quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

OS ESPÍRITAS, A POLÍTICA E SUAS CONTRADIÇÕES








“Pretender que todos os espíritas sejam infalíveis seria tão absurdo quanto a pretensão dos nossos adversários de deterem o privilégio exclusivo da razão. Mas se alguns se enganam, é que se equivocam quanto ao sentido e ao fim da doutrina. Neste caso sua opinião não pode fazer lei, e é ilógico e desleal, conforme a intenção, tomar a ideia individual pela ideia geral, e explorar uma exceção.”
(Allan Kardec – Revista Espírita, maio de 1863)

O eruditismo e a idolatria há muito vem cimentando os caminhos do movimento espírita brasileiro. Ambos são extremamente nocivos a qualquer processo pedagógico, principalmente considerando o vigor do Espiritismo como obra de educação. Para Nietzsche, a essência do eruditismo comparar-se-ia a “galinhas exaustas”, na medida em que “cacarejam mais do que nunca, pois chocam com mais frequência os seus ovos, em compensação são cada vez menores – embora seus livros sejam cada vez mais volumosos.” Acerca da idolatria, Albert Einstein advertiu que “Todos deviam ser respeitados como indivíduos, mas ninguém devia ser idolatrado.”

Vê-se, pois, que para uma Doutrina que tem em sua base a razão e as Leis Naturais essas contradições são vetores demasiadamente comprometedores no processo de construção de uma consciência espírita.
Nos últimos dias, uma polêmica extremamente desagradável se estabeleceu no seio do movimento espírita brasileiro, resultante de posicionamentos de dois ilustres confrades, que não tiveram o cuidado de distinguir opiniões pessoais de doutrinárias, sobre questão que suscita controvérsias, isto em uma ambiência espírita.
Importante destacar o louvável reconhecimento dos serviços prestados à difusão da Doutrina pelos protagonistas desse lamentável episódio. Longe, portanto, de se destilar aqui mais fermento à dissensão implantada, mas apenas avaliar a questão atitudinal dos espíritas perante a política.
          Um portal de notícia postou artigo com o título “A política rachou até o Espiritismo/Kardecismo no Brasil.” (saiba mais) Isto é o que se pode chamar de uma contradição estapafúrdia. Para um movimento espírita em que muitos dos seus participantes gostam de se afirmar apolíticos e consideram a política algo pecaminoso é de causar espanto. (saiba mais) O que se pode notar nesse cisma, é a total inobservância das instruções anotadas por Allan Kardec para os seus discípulos. A esse respeito ele adverte:

“Em tais casos, manda a prudência não confiar em sua opinião pessoal. (...) Sobre todas as coisas têm a sua opinião pessoal, que pode ser justa ou falsa.”

          Grupos e indivíduos se posicionam contra e a favor. Surgem denominações excêntricas como “espíritas progressistas”, se não bastasse tantas outras denominações desde o aparecimento do Espiritismo no Brasil, forçados sempre pela linearidade contrários a circularidade do pensamento espírita. Do outro lado o ataque dos que de forma tácita assumem o protagonismo “conservador”, na defesa intransigente dos dois confrades. A política mundana no contexto espírita, de espíritas que abominam a política. Processo inverso do que deveria ocorrer, ou seja, a cultura espírita transformar a cultura do meio. Outros, como diz o Codificador:

“são mais afetados e hipócritas; com olhar oblíquo e palavras melífluas sopram a discórdia enquanto pregam a união.”

Os espíritas têm que ter consciência que qualquer conceito ou opinião que se lance sobre um fenômeno social é um olhar político, que naturalmente convergirá para uma vertente política partidária, dentro das tensões sociais que elas se envolvem, isso é inevitável. “O homem é um animal político”, disse Aristóteles. Tentar negar isso é se submeter a um movimento pendular - espectro de santidade e hipocrisia. É necessário que fique bem claro que aqui não está em comento o ativismo político-partidário espírita.
          Embora se discorde do termo “espíritas progressistas”, tem que se admitir que a postura foi correta, pois o Codificador assim orienta em artigo “Olhar retrospectivo sobre o movimento espírita”, na Revista Espírita, de janeiro de 1867, em ocorrências da espécie:

“Uma coisa muito simples: fechar-se nos estritos limites dos preceitos da Doutrina; esforçar-se em mostrar o que ela é por seu próprio exemplo e declinar toda solidariedade com o que pudesse ser feito em seu nome e que fosse capaz de desacreditá-la, porque não seria este o caso de adeptos sérios e convictos.”


O momento é de circunspecção, pois não devemos nos esquecer que qualquer palavra, escritos ou ações, diante dos ânimos – bem sei – podem ser consideradas posturas políticas dentro do divisionismo que se instalou no Brasil. Não devemos compartilhar qualquer iniciativa que favoreça e alimente a intriga e levar a maiores perturbações das já existentes.

Com a palavra o Codificador:

“Podemos pensar de modo diverso, sem, por isso, deixar de nos estimarmos. Afinal de contas, o que buscamos todos nessa tal palpitante e fecunda questão do Espiritismo?”

Ele continua:

“Acreditamos que o silêncio, em certos casos, é a melhor resposta. Aliás, há um gênero de polêmica do qual tomamos por norma nos abstermos: é aquela que pode degenerar em personalismo; não somente ela nos repugna, como nos tomaria um tempo que podemos empregar mais utilmente, (...).”

         
É de fundamental importância levar essas reflexões para a discussão nas instituições espíritas, pois lá, também, devido ao institucionalismo que pragueou a seara espírita, essas mesmas instituições põem-se a serviço de privilégios perdendo seu sentido original e passa a ser um instrumento destruidor de liberdades participativas, com viés eminentemente político partidário.
Também, por inobservância das orientações de Kardec, ao ser priorizado o institucionalismo, abandona-se a gestão horizontal por ele indicada, e opta-se pela gestão vertical. Implantada esse sistema surgem duas formas de gestão: o estilo ad eternum, quando se busca se perpetuar no poder, ou o partidarismo – de partido – um grupo que se articula para se revezar no poder, comumente em oposição a outro grupo, provocando dissidências e deserções. São sistemas com prejuízos para a autogestão, que têm como axioma fundamental a igualdade de direito e de desejo, valorizando as diferenças individuais. (saiba mais)
Todas essas contradições dificultam o processo de união entre os espíritas e os fundamentos para as bases de unificação.
Nesses dias, grande parte dos adeptos de Kardec no Brasil, em questão de política, está mais para aqueles que ele chamou - em artigo na Revista Espírita, março de 1863 - de Falsos Irmãos, Amigos Inábeis, em que ele se justifica utilizando um velho provérbio:

“Mais vale um inimigo confesso que um amigo desajeitado”


Referências
KARDEC, Allan. Revista espírita. São Paulo: Edicel, março de 1863.
____________. Revista espírita. São Paulo: Edicel, maio de 1863.
____________. Revista espírita. São Paulo: Edicel, janeiro de 1867.


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