em que “cacarejam mais do que nunca, pois chocam
com mais frequência os seus ovos, em compensação são cada vez menores – embora
seus livros sejam cada vez mais volumosos.” Acerca da idolatria, Albert
Einstein advertiu que “Todos deviam ser
respeitados como indivíduos, mas ninguém devia ser idolatrado.”
Vê-se, pois, que para uma
Doutrina que tem em sua base a razão e as Leis Naturais essas contradições são
vetores demasiadamente comprometedores no processo de construção de uma
consciência espírita.
Nos últimos dias, uma polêmica
extremamente desagradável se estabeleceu no seio do movimento espírita
brasileiro, resultante de posicionamentos de dois ilustres confrades, que não
tiveram o cuidado de distinguir opiniões pessoais de doutrinárias, sobre
questão que suscita controvérsias, isto em uma ambiência espírita.
Importante destacar o louvável
reconhecimento dos serviços prestados à difusão da Doutrina pelos protagonistas
desse lamentável episódio. Longe, portanto, de se destilar aqui mais fermento à
dissensão implantada, mas apenas avaliar a questão atitudinal dos espíritas
perante a política.
Um portal de notícia postou artigo com o título “A política rachou até o
Espiritismo/Kardecismo no Brasil.” (saiba mais) Isto é o que se pode
chamar de uma contradição estapafúrdia. Para um movimento espírita em que
muitos dos seus participantes gostam de se afirmar apolíticos e consideram a
política algo pecaminoso é de causar espanto. (saiba mais) O que se pode notar nesse cisma, é a total
inobservância das instruções anotadas por Allan Kardec para os seus discípulos.
A esse respeito ele adverte:
“Em tais casos, manda a prudência não
confiar em sua opinião pessoal. (...) Sobre todas as coisas têm a sua opinião
pessoal, que pode ser justa ou falsa.”
Grupos
e indivíduos se posicionam contra e a favor. Surgem denominações excêntricas
como “espíritas progressistas”, se não bastasse tantas outras denominações
desde o aparecimento do Espiritismo no Brasil, forçados sempre pela linearidade
contrários a circularidade do pensamento espírita. Do outro lado o ataque dos
que de forma tácita assumem o protagonismo “conservador”, na defesa
intransigente dos dois confrades. A política mundana no contexto espírita, de
espíritas que abominam a política. Processo inverso do que deveria ocorrer, ou
seja, a cultura espírita transformar a cultura do meio. Outros, como diz o
Codificador:
“são mais afetados e hipócritas; com
olhar oblíquo e palavras melífluas sopram a discórdia enquanto pregam a união.”
Os espíritas têm que ter
consciência que qualquer conceito ou opinião que se lance sobre um fenômeno
social é um olhar político, que naturalmente convergirá para uma vertente
política partidária, dentro das tensões sociais que elas se envolvem, isso é
inevitável. “O homem é um animal político”,
disse Aristóteles. Tentar negar isso é se submeter a um movimento pendular -
espectro de santidade e hipocrisia. É necessário que fique bem claro que aqui
não está em comento o ativismo político-partidário espírita.
Embora
se discorde do termo “espíritas progressistas”, tem que se admitir que a
postura foi correta, pois o Codificador assim orienta em artigo “Olhar
retrospectivo sobre o movimento espírita”,
na Revista Espírita, de janeiro de
1867, em ocorrências da espécie:
“Uma coisa muito simples: fechar-se
nos estritos limites dos preceitos da Doutrina; esforçar-se em mostrar o que
ela é por seu próprio exemplo e declinar toda solidariedade com o que pudesse
ser feito em seu nome e que fosse capaz de desacreditá-la, porque não seria
este o caso de adeptos sérios e convictos.”
O momento é de circunspecção,
pois não devemos nos esquecer que qualquer palavra, escritos ou ações, diante
dos ânimos – bem sei – podem ser consideradas posturas políticas dentro do
divisionismo que se instalou no Brasil. Não devemos compartilhar qualquer
iniciativa que favoreça e alimente a intriga e levar a maiores perturbações das
já existentes.
Com a palavra o Codificador:
“Podemos pensar de modo diverso, sem,
por isso, deixar de nos estimarmos. Afinal de contas, o que buscamos todos
nessa tal palpitante e fecunda questão do Espiritismo?”
Ele
continua:
“Acreditamos que o silêncio, em
certos casos, é a melhor resposta. Aliás, há um gênero de polêmica do qual
tomamos por norma nos abstermos: é aquela que pode degenerar em personalismo;
não somente ela nos repugna, como nos tomaria um tempo que podemos empregar
mais utilmente, (...).”
É de fundamental importância
levar essas reflexões para a discussão nas instituições espíritas, pois lá,
também, devido ao institucionalismo que pragueou a seara espírita, essas mesmas
instituições põem-se a serviço de privilégios perdendo seu sentido original e
passa a ser um instrumento destruidor de liberdades participativas, com viés
eminentemente político partidário.
Também, por inobservância das
orientações de Kardec, ao ser priorizado o institucionalismo, abandona-se a
gestão horizontal por ele indicada, e opta-se pela gestão vertical. Implantada
esse sistema surgem duas formas de gestão: o estilo ad eternum, quando se busca se perpetuar no poder, ou o
partidarismo – de partido – um grupo que se articula para se revezar no poder,
comumente em oposição a outro grupo, provocando dissidências e deserções. São sistemas
com prejuízos para a autogestão, que têm como axioma fundamental a igualdade de
direito e de desejo, valorizando as diferenças individuais. (saiba mais)
Todas essas contradições
dificultam o processo de união entre os espíritas e os fundamentos para as
bases de unificação.
Nesses dias, grande parte dos
adeptos de Kardec no Brasil, em questão de política, está mais para aqueles que
ele chamou - em artigo na Revista
Espírita, março de 1863 - de Falsos
Irmãos, Amigos Inábeis, em que ele se justifica utilizando um velho
provérbio:
“Mais vale um inimigo confesso
que um amigo desajeitado”
Referências
KARDEC, Allan. Revista
espírita. São Paulo: Edicel, março de 1863.
____________. Revista
espírita. São Paulo: Edicel, maio de 1863.
____________. Revista
espírita. São Paulo: Edicel, janeiro de 1867.
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