segunda-feira, 30 de março de 2015

31.03 - 146 ANOS DA DESENCARNAÇÃO DE ALLAN KARDEC


"Não verás, nesta existência, senão a aurora do sucesso de tua obra; será necessário que retornes, reencarnado num outro corpo, para completar o que tiveres começado, e, então, terás a satisfação de ver, em plena frutificação, a semente que tiveres difundido sobre a Terra." (Espírito Zéfiro)


Por Jorge Luiz (*)




            Além da mensagem do Espírito Zéfiro afirmando a necessidade do retorno de Allan Kardec, existe outra do Espírito da Verdade, intitulada “Meu Retorno”, publicada em Obras Póstumas, reproduzida a seguir:


Prossegui o caminho sem medo, e se ele está semeado de espinhos, asseguro-te que terás grandes satisfações antes de retornares "por um pouco" entre nós.

P. Que entendeis por essas palavras "por um pouco"?
R. Não ficarás muito tempo entre nós; é necessário que retornes para terminar a tua missão, que não pode ser rematada nesta existência. Se isso fosse possível, não te irias daí de modo algum, mas é preciso suportar a lei da Natureza.

Estarás ausente durante alguns anos e, quando voltares, isso será em condições que te permitirão trabalhar cedo. No entanto, há trabalhos nos quais é útil que termines antes de partir; é porque te deixaremos o tempo necessário para acabá-los.

            Faz 146 anos de sua desencarnação. Nas últimas décadas, desconhecidos e conhecidos do movimento espírita se autoproclamaram ser a reencarnação de Allan Kardec, como são os casos, apenas para ilustrar, de Alziro Zarur (1914-1979), presidente da Legião da Boa Vontade (LBV) e Osvaldo Polidoro (1910-2000), um dos fundadores da Federação Espírita do Estado de São Paulo, criador do Divinismo e autor de mais de uma centena de obras.

Diversas correntes de espíritas, entretanto, afirmam que Francisco Cândido Xavier é a reencarnação de Allan Kardec, se bem que esse nunca chegou a confirmar, muito pelo contrário, negava peremptoriamente. A professora Dora Incontri escreveu um belíssimo artigo a esse respeito - “Chico Xavier não é Kardec” -, publicado nesse espaço.(leia)
Tudo isso surge devido às conclusões de Allan Kardec, colocada em forma de “nota” no final da mensagem do Espírito da Verdade, que esse retorno dar-se-ia por volta do final do século XIX e início do século XX. É preciso admitir que Kardec analisou a questão temporal no curso da matéria, que é muito diferente da eternidade que é a dimensão do Espírito.
Não há relevância em se discutir tais questões, afinal, ficar-se-á somente em especulações. Entretanto, ficam duas perguntas: por que os espíritas brasileiros são convictos de que Kardec tem necessariamente que reencarnar no Brasil? Será que só pelo simples fato de o Brasil deter hoje o maior número de espíritas do Planeta? Deste ponto nascem reflexões!
O que é relevante na mensagem do Espírito da Verdade é a necessidade de a obra ser complementada. Para que isso ocorresse, far-se-ia necessário que o Espiritismo estivesse trilhado as etapas definidas por Kardec universalmente. Não há motivos para ele reencarnar aqui e em nenhum outro País, ao se considerar o desejo do Espírito da Verdade.
A professora Dora Incontri fortalece mais esse pensamento, no artigo citado logo a seguir, onde ela conclui:

(...) É por isso que meu trabalho tem sido no sentido de resgatar Kardec e seus antecessores diretos: Comenius, Rousseau, Pestalozzi – todas personalidades de vanguarda, com pensamento social avançado, com projetos libertários de Educação. É desse caldo cultural que nasceu o Espiritismo. (...)
(...) E essa raiz é representada por Kardec, que por todas as razões vistas e muitas outras que não é possível comentar aqui, não reencarnou como Chico, não reencarnou ainda, porque teríamos de reconhecê-lo por sua mente poderosa, por sua liderança equilibrada e segura e por trazer uma contribuição muito melhor que a de Chico e mesmo melhor que a do próprio Kardec, pois senão não haveria razão para reencarnar-se.

O Espiritismo hoje está presente em mais de 30 países, em sua maioria, através de iniciativas da Federação Espírita Brasileira (FEB), da Associação Médico-Espírita do Brasil (AME-BRASIL) e do médium e tribuno baiano Divaldo Franco. Indiscutivelmente, há uma tendência de brasilinialização do movimento espírita internacional. Bom ou ruim? São três formas bem distintas de transnacionalização do Espiritismo.

Federação Espírita Brasileira (FEB)
Apesar da hegemonia que o movimento espírita brasileiro goza, a dinâmica federativa implementada pela FEB, a sua organização e funcionamento das casas espíritas não a legitimam no contexto desse movimento, o que tem gerado críticas e discussões. Apesar desse cenário, é desse modelo que os outros países dependem para construção de uma identidade e se afirmarem “universais”.
É preciso entender que a experiência histórica do Espiritismo no Brasil, via FEB, é um caldo sincrético, que resultou em um religiosismo igrejeiro, nascido do rustanismo-católico instituído por Dr. Bezerra de Menezes, quando do seu segundo mandato como presidente da FEB. O tríplice aspecto, emblemático no triângulo de Emmanuel – ciência, filosofia e religião -, atropelou a Doutrina Filosófica-Moral de Kardec, fazendo prevalecer o Espiritismo como uma nova religião cristã, sepultando a sua força primordial que é o aspecto filosófico, como afirma Allan Kardec em O Livro dos Espíritos. Para um país sem tradição científica-filosófica, foi fácil adaptar o Espiritismo como religião.
A tradição científica-filosófica e pedagógica, somente alcançada por alguns pensadores espíritas, é que subverte essa ordem, e que pode ser o prenúncio de novos tempos. É dessa heterogeneidade de ordem interna, fruto da falta da unidade de princípios, que também surgem de ordem externas, resultando resistências de alguns países em acolher totalmente o modelo febiano, como é o caso específico da França, como afirma Berard Lewgoy¹ em seu estudo “A Transnacionalização do Espiritismo Kardecista Brasileiro: Uma Discussão Inicial”:

É mister indicar que se trata do Espiritismo mais cioso da manutenção de uma independência em relação ao Espiritismo brasileiro, perceptível pela tímida introdução da bibliografia brasileira nos documentos, jornais e sites do movimento.

Associação Médico-Espírita do Brasil (AME-BRASIL)
Apoiada no paradigma médico-espírita, a AME-Brasil, em parceria com a AME-Internacional, divulgam o Espiritismo no contexto medicina-espiritualidade, realizando vários congressos, seminários, entrevistas, livros, pesquisas, projetando estratégias de restruturação e validação do movimento espírita, e, consequentemente, o Espiritismo, pela via da credibilidade acadêmica.
Portanto, a AME-Brasil através de um discurso científico-psicológico, associado às teorias espíritas das doenças, distancia-se da identitária religiosa-igrejeira do movimento espírita brasileiro, até por exigências das coordenações de eventos das espécies no exterior, o que sinaliza novos caminhos para o Espiritismo.

Divaldo Franco
Divaldo Franco tem sido fundamental para a construção de redes espíritas no exterior entre brasileiros e estrangeiros. A divulgação realizada pelo médium e tribuno baiano, Divaldo Franco, é centrada no carisma do médium, aliada à vasta obra psicografada por ele. É conhecido por “Paulo de Tarso do Espiritismo”. Ao contrário do Brasil, afirma Lewgoy:

Os franceses que escrevem livros espíritas são pesquisadores que abordam temas e não médiuns que psicografam mensagens de grandes personagens ou romances, como é comum entre os brasileiros, a despeito da grande importância da psicografia na história do Espiritismo francês.

Divaldo tem como hábito fortalecer as posições federativas estaduais e nacional. No exterior, ele expressa esse mesmo paradigma, apoiando o caráter expansionista da FEB, articulando uma brasilianização do Espiritismo, sem a perda identitária com Allan Kardec.
O movimento espírita como um todo, portanto, encontra-se em uma encruzilhada: se existe uma França que zela pela sua autoctonia, tem-se um movimento espírita internacional que concorda, embora de maneira tácita, com a hegemonia brasileira.
Não será provável que se esteja transitando o período considerado de intermediário, que Allan Kardec afirma que na época própria receberia denominação característica? A comprovação da reencarnação como Lei Biológica, dentro do primado da consciência, esse período poderá se chamar de período científico, consolidando o Espiritismo como ciência do Espírito, inaugurando a cultura espírita, fundamental para a transformação moral da Humanidade, como afirma o Dr. Décio Iandoli Júnior, em sua obra A Reencarnação como Lei Biológica:

Poderíamos apresentar duas categorias principais de mudanças decorrentes da aceitação da reencarnação como lei biológica: modificações conceituais e estruturais das ciências da vida e mudanças filosóficas e morais.

A conclusão de Iandoli é de fundamental importância para entendermos Allan Kardec, quando afirma em “A Gênese”, no capítulo XVIII, Sinais dos Tempos:

Não é o Espiritismo que cria a renovação social, é a madureza da humanidade que faz de tal renovação uma necessidade.
                       
Diante desse cenário, embora se mostre necessária, Kardec dificilmente reencarnará, pelo menos até que se cumpra a profecia do Espírito Massilon, em a Revista Espírita, de abril de 1861:

 (...) Esta criança não tem pátria; percorre toda a Terra, procurando o povo que há de ser o primeiro a arvorar a sua bandeira, e esse povo será o mais poderoso entre os povos, pois tal é a vontade de Deus.



(¹ ) Bernard Lewgoy possui graduação em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestrado em Antropologia Social pela mesma universidade e doutorado em Ciência Social pela Universidade de São Paulo – USP. É professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É vice-presidente da Câmara de Pesquisa da UFRGS, membro do Conselho Deliberativo do Instituto Latino Americano de Estudos Avançados dessa instituição e membro do Núcleo de Estudos da Religião. É especialista em espiritismo e autor, entre outros, de O Grande Mediador. Chico Xavier e a cultura brasileira (Bauru: EDUSC - PRONEX/CNPQ/Movimentos Religiosos no Mundo Contemporâneo, 2004).


Referências

IANDOLI JÚNIOR, Décio. A reencarnação como lei biológica. São Paulo: FE ED. Jornalística, 2004.
INCONTRI, Dora. Chico Xavier não é Kardec. Canteiro de Ideias. Fortaleza, 2012.
KARDEC, Allan. Obras póstumas. 13. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1973.
KARDEC, Allan. O livro dos Espíritos. Rio de Janeiro: FEB, 1994.
KARDEC, Allan, A gênese.  Rio de Janeiro. FEB. 2010.
LEWGOY, Bernardo. A transnacionalização do Espiritismo kardecista brasileiro: uma discussão inicial. Religião & Sociedade (Impresso), v. 28, p. 84-104, 2008.
                     _______. Revista espírita 1861. Araras, SP: IDE, 1999.



(*) blogueiro e expositor espírita.

3 comentários:

  1. Francisco Castro de Sousa30 de março de 2015 às 19:05

    Meu Caro Jorge, Excelente maneira de homenagear o Codificador da Doutrina Espírita. Penso na mesma direção que apontas em teu artigo, se aqui no Brasil onde, supostamente, a Doutrina encontrou terreno mais fértil e acabou acontecendo o que retratas em teu texto, imagine em outras partes do mundo! Parabéns! Belo trabalho!

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  2. Caro amigo,
    Grato pelas palavras de estímulo. Há a necessidade urgente de reconstruirmos o movimento espírita brasileiro pois corremos o risco de se perder a identidade espírita, diante dos atalhos e desvios que ele trilha. Levantarmos discussões é salutar para esse intento.
    Abraços

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  3. O retorno de Kardec, se é ou não coincidência, foi lançado neste fim de mês de Junho, o livro, "A PROVA QUE DEUS EXISTE COM BASE CIENTÍFICA" na Livraria "LEITURA" do BH Shopping, em Belo Horizonte. É o primeiro livro de uma trilogia, marcando o retorno á fisicalidade de Kardec, que veio completar o que faltava ainda ele fazer. Pois sabemos que Kardec, através do fenômeno das mesas girantes, provou a existência dos Espíritos, mas faltava ele provar, pela ciência, a existência de Deus.
    Agora ficou muito claro, principalmente, para nós Espíritas, o que era que faltou a Kardec fazer, e o porquê ele teria que retornar!

    "Não verás, nesta existência, senão a aurora do sucesso de tua obra; será necessário que retornes, reencarnado num outro corpo, para completar o que tiveres começado, e, então, terás a satisfação de ver, em plena frutificação, a semente que tiveres difundido sobre a Terra." (Espírito Zéfiro)
    Além da mensagem do Espírito Zéfiro afirmando a necessidade do retorno de Allan Kardec, existe outra do Espírito da Verdade, intitulada “Meu Retorno”, publicada em Obras Póstumas, reproduzida a seguir:

    Prossegui o caminho sem medo, e se ele está semeado de espinhos, asseguro-te que terás grandes satisfações antes de retornares "por um pouco" entre nós.

    P. Que entendeis por essas palavras "por um pouco"?
    R. Não ficarás muito tempo entre nós; é necessário que retornes para terminar a tua missão, que não pode ser rematada nesta existência. Se isso fosse possível, não te irias daí de modo algum, mas é preciso suportar a lei da Natureza.

    Estarás ausente durante alguns anos e, quando voltares, isso será em condições que te permitirão trabalhar cedo. No entanto, há trabalhos nos quais é útil que termines antes de partir; é porque te deixaremos o tempo necessário para acabá-los.

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