domingo, 14 de janeiro de 2024

PANDEMIA SOCIAL

 


 Por Doris Gandres

Deolindo Amorim, autor de inúmeros livros e incontáveis artigos em jornais e revistas espíritas e não espíritas, fundador do Instituto de Cultura Espírita do Brasil e da Associação Brasileira de Jornalistas e Escritores Espíritas (ABRAJEE, hoje ABRADE), assegura com muita propriedade, em seu livro “O Espiritismo e os Problemas Humanos”, capítulo Definição e Opção que: “O Espiritismo é, para nós, uma filosofia de vida, não é simplesmente uma crença”.  E continua afirmando, no capítulo II – Entre Deus e César, que: “o pensamento social da doutrina espírita ainda não foi descoberto em sua plenitude.

Estas declarações encerram a mais pura verdade acerca da intenção e do escopo da doutrina.  Em particular a terceira parte de O Livro dos Espíritos apresenta de forma clara seu conteúdo social.  Quando discute as leis de sociedade, de reprodução, de destruição, de igualdade, de liberdade, de justiça; quando discorre sobre o trabalho, o repouso, a propriedade; quando assegura que a desigualdade de condições sociais não é obra de Deus, mas sim dos homens (LE q.806), que todos somos iguais, com o mesmo princípio e a mesma destinação, a Doutrina dos Espíritos revela claramente o seu objetivo social.

Essa afirmativa de que todos somos iguais apoia-se na mais absoluta justiça social, pois confere a cada criatura o direito de ter as mesmas oportunidades para atingir o mesmo objetivo: a completude em sua trajetória física, etapa extremamente importante para a efetivação de seu avanço intelectual e moral.

E mais ainda: ao estudá-la, percebemos mais claramente a verdadeira pandemia que se apoderou da humanidade – o interesse pessoal, classificado como o indício mais característico da nossa imperfeição.  Efetivamente, esse sentimento egoístico, que faz com que em primeiro lugar e sempre e acima de tudo se coloque a satisfação de anseios pessoais a qualquer custo, e que em sua maioria são de cunho material, tem sido a tônica de praticamente todas as atitudes assumidas pelo ser humano, envolvendo e atingindo inclusive coletividades, povos e nações inteiras...

De acordo com a doutrina, é no interesse pessoal que se funda o egoísmo, “do qual se deriva todo o mal; estudai todos os vícios e vereis que no fundo de todos existe o egoísmo” (LE 914-913). Mas, a doutrina também nos assegura que “o egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a material” (LE 917).

Diante do atual quadro vivencial da humanidade, de feroz desrespeito a direitos humanos de toda ordem, e da estrutura social por nós estabelecida no decorrer dos séculos, em que a desigualdade social e a violência de todo tipo, marginal e oficial, física, intelectual e moral, chegam a níveis assustadores, cabe fazermos uma reflexão acurada dessa terceira parte de O Livro dos Espíritos, onde Allan Kardec didaticamente reuniu, catalogou e comentou o que ele denominou de “As Leis Morais”. Com essa reflexão, veremos que estas são em muitos aspectos concordes com os ensinamentos de Jesus de Nazaré, o qual poder-se-ia mesmo considerar como o primeiro socialista utópico.

Essas leis, que nada mais são do que as leis naturais, abrangem a complexidade das nossas relações de forma integral:  a nossa relação com Deus, com o próximo, com a coletividade, com toda a criação, compreendendo-se aí inclusive o meio-ambiente como um todo interrelacionado e interdependente; por conseguinte, abrangem os nossos deveres e direitos e o que podemos entender como o nosso aprimoramento socio-ético-moral como seres imortais universais.

“Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais, das relações legais de povo para povo e de homem para homem, e este pensará menos em si mesmo (LE 917).

Em decorrência disso tudo que já recebemos como esclarecimentos, não apenas através a nossa doutrina, mas de há muito tempo, sob outras formas e denominações, já podemos mais ou menos compreender que efetivamente firmar nossos valores e escolhas sobre o interesse pessoal só poderá nos trazer resultados dolorosos em futuro próximo, e muitas vezes até mesmo no presente estágio terreno.

No entanto, entre entender a teoria e a colocar em prática há uma distância que ainda precisamos vencer – um caminho difícil a ser percorrido que certamente vai requerer de nós, humanidade encarnada e desencarnada, um esforço persistente, individual e coletivo, para superarmos esse atavismo; e isso só conseguiremos por meio de uma educação esclarecida e continuada em todos os campos de ação e do conhecimento humano.

 

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