Pular para o conteúdo principal

NÃO ESTAMOS ÀS BARATAS









O respeito devido a vítimas de fatos inesperados e chocantes não autoriza os espíritas a negarem a Providência e aclamarem o acaso. A hora, o momento, o instante da morte há suscitado muita incompreensão. Os que entendem não haver momento prefixado para a desencarnação até se louvam em textos de O Livro dos Espíritos; esquecidos, porém, de que estes sempre estão subordinados a um todo, cuja lógica granítica não pode ser apanhada no calor de preconcepções que querem confirmar a qualquer custo.

Está dito que “fatal, no verdadeiro sentido da palavra, só o instante da morte o é” (853). O que se proclama é que o instante da morte fora predeterminado, e não a banalidade de que morrer é inevitável aos mortais. Ao núcleo do sujeito (instante) é que se dirige o seu predicativo (fatal). O Livro dos Espíritos revela ainda que qualquer que seja o perigo que nos ameace (à revelia da prudência devida, evidentemente), se a hora de nossa morte ainda não chegou, não morreremos; e acresce que Deus sabe de antemão de que gênero será essa morte e, muitas vezes, nosso próprio espírito também o sabe, por lhe ter sido isso revelado, quando escolheu tal ou qual existência (853-a).


Tanto existe um tempo predeterminado, que o n. 199 chega a estabelecer que a morte de uma criança “pode representar, para o espírito que a animava, o complemento de existência precedentemente interrompida antes do momento em que devera terminar.” É que um suicídio direto, ou indireto (952), pode ter sido deflagrado por esse espírito em vida passada; isso lhe abreviou a existência corporal, findando-a antes do tempo prefixado; donde a necessidade de sua vida futura interromper-se na infância, na idade correspondente aos anos não completados na vida anterior. A quem acode que esse espírito deve retornar em nova e mais curta existência porque um terceiro lhe ceifou a vida pregressa antes do momento em que devia terminar? Padeceu inocentemente a falta cometida contra si por outrem? Fora zombar da Providência! O que houve? Anjos da guarda faltosos?

Oras! O que O Livro dos Espíritos ensina é que se for destino de alguém não perecer, ou perecer desta ou daquela maneira, assim será; e mesmo a interferência dos espíritos ocorrerá para tanto. É o que se lê nos números 526, 527 e 528. No Resumo teórico do móvel das ações humanas, 872, Kardec é muito claro:

“No que concerne à morte é que o homem se acha submetido, em absoluto, à inexorável lei da fatalidade, por isso que não pode escapar à sentença que lhe marca o termo da existência, nem ao gênero de morte que haja de cortar a esta o fio”.

Exceto nos casos de práticas suicidas, todos morrem no momento certo, individual ou coletivamente. Para uns, o instante e o gênero de morte são expiação; para outros, mera provação. Como quer que seja, não se desencarna vítima de faltas ou omissões alheias de modo imprevisto; o que não supõe a predeterminação dessas faltas ou omissões (cf. 470), e sim a infalibilidade da divina lei, cujo alcance total nos escapa. Também não se deixa por isso de responsabilizar os negligentes e criminosos, culpando só as vítimas; trata-se de saber, conforme a Filosofia Espírita, por que a uns “a sorte” sorri, enquanto de outros ela “esquece” nessas ocorrências. O que não se deve dizer com certeza, menos ainda com dureza, é se há expiação, ou se existe simples provação no gênero e no instante dos óbitos. Em partidas coletivas, aliás, poderá haver: 1) simples prova escolhida por todos; 2) expiação necessária a todos; ou 3) mera provação para uns, e expiação para os outros. O certo é que a hora de todos terá chegado. Não estamos às baratas!


(*) Escritor e palestrante espírita. Vice-presidente da Associação de Divulgadores do Espiritismo do Rio de Janeiro.



Comentários

  1. Muito oportuno e pertinente. Poupou-me o esforço de escrever sobre o tema, por mim também refletido.

    ResponderExcluir
  2. Leitura obrigatória se faz dizer das obras da codificação. Livros de "Tira dúvidas" em qualquer situação! Parabéns!!!

    ResponderExcluir
  3. Muito bom o artigo.
    De fato, nos acontecimentos coletivos todos questionam o porquê?

    Houve quem sobreviveu e voltando para ajudar... padeceu. E se não tivesse voltado? Não teria morrido. Houve quem voltou, salvou e não morreu.

    O livre arbítrio rege nosso futuro a todo o momento, modificando-o transformando-o.



    Grande canteiro de ideias. :)
    Congrats!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

ALLAN KARDEC E A DOUTRINA ESPÍRITA

  Por Doris Gandres Deolindo Amorim, ilustre espírita, profundo estudioso e divulgador da Codificação Espírita, fundador do Instituto de Cultura Espírita do Brasil, em dado momento, em seu livro Allan Kardec (1), pergunta qual o objetivo do estudo de uma biografia do codificador, ao que responde: “Naturalmente um objetivo didático: tirar a lição de que necessitamos aprender com ele, através de sua vida e de sua obra, aplicando essa lição às diversas circunstâncias da vida”.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

PUREZA ENGESSADA

  Por Marcelo Teixeira Era o ano de 2010, a Cia. de teatro da qual Luís Estêvão faz parte iria apresentar, na capital de seu Estado, uma peça teatral que estava sendo muito elogiada. Várias cidades de dois Estados já haviam assistido e aplaudido a comovente história de perdão e redenção à luz dos ensinamentos espíritas. A peça estreara dez anos antes. Desde então, teatros lotados. Gente espírita e não espírita aplaudindo e se emocionando. E com a aprovação de gente conhecida no movimento espírita! Pessoas com anos de estrada que, inclusive, deram depoimento elogiando o trabalho da Cia. teatral.

A CULPA É DA JUVENTUDE?

    Por Ana Cláudia Laurindo Para os jovens deste tempo as expectativas de sucesso individual são consideradas remotas, mas não são para todos os jovens. A camada privilegiada segue assessorada por benefícios familiares, de nome, de casta, de herança política mantenedora de antigos ricos e geradora de novos ricos, no Brasil.

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

O MOVIMENTO ESPÍRITA MUNDIAL É HOJE MAIS AMPLO E COMPLEXO, MAS NÃO É UM MUNDO CAÓTICO DE UMA DOUTRINA DESPEDAÇADA*

    Por Wilson Garcia Vivemos, sem dúvida, a fase do aperfeiçoamento do Espiritismo. Após sua aurora no século XIX e do esforço de sistematização realizado por Allan Kardec, coube às gerações seguintes não apenas preservar a herança recebida, mas também ampliá-la, revendo equívocos e incorporando novos horizontes de reflexão. Nosso tempo é marcado pela aceleração do conhecimento humano e pela expansão dos meios de comunicação. Nesse cenário, o Espiritismo encontra uma dupla tarefa: de um lado, retornar às fontes genuínas do pensamento kardequiano, revendo interpretações imprecisas e sedimentações religiosas que se afastaram de seu caráter filosófico-científico; de outro, abrir-se à interlocução com as descobertas contemporâneas da ciência e com os debates atuais da filosofia e da espiritualidade, como o fez com as fontes que geraram as obras clássicas do espiritismo, no pós-Kardec.

PRECE DO EDUCADOR

Por Dora Incontri (*) Senhor, Que eu possa me debruçar sobre cada criança, e sobre cada jovem, com a reverência que deve animar minha alma diante de toda criatura Tua! Que eu respeite em cada ser humano de que me aproximar, o sagrado direito de ele próprio construir seu ser e escolher seu pensar! Que eu não deseje me apoderar do espírito de ninguém, imprimindo-lhe meus caprichos e meus desejos pessoais, nem exigindo qualquer recompensa por aquilo que devo lhe dar de alma para alma!