Pular para o conteúdo principal

O INSTITUCIONALISMO: "A DOENÇA" DA INSTITUIÇÃO ESPÍRITA






“Eles (egoístas) serão sempre os vermes
roedores de todas as instituições progressistas:
enquanto dominarem, ruirão aos seus golpes
os mais generosos sistemas sociais,
os mais sabiamente combinados.”
(Allan Kardec – Obras Póstumas)



               Por que nos instituímos?
            Os Reveladores Celestes no capítulo da Lei de Sociedade, questão nº 766, de “O Livro dos Espíritos” advertem-nos que a vida social é natural, e que Deus fez o homem para viver em sociedade. Allan Kardec no comentário na mesma questão acentua que não gozando nenhum homem de faculdades completas é pela união social que se completam para assegurarem o seu próprio bem-estar e progredirem.
            As instituições nascem deste sentimento, que traz em si harmoniosa garantia de ordem, a partir do próprio desejo de servir à espécie humana e ao esforço da civilização. Tudo isto, portanto, precisa ser institucionalizado.
            A partir deste escopo, as instituições são árvores cujos galhos são saberes que permitem permanentemente recompor as relações sociais, organizar espaços e recortar limites. É preciso entender ainda que elas não estão desvinculadas da práxis social.
            As instituições espíritas não fogem a este modelo e tem como saber fundamental o ensino dos Espíritos, em dialética permanente com a sociedade através do estudo, a difusão e a prática do Espiritismo.
            É preciso entender que como organismos vivos elas sofrem processos de subjetivação em duas direções: a) forças instituintes (grupo); b) forças instituídas (indivíduo).
            Em emergindo as forças instituintes, criam-se possibilidades de novos agenciamentos, novas composições e arranjos próprios de subjetividade livres e desejantes.
            Quando há prevalência das forças do instituído, as instituições capturam os processos de subjetivação singulares, impondo-lhes seu próprio modelo através da centralidade do poder, do saber, do dinheiro, do prestígio, da disseminação da culpa. Temos aqui a “doença” da instituição: o institucionalismo.
            O institucionalismo degrada a instituição, considerando que a estrutura institucional põe-se a serviço dos privilégios, perdendo o seu sentido original e passa a ser um instrumento destruidor de liberdades participativas. A servidão é agora o propósito da instituição desvirtuada. Criam-se rupturas frequentemente. Proliferam-se as instituições.
            O institucionalismo reage à união dos participantes, pois os percebe como força de resistência, acreditando que esta união poderá destruir a instituição, muito frequente naquelas constituídas por autoridades despóticas.
            As pessoas e seus desejos, a razão de ser da comunidade, são sacrificados, em prol de uma identidade narcisista através da imposição de normas unilaterais e rígidas.
            Implantado este cenário, surgem duas formas de gestão: o estilo ad eternum, quando se busca se perpetuar no poder. Ou o partidarismo – de partido – um grupo que se articula para se revezar no poder, comumente em oposição a outro grupo. Sistemas com prejuízos para a autogestão, que tem como axioma fundamental a igualdade de direito e de desejo, valorizando as diferenças individuais.
            A autogestão é calcada na autonomia do grupo, na participação, nos saberes, nas experiências particulares, construindo formas próprias de manter, dirigir e criticar (autoanálise).
            Allan Kardec em “O Livro dos Médiuns”, cap. XXIX – Reuniões e Sociedades - recomenda que, para o bem da causa, as reuniões espíritas devem se multiplicar mais pela constituição de pequenos grupos do que grandes instituições. Entendia Kardec que este modelo permitiria a construção de laços de fraternidade, o verdadeiro antidoto para o institucionalismo e o partidarismo.
            Para que o ideal espírita prevalecesse nas instituições espíritas, ele ainda sugere na Constituição do Espiritismo o modelo de uma “Comissão Central”, onde assim ele cogita:
“A comissão nomeia o seu presidente por um ano.
A autoridade do presidente é puramente administrativa; ele dirige as deliberações da comissão, zela pela execução dos trabalhos e pela expedição dos assuntos; mas, fora das atribuições que lhe são conferidas pelos estatutos constitutivos, não pode tomar nenhuma decisão sem o concurso da comissão. Portanto, nada de abusos possíveis, nada de alimentos à ambição, nada de pretextos de intrigas e de ciúme, nada de supremacia contundente.
            Observem que Kardec não sugere a verticalidade de poder constituído, mas favorece o entendimento de concepção relacional de poder difuso e sem lócus privilegiado, e que ele se exerce por relações de forças. As forças de dominação não são naturais nem contratuais, mas construídas como estratégias sobre a ação dos outros, e determinadas historicamente. Desta forma, favorece ao surgimento de novos atores, antes excluídos, que emergem no cenário da vida grupal. Diferentes espaços são criados e ganham nova ordem de significados.
            Em todo o corpo doutrinário iremos encontrar as recomendações quer sejam de Allan Kardec, como dos Espíritos Reveladores, no sentido de se implantar a autogestão nas instituições espíritas, evitando-se práticas e procedimentos que comprometam o bom desenvolvimento das atividades, como também a própria marcha do Espiritismo.
            Em “O Evangelho Segundo o Espiritismo”, Cap. XXI, item 9, consta a seguinte advertência:
“É, pois, do dever de todos os Espíritas sinceros frustrar as manobras da intriga, que se podem urdir nos menores centros, como nos maiores. Deverão, antes de tudo, repudiar, da maneira mais absoluta, quem se colocar, por si mesmo, como um messias, seja como chefe do Espiritismo, seja como simples apóstolo da Doutrina. Conhece-se a árvore pelo seu fruto; esperai, pois, que a árvore dê seu fruto antes de julgar se é bom, e olhai ainda se os frutos estão estragados.”
            A inobservância destes princípios, fomentada pelas paixões do ego, em contraponto com os princípios renovadores do Espiritismo, propiciou a disseminação do institucionalismo na seara espírita com prejuízos sistemáticos para a convivência coletiva e o enriquecimento individual.
            O movimento espírita necessita de criar uma agenda positiva de prioridades. No meu entendimento este seria o tema que encabeçaria a agenda.
           

Fonte consultada: artigo “Movimento Institucionalista” de William Cesar Castilho Pereira, profr. Adjunto III da PUC, Minas Gerais.

Comentários

  1. Prezado Jorge, concordo plenamente com as suas felizes observações. A construção de um grupo precisa primar pela via dialógica e isenção dos ranços da experiência preconceituosa que alguns de nós ousamos empunhar quando novas lideranças aparecem. Além do mais a confecção colegiada, apesar de consumir mais tempo e precipitar discussões é a forma mais democrática de fazer jus ao empenho nobre do nosso Codificador em projetar um movimento espírita que não seja fragmentado como esse que observamos na atualidade. Roberto Caldas

    ResponderExcluir
  2. Jorge, parabéns por ter conseguido falar de uma doença de maneira saudável: enfermidade x tratamento. O despertar sobre a ilusão do poder terreno e o apego às coisas mundanas faz-se urgente, pois Jesus nos aguarda na condição de seus Cooperadores na obra do Evangelho. Há tanto por fazer! Avancemos! Luciana Pinheiro

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

OS ESPÍRITAS E OS GASPARETTOS

“Não tenho a menor pretensão de falar para quem não quer me ouvir. Não vou perder meu tempo. Não vou dar pérolas aos porcos.” (Zíbia Gaspareto) “Às vezes estamos tão separados, ao ponto de uma autoridade religiosa, de um outro culto dizer: “Os espíritas do Brasil conseguiram um prodígio:   conseguiram ser inimigos íntimos.” ¹ (Chico Xavier )                            Li com interesse a reportagem publicada na revista Isto É , de 30 de maio de 2013, sobre a matéria de capa intitulada “O Império Espírita de Zíbia Gasparetto”. (leia matéria na íntegra)             A começar pelo título inapropriado já que a entrevistada confessou não ter religião e autodenominou-se ex-espírita , a matéria trouxe poucas novidades dos eventos anteriores. Afora o movimento financeiro e ...