Pular para o conteúdo principal

ESPIRITISMO NÃO É UM ATO DE FÉ

 

Por Ana Cláudia Laurindo

Amar o Espiritismo é desafiador como qualquer outro tipo de relação amorosa estabelecida sobre a gama de objetividades e subjetividades que nos mantém coesos e razoáveis, em uma manifestação corpórea que não traduz apenas matéria.

Laica estou agora, em primeira pessoa afirmando viver a melhor hora dessa história contemporânea nos meandros do livre pensamento, sem mendigar qualquer validação, por não necessitar de fato dela.

A distância segura de qualquer influência religiosista se tornou importante, para selecionar o que acredito enquanto ser pensante daquilo que durante muito tempo fui coagida a erguer no estado de fé agregadora, senha para participar de determinados grupos.

No livro (R)evolução Política dos Espíritos (do qual retiro as aspas deste texto) abro estreita janela de rebeldia, ajustando as causas e o tom no intuito de ser fiel ao amor que abrange cada dito, porque evoluir espiritualmente é concretude cotidiana entre erros e acertos, sem medir quilates de virtudes.

“Embora concordemos que a evolução humano/espiritual seja um elemento inquestionável da ação criadora, o campo circunstancial erguido e defendido pelas organizações sociais e culturais deste planeta, e os reflexos econômicos, relacionais e de poder, refletem determinismos, que por vezes são marcantes, excludentes e letais”. Desmascarando estes acessórios de manutenção da dor no mundo, é possível perceber que a fé religiosa não pode responder sozinha pela grandiosidade do crescimento humano/espiritual. É preciso alojar politicamente a energia expandida, considerando a sociedade humana o lócus manifesto de nossas pesquisas.

Não percebo aqui uma disputa, mas avalio e considero a necessidade de esclarecer que é possível ser espírita sem precisar render-se às tradições de fé, que sempre acobertam fundos religiosistas, explícitos ou não.

Foi exatamente por ter vivido experiências espíritas religiosas que consegui encontrar outras perspectivas tão legítimas quanto aquelas, no entanto, com muito mais abrangência de respostas diante das necessidades que abrigava em meu próprio ser. Aceitei transformar minha rota nas lides com a espiritualidade. “A incompletude humana pode ser um recurso favorável, mas não será uma justificativa estanque para o aprisionamento das mentalidades. Mudar faz parte da lei da vida”. Mudar para sentir a liberdade de pensar na responsabilidade de comunicar o movimento das engrenagens do ser, é incrivelmente poético, e dotado de energia política essencial.

A autonomia do pensamento paulatinamente nos despe de dependências fincadas em líderes; passamos a conectar com referências, no estado renovado da igual importância, mesmo quebrando os códigos de decoro das sociedades estamentais.

“Em uma perspectiva existencial evolucionista transcorridas em contextos culturais díspares, o crescimento espiritual se torna uma conquista marcada pela individualidade e pela força comum, na coletividade, como energias que se auxiliam em alguns momentos  e se chocam em outros, pois nem sempre os seres comungam na alçada das afinidades”.

Parece pouco, mas para a autocobrança moralista qualquer divergência de entendimento gera culpa, quando o sentido gravita no entorno da “salvação” dos seres. Apenas a libertação nos alivia essa carga, quando aceitamos o outro sendo como é, mas não abrimos mão das perspectivas às quais dedicamos tempo e amor na busca por novos ângulos de vivência espiritual.

“Qual outro caminho nos resta, senão a maturidade? O alcance racional das nossas potencialidades reprimidas? A energia política que nos envolve, também aproxima os seres a partir das semelhanças em necessidades. Por esta razão a compreensão evolutiva como insígnia de distinção é um blefe, que mais tem alimentado o egoísmo humano do que incentivado a valorizar os processos de aprendizados reais”.

Aprender pode ser mais do que um ato de fé.

Ser espírita é muito mais abrangente quando não somos obrigados a acreditar, mas temos o direito de pensar sobre aquilo que descobrimos no contato com o passado e o presente nas vertentes de conhecimento que se dispõem aos que desejam vê-las.

Assim é.

Comentários

  1. COMENTÁRIO ELABORADO PELA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL - IA (GEMINI)
    O texto apresenta uma reflexão profunda e bastante pessoal sobre a relação entre Espiritismo e liberdade de pensamento. A autora questiona a rigidez de certas tradições religiosas que, em nome da fé, podem limitar a evolução espiritual individual. Ela defende um Espiritismo que transcenda o aspecto religioso, tornando-se um campo de estudo e crescimento contínuo, onde a maturidade, o livre-pensar e a autonomia são mais valiosos do que a adesão cega a dogmas.

    A crítica à "fé agregadora" e a defesa de uma postura laica e crítica são pontos centrais. A autora argumenta que a verdadeira evolução espiritual não se mede por virtudes ou pela conformidade com grupos, mas sim pela coragem de transformar a própria rota e de se libertar de dependências intelectuais, buscando conhecimento de forma ampla e responsável. O texto, portanto, é um convite à reflexão sobre a necessidade de politizar a energia expandida do Espiritismo, aplicando seus princípios na sociedade e não apenas em rituais ou tradições.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

“BANDIDO MORTO” É CRIME A MAIS

  Imagens da internet    Por Jorge Luiz   A sombra que há em mim          O Espírito Joanna de Ângelis, estudando o Espírito encarnado à luz da psicologia junguiana, considera que a sociedade moderna atinge sua culminância na desídia do homem consigo mesmo, que se enfraquece tanto pelos excessos quanto pelos desejos absurdos. Ao se curvar à sombra da insensatez, o indivíduo negligencia a ética, que é o alicerce da paz. O resultado é a anarquia destrutiva, uma tirania do desconcerto que visa apagar as memórias morais do passado. Os líderes desse movimento são vultos imaturos e alucinados, movidos por oportunismo e avidez.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

OS FANATISMOS QUE NOS RODEIAM E NOS PERSEGUEM E COMO RESISTIR A ELES: FANATISMO, LINGUAGEM E IMAGINAÇÃO.

  Por Marcelo Henrique Uma mensagem importante para os dias atuais, em que se busca impor uma/algumas ideia(s), filosofia(s) ou crença(s), como se todos devessem entender a realidade e o mundo de uma única maneira. O fanatismo. Inclusive é ainda mais perigoso e com efeitos devastadores quando a imposição de crenças alcança os cenários social e político. Corre-se sérios riscos. De ditaduras: religiosas, políticas, conviviais-sociais. *** Foge no tempo e na memória a primeira vez que ouvi a expressão “todos aprendemos uns com os outros”. Pode ter sido em alguma conversa familiar, naquelas lições que mães ou pais nos legam em conversas “descompromissadas”, entre garfadas ou ações corriqueiras no lar. Ou, então, entre algumas aulas enfadonhas, com a “decoreba” de fórmulas ou conceitos, em que um Mestre se destacava como ouro em meio a bijuterias.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...

ALLAN KARDEC, O DRUIDA REENCARNADO

Das reencarnações atribuídas ao Espírito Hipollyte Léon Denizard Rivail, a mais reconhecida é a de ter sido um sacerdote druida chamado Allan Kardec. A prova irrefutável dessa realidade é a adoção desse nome, como pseudônimo, utilizado por Rivail para autenticar as obras espíritas, objeto de suas pesquisas. Os registros acerca dessa encarnação estão na magnífica obra “O Livro dos Espíritos e sua Tradição História e Lendária” do Dr. Canuto de Abreu, obra que não deve faltar na estante do espírita que deseja bem conhecer o Espiritismo.

ESPÍRITISMO E CRISTIANISMO (*)

    Por Américo Nunes Domingos Filho De vez em quando, surgem algumas publicações sem entendimento com a codificação espírita, clamando que a Doutrina Espírita nada tem a ver com o Cristianismo. Quando esse pensamento emerge de grupos religiosos dogmáticos e intolerantes, até entendemos; contudo, chama mais a atenção quando a fonte original se intitula espiritista. Interessante afirmar, principalmente, para os versados nos textos de “O Novo Testamento” que o Cristo não faz acepção de pessoas, não lhe importando o movimento religioso que o segue, mas, sim, o fato de que onde estiverem dois ou três reunidos em seu nome ele estará no meio deles (Mateus XVIII:20). Portanto, o que caracteriza ser cristão é o lance de alguém estar junto de outrem, todos sintonizados com Jesus e, principalmente, praticando seus ensinamentos. A caridade legítima foi exemplificada pelo Cristo, fazendo do amor ao semelhante um impositivo maior para que a centelha divina em nós, o chamado “Reino de...

O CORDEIRO SILENCIADO: AS TEOLOGIAS QUE ABENÇOARAM O MASSACRE DO ALEMÃO.

  Imagem capa da obra Fe e Fuzíl de Bruno Manso   Por Jorge Luiz O Choque da Contradição As comunidades do Complexo do Alemão e Penha, no Estado do Rio de Janeiro, presenciaram uma megaoperação, como define o Governador Cláudio Castro, iniciada na madrugada de 28/10, contra o Comando Vermelho. A ação, que contou com 2.500 homens da polícia militar e civil, culminou com 117 mortos, considerados suspeitos, e 4 policiais. Na manhã seguinte, 29/10, os moradores adentraram a zona de mata e começaram a recolher os corpos abandonados pelas polícias, reunindo-os na Praça São Lucas, na Penha, no centro da comunidade. Cenas dantescas se seguiram, com relatos de corpos sem cabeça e desfigurados.