Pular para o conteúdo principal

PRESENÇA DE MORTOS NO LEITO DE MORTE


 

Por Jorge Luiz

           

A BBCNews realizou entrevista com o médico americano Cristopher Kerr, com residência em medicina interna, especialização em Cardiologia e doutorado em Neurobiologia, publicados no seu portal em 10.04.2024, (saiba mais). Kerr é considerado uma das principais autoridades do mundo no estudo de experiências de final de vida. Em 2020, lançou o livro Death Is But a Dream: Finding Hope and Meaning at Life's End ("A morte é apenas um sonho: encontrando esperança e sentido no fim da vida", em tradução livre), traduzido para 10 línguas, mas ainda sem edição em português. Confessa que publicou dois artigos científicos sobre essa temática, com 750 entrevistas, e é fascinante. A conclusão é que o que é bom para o paciente também é bom para os seus entes queridos.

            O que é intrigante, não só nessa, mas em outras abordagens que são publicadas no campo da ciência acerca da sobrevivência da consciência após o decesso do corpo físico é que em todas não há nenhuma referência às pesquisas de Allan Kardec e de outras desenvolvidas no século XIX e XX sobre esse tema.

            Kardec, na questão n.º 160, de O Livro dos Espíritos, indaga os Espíritos Reveladores: “O Espírito encontra imediatamente aqueles que conheceu na Terra e que morreram antes dele?” Eles respondem: “– Sim, segundo a afeição que tenham mantido reciprocamente. Quase sempre eles o vêm receber na sua volta ao mundo dos Espíritos e o ajudam a se libertar das faixas da matéria. Vê também a muitos que havia perdido de vista durante a passagem pela Terra. (...).”

            De muitos pesquisadores que seguiram Kardec, destaco Ernesto Bozzano (1862-1943), professor de Filosofia da Ciência na Universidade de Turim, que antes de se tornar espírita, foi, confessadamente, materialista, cético e positivista. Dentre as mais de 35 obras, merece destaque duas – Fenômenos Psíquicos no Momento da Morte e Os Animais têm Alma? – por se relacionar à matéria abordada por Dr. Kerr.

            Bozzano divide esses fenômenos em seis categorias:

 

a)   os mortos são percebidos unicamente pelo moribundo e se referem a pessoas cujo falecimento era por ele conhecido (utilizaremos os termos utilizados por Bozzano);

b)    as percepções são de mortos cuja morte era ignorada pelo moribundo;

c)    o doente e os presentes percebem o mesmo fantasma de defunto;

d)    as aparições no leito de morte coincidem com prenúncios ou confirmações análogas, obtidas mediunicamente;

e)    casos em que somente os familiares do moribundo são os únicos a perceberem os fantasmas de defuntos;

f)     as aparições de defunto são produzidas depois de um caso de morte e percebidas na mesma casa em que jaz o cadáver.

Na mesma obra, Bozzano aborda fenômenos de telecinesia, que em sua forma espontânea de manifestações – trata-se geralmente de retratos que caem ou relógios que param em relação com acontecimentos de morte – que oferecem alto valor teórico. Estuda, também, os fenômenos de música transcendental.

Na questão n.º 597, de O Livro dos Espíritos, acerca dos animais, Kardec indaga aos Espíritos se há nos animas um princípio independente da matéria, já que dispõem de uma inteligência que lhes dá uma liberdade de ação. Os Espíritos respondem que “– Sim, e que sobrevive ao corpo.”

Já na questão n.º 600, os Espíritos explicam que “(...) O Espírito do animal é classificado, após a morte, pelos Espíritos incumbidos disso e utilizado quase imediatamente: (...)”

 Bozzano, na obra acima citada, relata e comenta 130 casos de manifestações metapsíquicas envolvendo a atuação de animais, muitos, através do seu perispírito são vistos, ouvidos ou sentido a presença.

O médium Divaldo Franco comenta sempre em suas exposições, quando pertinente, o caso pitoresco em que se hospedou na casa de uma anfitriã que lhe acolheu para evento na cidade, sendo recebido na residência pelos afagos de um cão de estimação da família que havia morrido há alguns meses.

O que é mais surpreendente na matéria diz respeito ao entusiasmo sentido na abordagem como se desconhecesse as pesquisas acerca da sobrevivência da alma após a morte, notadamente, pelas evidências científicas acerca da reencarnação, principalmente as capitaneadas por Dr. Ian Stevenson (1918-2007), cientista e professor de psiquiatria da Universidade da Virginia. O resultado de 40 anos de pesquisa com lembranças espontâneas de crianças acerca das vidas passadas está consubstanciado em sua obra 20 Casos Sugestivos de Reencarnação. Já, as de Dr. Hemendra Banerjee (1926-1985), diretor do Departamento de Parapsicologia da Universidade de Rajasthan, Índia, a partir de um relato de 25 anos de pesquisas sobre a reencarnação, publicou Vida Pretérita e Futura. Nos dias atuais, há o médico psiquiatra Dr. Jim Tucker, da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. Ele dá continuidade à pesquisa iniciada há mais de 40 anos por Stevenson. Privo-me de escrever sobre Transcomunicação Instrumental, Terapia Regressiva de Vidas Passadas e Experiência de Quase Morte.

            Quando Allan Kardec em O Evangelho Segundo o Espiritismo aventa a possibilidade da aliança da ciência com a religião, ele não está considerando ali o Espiritismo como religião. Ele faz considerações para a importância da aliança entre as duas, tampouco, ele está falando das religiões míticas e dogmáticas, mas a que desemboca em transformações éticas e morais.

            A Doutrina Espírita e a Ciência se completam, como afirma Kardec:

“O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, acha-se na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação. (...). O Espiritismo, tendo por objeto o estudo de um dos elementos constitutivos do Universo, mantém forçosamente o ponto de contato com a maior parte das ciências.”

O método de pesquisa que Kardec utilizou foi o experimental das ciências, adotado à época: “observava cuidadosamente, comparava, deduzia consequências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão. [...]”. Onde a Ciência materialista para a Ciência espírita avança, diz Kardec.

A Ciência materialista também tem seus dogmas e é presa de forma arraigada a esses dogmas. Além do preconceito, esse é o motivo principal da não aceitação das pesquisas espíritas como um novo paradigma para a Ciência. Quando algo fere esses dogmas arraigados na ideologia científica e nas universidades, é necessário negá-lo, afastá-lo ou ridicularizá-lo.

Em outra direção, o paradigma espírita destrói os fundamentos das religiões espúrias, demonstrando a realidade após a morte, e isso tornaria inócua a função mediadora entre os dois planos que as religiões reivindicam.

            No Brasil, a questão é particularíssima devido ao encaminhamento religioso que os espíritas praticam. Por ausência de uma cultura filosófica, optou-se por direcionamento religioso e igrejeiro, fechado, sem uma participação nas discussões das questões sociais, apesar de alguns ensaios tímidos na universidade, principalmente por iniciativa do Dr. Sérgio Felipe de Oliveira, psiquiatra paulista.

            Louvável as pesquisas do Dr. Kerr, pois chegam igualmente com as investigações científicas realizadas em Juiz de Fora (MG), pelo Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (NUPES), coordenadas pelo Dr. Alexander Moreira-Almeida, professor titular da Faculdade de Medicina da UFJF, sobre as questões da sobrevivência da consciência humana após a morte, publicadas com o título Ciência da Vida após a Morte, leitura recomendada.

            As conclusões para superar os preconceitos culturais associados à mentalidade fisicalista do cientificismo materialista os cientistas do NUPES sugerem:

a)    Desconstruir pressupostos filosóficos, históricos e metodológicos fisicalistas e antiespiritualistas equivocados que prejudicam uma consideração e análise justas da hipótese da sobrevivência e das evidências empíricas comprobatórias;

b)    Apresentar imparcialmente todo o corpo de evidências indicativas de sobrevivência da consciência.

Quem sabe, assim, os sicários do neoliberalismo encontrem uma fórmula para incluir o Espírito em sua economia e assim, se possa construir um mundo que se exclua a tirania antiespírito, louvando não o Deus todo-poderoso dólar, mas o Deus imanente em todos os povos.

      Oxalá, que esse tempo chegue logo!

 

Referências:

BOZZANO, Ernesto. Fenômenos psíquicos no momento da morte. Rio de Janeiro: FEB, 1995.

________________ Os animais têm alma? Rio de Janeiro: Lachâtre, 1998.

KARDEC, Allan. O livro dos espíritos. São Paulo: Lake, 2000.

_____________ A gênese. São Paulo: Lake, 2010.

_____________ Obras póstumas. Rio de Janeiro: Feb, 1987;

MOREIRA-Almeida, Alexandre, COSTA, Mariana A., COELHO, Humberto S. Ciência da vida após a morte. Minas Gerais. Ampla,2023.

Comentários

  1. LEONARDO FERREIRA PINTO16 de abril de 2024 às 20:42

    Ótima abordagem de tema relevante

    ResponderExcluir
  2. Leonardo Ferreira Pinto16 de abril de 2024 às 20:49

    Excelente embasamento teórico .

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Valeu a contribuição, Leo! Jorge Luiz.

      Excluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O BRASIL CÍNICO: A “FESTA POBRE” E O PATRIMONIALISMO NA CANÇÃO DE CAZUZA

  Por Jorge Luiz “Não me convidaram/Pra esta festa pobre/Que os homens armaram/Pra me convencer/A pagar sem ver/Toda essa droga/Que já vem malhada/Antes de eu nascer/(...)/Brasil/Mostra a tua cara/Quero ver quem paga/Pra gente ficar assim/Brasil/Qual é o teu negócio/O nome do teu sócio/Confia em mim.”   “ A ‘ Festa Pobre ’ e os Sócios Ocultos: Uma Análise da Canção ‘ Brasil ’”             Os verso s acima são da música Brasil , composta em 1988 por Cazuza, período da redemocratização do Brasil, notabilizando-se na voz de Gal Costa. A música foi tema da novela Vale Tudo (1988), atualmente exibida em remake.             A festa “pobre” citada na realidade ocorreu, realizada por aqueles que se convencionou chamar “mercado”,   para se discutir um novo plano financeiro, para conter a inflação galopante que assolava a Nação. Por trás da ironia da pobreza, re...

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

A HISTÓRIA DA ÁRVORE GENEROSA

                                                    Para os que acham a árvore masoquista Ontem, em nossa oficina de educação para a vida e para a morte, com o tema A Criança diante da Morte, com Franklin Santana Santos e eu, no Espaço Pampédia, houve uma discussão fecunda sobre um livro famoso e belo: A Árvore Generosa, de Shel Silverstein (Editora Cosac Naify). Bons livros infantis são assim: têm múltiplos alcances, significados, atingem de 8 a 80 anos, porque falam de coisas essenciais e profundas. Houve intensa discordância quanto à mensagem dessa história, sobre a qual já queria escrever há muito. Para situar o leitor que não leu (mas recomendo ler), repasso aqui a sinopse do livro: “’...