Pular para o conteúdo principal

ECOLOGIA ESPIRITISTA


“No Terceiro Mundo, como no mundo desenvolvido, são blocos inteiros de subjetividade coletiva que se afundam ou se encarquilham em arcaísmos, como é o caso, por exemplo, da assustadora exacerbação dos fenômenos de integrismo religioso.” (Félix Guattari)
Por Jorge Luiz
 
            Artigos inseridos neste blog abordam conceitos utilizando-se da palavra sustentabilidade. Nos tempos atuais, nunca se ouviu tanto falar dessa palavra.
            O conceito surgiu em 1972, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. A usualidade passou a ser definida pelo consumo racional dos recursos naturais ou não, de maneira a não comprometer o meio ambiente e as comunidades humanas e toda a biosfera que dele dependem para existir. Dessa forma, a palavra passou a figurar associada à Ecologia.
     Ficou consignado que, para um empreendimento humano ser reconhecido como sustentável teria que contemplar os seguintes itens: ecologicamente correto; economicamente viável; socialmente justo e culturalmente diverso.
       O termo logo passou a ter conceitos correlatos, como exemplos: gestão sustentável, crescimento sustentado, sustentabilidade comunitária, sustentabilidade como parte da estratégia das organizações etc.
           Como deixei bem claro em meus artigos, para que uma gestão espírita seja sustentável terá como “pedra de toque” os pensamentos Kardecianos e os princípios doutrinários espiritistas. É dessa exigência que nasce a Ecologia Espiritista.

      A própria característica multidisciplinar e interdisciplinar da Ecologia permite essa definição. Felix Guattari (1930-1992) (1) registra três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana. Leonardo Boff (2) aponta quatro ecologias: a ambiental; a social; a mental e a integral.
          A ecologia espiritista será ativa nos processos de interação entre os espíritas e as suas organizações (ambiente) com os fundamentos básicos da Doutrina Espírita e os pensamentos de Allan Kardec (valores).
     Dentro de um cenário espírita onde predomina uma “poluição” quase fossilizada, decorrente de um sincretismo que subverte a ordem doutrinária, há de se convir da necessidade de procedimentos espiritistas ecológicos, de urgência.
            Uma boa parcela dos dirigentes espíritas traveste-se de missionários e agem como se estivessem investidos de prerrogativas divinas em detrimento das suas obrigações e responsabilidades humanas. É de fundamental importância apelar-se para uma ecologia espiritista no sentido de fazê-los enxergar a dinâmica maior do que é ser espírita.
            As idéias de Allan Kardec não se aclimataram ao árido solo espírita brasileiro. Suas idéias fragmentaram-se e em contato com os chorumes personalistas de uma grande leva de espíritas. Oxidou-se pelas práticas e iniciativas esdrúxulas, resultando em enxertias danosas à Árvore espírita.
            Há a necessidade de pronto começar a realizar uma coleta seletiva em cada atividade desenvolvida para reciclarmos procedimentos e comportamentos.
       Não pensem que estou aqui fazendo um exercício de metáfora e nem tampouco sofismando. A minha iniciativa é denunciar a necessidade de ecologizar o movimento espírita brasileiro, passando principalmente por grande parte das Federativas que se revelam aves exóticas dentro do habitat doutrinário-espírita.
         A ignorância doutrinária de maioria dos seus adeptos é quase endêmica, resultado único e exclusivo da negligência do estudo das suas obras básicas.
         O que concluo é que o movimento espírita brasileiro sofre de um processo entrópico e só mudará o seu curso com atitudes sintrópicas construídas dentro da Ecologia Espiritista.
         Os processos, iniciativas e atividades para serem enquadrados na Ecologia Espiritista, têm que atender os seguintes aspectos: doutrinariamente corretos e de qualidade sustentáveis, do ponto de vista pedagógico, inclusive que no que tange à divulgação; administrativamente justos e humanizados.

        Não adianta propalar aos quatro cantos sobre o mundo de regeneração; sobre transição planetária e continuar a pensar e a agir mediocremente. Albert Einstein (3) (1879-1955) a esse respeito afirmou: “Não se consegue resultados diferentes fazendo sempre as mesmas coisas.”

       Ao considerar que a Ecologia ambiental vem transformando hábitos e criando uma nova consciência ecológica no homem, bem refletida nos movimentos ambientalistas, que em sua maioria faz-se representar por ONG’s (Organizações não governamentais), é de se esperar que entre os espíritas obtenham resultados idênticos, com uma nova tomada de consciência diante das nossas responsabilidades humanas e espirituais.
      Finalizo com uma frase pérola de Gregory Bateson (4) (1904-1980): “Existe uma ecologia das idéias danosas, assim como existe uma ecologia das ervas daninhas.”
            Já existe, portanto, a Ecologia Espiritista!

(1)      Filósofo e militante revolucionário francês;
(2)      Teólogo brasileiro, escritor e professor universitário;
(3)      Albert Einstein, prêmio Nobel de Física de 1921 por desenvolver a Teoria da Relatividade;
(4)      Gregory Bateson, biólogo, antropólogo britânico; pensador sistêmico e epistemólogo da comunicação.

chorumes: líquido poluente de cor escura e odor nauseante, originado de processos biológicos, químicos e físicos da decomposição de resíduos orgânicos;
entrópico: Desorganizado, tem sua própria energia e seu tempo, não está alinhado.
oxidar: Processo pelo qual bactérias e outros microrganismos se alimentam de matéria orgânica e a decompõem;
sintrópico: Organizado, alinhado, que tem ordem.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração (1) , isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.