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Por Jorge Luiz
Vive-se no Brasil e no mundo realidades distópicas. A crença do sociólogo alemão Max Weber (1864-1920), acerca do desencantamento do mundo que ocorreria pelo abandono a partir da magia como meio de salvação, que através da racionalidade ou racionalização, as experiências religiosas seriam substituídas por uma prática induzida pela ética, não ocorre. O catolicismo na Alemanha está em crise, e segundo dados da Conferência de Bispos da Alemanha, centenas de milhares de pessoas abandonam formalmente a Igreja Católica a cada ano. No Brasil, o catolicismo segue seu encolhimento a despeito do crescimento das seitas neopentecostais.
Em outra direção, perversidades são proclamadas em nome do rótulo de ser cristão. Vimos aqui no Brasil, recentemente, comandado pela Frente Parlamentar Evangélica (Bancada da Bíblia), o Projeto de Lei que criminaliza as mulheres e as crianças que buscam o abortamento a partir da 22ª de gestação. O projeto é idealizado por um pressuposto pastor.
Em São Paulo, foi aprovado Projeto de Lei que estabelece multa de R$ 17 mil para quem for apanhado doando alimentos aos moradores de rua.
“Eu creio; ajuda-me a vencer a minha falta de fé.”
Recorro à resposta dada pelo pai do jovem a Jesus, para que curasse seu filho que se encontrava possesso por um Espírito imundo, ao ouvir a advertência de que “Tudo é possível ao que crê.” (Mc, (:23-24).
O Censo de 2022 no Brasil apontou que há mais estabelecimentos religiosos do que o total somado de instituições de saúde e de educação. Pressupõe-se que a busca desses estabelecimentos religiosos demanda a cada dia muitos fiéis. Segundo pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cepid) da Universidade de São Paulo (USP), apenas em 2019, último ano do levantamento, 6.356 templos evangélicos foram abertos no Brasil — uma média de 17 por dia.
Tudo isso soa irônico quando comprovamos que esse crescimento de fiéis das seitas neopentecostais resulta no enriquecimento das suas lideranças pastorais e na contínua vida miserável de muitos brasileiros. Sendo Jesus desconhecido pela maioria dos fiéis e até mesmo pelos que são alçados à condição de pastores sem nenhuma consciência teológica, a fé se torna massa de manobra para as negociatas políticas em busca de vantagens financeiras pessoais.
“Eu creio; ajuda-me a vencer a minha falta de fé.”
Os políticos cooptaram os religiosos, e, nessa relação promíscua, choca um “ovo da serpente” denominado Teologia do Domínio, projeto de poder dos evangélicos que afirma a falência da política e visa um governo afirmado por fundamentos religiosos. A obra Plano de Poder, do pastor Edir Macedo, analisa toda a dinâmica de como ocorrerá esse projeto. Leia-se o que ele afirma no capítulo denominado “A retomada de um projeto divino”:
“O fato de estarmos tratando de um projeto de poder político não quer dizer que não é necessário usar os recursos disponíveis nesse mercado específico devido ao pensamento de que tudo cumprirá por se tratar de algo que é desejo de Deus e, se é mesmo, vai acontecer.” Justificação para as suas fortunas.
Pesquisa do Instituto Ipsos realizada recentemente, apontou que 33% dos brasileiros afirmam ser “positivo” um governo com bases religiosas. A pesquisa foi solicitada por duas instituições norte-americanas, que inclusive vieram se instalar aqui: a Capitol Ministries, estabelecendo seu escritório em Brasília, com foco principal no lobby com parlamentos evangélicos. A outra foi a Global Kingdon Partnership Network (GKPN), cuja ação se dá abaixo do sinal de radar na mídia, e busca envolver, integrar e unir os que ela considera os principais pastores evangélicos no Brasil. A distopia retratada no seriado de televisão “O Conto da Aia”, exibida no Prime Video, baseado na obra The Handmaid's Tale (título original), escrita em 1985, a qual recomendo, desenha-se no Brasil. Nesta série, o “golpe” foi dado por 30 instituições dessa natureza.
“Eu creio; ajuda-me a vencer a minha falta de fé.”
Na eleição de 2018, o percentual de eleitores espíritas que apoiou o governo de ultradireita eleito equivaleu-se ao de evangélicos, esses mesmos que compartilham esse projeto de poder. Isso, não deixaria de haver consequências no movimento espírita e causou uma divisão, ademais, novas categorias de espíritas passaram a ser conhecidas: conservadores e progressistas, ferindo o convite do Espírito da Verdade para que nos amássemos e nos instruíssemos. Eficientes que somos acerca de diagnósticos sobre obsessão, o que terá imposto esse divisionismo entre os espíritas?
“Missão dos Espíritas”, “Os Bons Espíritas”, “Espíritas! Amai-vos, este o primeiro ensinamento; instruí-vos, este o segundo.” Dentre tantas outras orientações dos Espíritos, de Allan Kardec, e nada foi suficiente para a união entre os espíritas.
Falando aos espíritas de Lyon e Bourdeaux – Viagem Espírita 1862 – Kardec afirmou “que não devíamos conhecer nem o orgulho, nem o ciúme, nem a inveja, nem o rancor, nem as tolas vaidades, nem as pueris suscetibilidades do amor próprio. (...)”, não ocorrendo isso e havendo o divisionismo entre nós, a partir daí, não é possível contar mais com a sua proteção.
“Eu creio; ajuda-me a vencer a minha falta de fé.”
Abre-se uma janela para o que o filósofo francês Emmanuel Lévinas (1906-1995), define como a excelência da democracia cujo intrínseco liberalismo corresponde ao incessante remorso profundo da justiça: legislação sempre inacabada, sempre retomada, legislação aberta ao melhor.(...) Má consciência da justiça! Ela sabe que não é tão justa quanto é boa a bondade que a suscita.
É esse cenário que excita os indivíduos em busca dessas seitas religiosas, principalmente as comunidades mais vulneráveis; é decorrente da falta de perspectivas geradas pelo sistema de governança dos detentores do capital que se beneficiam da miséria do povo. São livros, teses acadêmicas e pesquisadores e estudiosos que tentam entender esse fenômeno, principalmente no Brasil, demonstrando uma sociedade que está acometida de desesperança.
As “comunidades da esperança”, assim foram definidas as comunidades iniciais nascidas da Boa Nova de Jesus, não mais se realiza através do que é conhecido hoje como cristianismo, nem mesmo nas hostes espíritas.
O progresso tecnológico viabilizou muitas das necessidades materiais dos indivíduos, contudo o vazio existencial se aprofundou: guerras, suicídio, êxodos, degredos. A falta de empatia é a resultante mais grave de todos esses processos.
Há a necessidade de se resgatar as utopias e o verdadeiro sentido da transcendência, atrelado ao outro, na condição espírita definida pelo filósofo e escritor espírita, Herculano Pires, de seres interexistenciais que somos.
A utopia urgente, define Lévinas, está no reconhecimento do outro, atrelada ao sentimento de justiça. Diz ele: “ética do encontro, socialidade. Desde toda a eternidade um homem responde por outro. De único a único. Que ele me olhe ou não, “ele me diz respeito”: devo responder por ele. Chamo rosto o que, assim, outrem, diz respeito ao eu – concerne-me – lembrando, por detrás da postura que ele exibe em seu retrato, seu abandono, seu desamparo e sua mortalidade, e seu apelo à minha antiga responsabilidade, como se ele fosse o único no mundo – amado.”
A grande utopia permanece, como lembrada por Lévinas, na Parábola do Bom Samaritano (Lc, 10:25-37). Jesus continua sendo a grande utopia para a Humanidade.
Refeito, volto-me para Allan Kardec e me lembro de um momento que alguém o diz: “Encontro no Espiritismo uma esperança tão suave, nele haurindo tão gratas e doces consolações, que qualquer pensamento contrário tornar-me-ia bastante infeliz, sentindo que meu melhor amigo se tornaria odioso, caso tentasse demover-me dessa crença.”
Eis-me aqui: Eu creio, Senhor!
Referências:
LÉVINAS, Emmanuel. Entre nós. Rio de Janeiro: Vozes, 1997.
KARDEC, Allan. Viagem espírita 1862. São Paulo: O Clarim.
MACEDO, Edir. Plano de poder. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2008.
SITE:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/crgl7x0e0lmo
Que texto brilhante. Gostei muito. Extremamente oportuno.
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