terça-feira, 16 de junho de 2015

16.06. 144 ANOS DO PROCESSO DOS ESPÍRITAS





Os espíritas devem considerar-se como soldados num campo de batalha; eles se devem à causa e não podem esperar repouso senão quando a vitória for conquistada. Felizes os que tiverem contribuído para a vitória com o preço de alguns sacrifícios.
(Allan Kardec, RS, out 1867)



Fotografia em que a Sra. Allan Kardec pousa para Bouguet.


            Allan Kardec definiu o Auto-de-Fé de Barcelona – 9 de outubro de 1861 - como o episódio que marcou o início do período de luta na marcha do progresso do Espiritismo. Outro episódio muito significativo desse período, ocorrido cinco anos após a sua desencarnação - 16.06.1875 -,ficou conhecido como “Processo dos Espíritas”, processo judicial tendo como réu o então diretor da Revista Espírita, Pierre-Gaëtan Leymarie, que foi julgado e condenado a um ano em prisão celular e o pagamento de quinhentos francos de multa, sob a acusação de publicar fotografias fraudulentas de espíritos desencarnados.
            Os primeiros relatos dessas fotografias, obtidas nos Estados Unidos, bem como Inglaterra, foram publicados no periódico Herald of Progress de 1º de novembro de 1862. Entretanto, elas só foram se popularizar no ano de 1870, despertando grande interesse do público e da Revista Espírita. Como fonte de pesquisa, mobilizou-se pessoalmente o eminente cientista Si William Crookes.

            Com o propósito de atender às inúmeras solicitações dos assinantes, e em decorrência do alto custo de se obter originais, Leymarie decidiu a fazê-las reproduzir na França, através de um fotógrafo que as copiava, sem nenhuma intenção de ocultar suas origens, imprimindo no verso a expressão “Reproduction de photographies américaines”. As cópias passaram a ser comercializadas a 75 cêntimos, e esse arranjo durou até novembro de 1873.
            Diante dos resultados que vinha obtendo Edouard Buguet, fotógrafo e médium, Leymarie, apesar do reconhecimento da boa-fé dele, resolveu investigar o fenômeno para lhe possibilitar um juízo mais seguro.
            Depois de empreender várias investigações, realizou experiências com a Senhora Allan Kardec, então beirando seus oitenta anos de idade, com arquiteto, com juiz de paz e com a própria filha, de nome Jane, de nove anos de idade. Em todos, os resultados foram positivos, embora nem sempre tão nítidas, o que é compreensível, as imagens dos Espíritos. Várias pessoas atestaram o fenômeno, reconhecendo familiares desencarnados.
            Cinco anos, portanto, após a desencarnação de Allan Kardec, a Revista Espírita publicou inúmeros artigos sobre fotografia de Espíritos, lustrando-os, bem assim as notas informativas que a respeito estampava com as fotos das pessoas que posavam. Em uma delas, Madame Allan Kardec, trazia a imagem do Codificador do Espiritismo, ostentando uma mensagem em francês, transcrita também na Revista Espírita.
            No ano seguinte, precisamente no dia 16 de junho, quarta-feira, instaurava-se um processo que ficaria célebre: o (Processo dos Espíritas) movido em Paris, pelo Ministério Público, tendo como figura de destaque, Pierre-Gaëtan Leymarie, diretor da Revista Espírita.
            É, bem verdade, que houve algumas fraudes fotográficas como bem atestou o médium Bouguet. O fato é que Leymarie não tinha nenhum envolvimento nessas fraudes, como confessou Bouguet. Cerca de 140 testemunhas afirmaram, sob palavras de honra, haver reconhecido personalidades mortas de suas famílias.
            Ademais, o processo que Bouguet desenvolvera, aliado à sua faculdade mediúnica, dificultara a tarefa dos cientistas e dos fotógrafos profissionais em chegar a uma explicação conclusiva sobre as fotografias espíritas por meios de procedimentos comuns; nem a polícia nem a justiça, mesmo que tentassem justificar tal condição, poderiam contribuir para esse desiderato.
            Impossível se expor todos os meandros do processo. O que se pode perceber, entretanto, lendo-se as obras publicadas sobre o assunto, é que o alvo do processo foi o Espiritismo, como doutrina, e não os réus em si. A forma desrespeitosa e descortês que foi tratada a Senhora Kardec é das coisas mais lamentáveis e tenebrosas desse fatídico processo. Ao tentarem fazer de Kardec apenas um compilador, negando-o a condição de escritor, com o propósito de ridicularizá-lo, Madame Kardec reage corajosamente:

“Protesto energicamente contra essa maneira de interrogar e solicito ser ouvida novamente, porque é costume na França respeitar as senhoras, sobretudo quando têm cabelos brancos. Não se deveria interromper-me e mandar-me sentar, após se terem divertido com o que considero inatacável, ou seja, o direito de ter feito construir um túmulo para o meu companheiro de provações, para o esposo estimado e honrado por homens do mais alto valor.”

            As sequelas deixadas pelo Processo dos Espíritas são mais delicadas do que se pode imaginar. Pode-se incluí-lo como um dos fatores principais dos que motivaram a transnacionalização do Espiritismo da França para o Brasil.
            O doutor Canuto de Abreu, eminente historiador espírita, em carta dirigida a Zêus Wantuil e Francisco Thiesen, inserta no tomo 3, da belíssima obra “Allan Kardec – Meticulosa Pesquisa Bibliográfica e Ensaios de Interpretação”, datada de 17 de fevereiro de 1977, expressa o seguinte:

“Fui amigo pessoal de Paul Leymarie, filho ilustre perseguido da heroína (Marina P.G. Leymarie). Procurei um exemplar de Procès nas livrarias especializadas, porque tinha escrúpulos em pedir a Paul um exemplar desse livro desaparecido das prateleiras espíritas. Porém, baseando-me em estudos antigos, tenho condições de informar que em Paris, desde o Procès, em conversas com crentes e estranhos, é sistematicamente ‘evitado’ como ‘ofensivo’ chamar alguém de ‘espírita’. Um dia perguntei o porquê ao secretário de nossa embaixada na França e ele me respondeu: porque se tornou sinal de ‘trapaceiro”, prefira dizer ‘psiquista’. Isso se deve à repercussão do Procès: provou-se a inocência da vítima da perseguição, mas o povo francês conservou essa contrariedade.”
           
            O que se pode concluir, é que na realidade o “Processo dos Espíritas” foi uma autêntica peça inquisitorial, só concebível se se reportar aos tempos da Idade Média. Leymarie recebeu manifestações de solidariedade, confiança e integral apoio moral de todas as partes do mundo espírita. Madame Leymarie, a seu turno, enquanto tinha curso o “processo”, reuniu vasta documentação formando um volume da coleção anual da Revista Espírita, resumo publicado no Brasil pela FEB, sob o título Processo dos Espíritas.
Marina P.G. Leymarie
            No final de tudo, Leymarie é proclamado por seus amigos como “mártir da Terceira Revelação” – livre de qualquer suspeita. A justiça considera que ele foi enganado na sua boa-fé, e procede à sua reabilitação.
            Gabriel Dellane, foi duro e objetivo a respeito das causas que levaram a esse processo. Assim ele afirma:

“Se tivemos que experimentar uma condenação contra nós, foi porque nos desviamos da rota traçada por Allan Kardec. Este inovador era contrário à retribuição dos médiuns e tinha para isso boas razões. Em sua época, os irmãos Davenport muito fizeram falar de si, mas, como ganhavam dinheiro com suas habilidades, Allan Kardec afastou-se deles, prudentemente.”

              A luta continua...  
           


REFERÊNCIAS
ÁUBRÉE, Marion & LAPLATINE, François. A mesa, o livro e os espíritos. Alagoas. Edufa. 2009;
BEZERRA, Florentino. O Processo dos espíritas. São Paulo. USE/Madras. 2004;
LEYMARIE, Madame P.-G. Processo dos espíritas. Rio de Janeiro. FEB. 1977;
WANTUIL, Zêus & THIESEN, Francisco. Allan Kardec (Pesquisa bibliográfica e ensaios de interpretação). Rio de Janeiro. 1988.

4 comentários:

  1. Muito bom!
    Passadas 14 décadas, percebe-se que os adversários do Espiritismo mudaram suas estratégias, mas o combate à Doutrina e àqueles que a professam é feito na mesma intensidade.
    Por isso, "Trabalho, Solidariedade, Tolerância!"

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  2. Amigo Jorge, estou muito grata com essa matéria até desconhecida , pelos espíritas.
    Foi tão importante para mm, que em 03 de julho estarei participando de um CULTO ECUMÊNICO, DOS FORMANDOS EM DIREITO.
    Sem perigo de julgamento e nem prisão.
    De coração muito obrigada.
    Abraço fraternal.
    Luíza de Marilac

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  3. Olá, amigo (a)
    Não podemos ter um movimento espírita sem memória, principalmente quando se trata de fatos dessa natureza. Vencemos batalhas, mas a luta continua. Não podemos baixar a guarda.
    Abraços!

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    1. Concordo em gênero e grau amigo Jorge Luiz. Se na atualidade conseguimos emergir com a mensagem espírita é porque a sociedade civil não admite mais o cerceamento dos direitos individuais e de grupo, mas o Espiritismo ainda é atacado pelas sombras do pensamento religioso e científico sempre que há uma margem qualquer de espaço. Roberto Caldas

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