Pular para o conteúdo principal

UNIFICAÇÃO

 

 

Por Doris Gandres

Espiritismo é a filosofia da razão ponderada, do amor bem compreendido, da fé raciocinada, tal como nos demonstrou Kardec e nós mesmos constatamos através da análise e a avaliação isenta de preconceitos e personalismos dos ensinamentos contidos nas obras espíritas. Lembramos o que Kardec colocou na Introdução, III, de O Livro dos Espíritos: dirigimo-nos aos de boa fé, aos que não trazem ideias preconcebidas ou decididamente firmadas contra tudo e todos, aos que sinceramente desejem instruir-se.

O método de trabalho de elaboração da doutrina foi o científico, fruto de perguntas criteriosamente ordenadas, pesquisas sérias e extensas experimentações possíveis à época. Nada foi aceito ou recusado a priori em função de conceitos estabelecidos ou porque figuras eminentes, encarnadas ou desencarnadas, determinassem isso ou aquilo.

Por isso hoje, quando mais compreendemos – e desejamos – esse princípio que nos deixa livres a mente e a razão para que de forma consciente busquemos o caminho “do amor que sabe e do saber que ama” (Federico Mayor, antigo diretor da Unesco), para avançarmos com mais segurança, justiça, respeito e igualdade de direitos e deveres para todos, finalmente senhores dos nossos pensamentos, sentimentos e da nossa vontade, surpreendo-me que criaturas conhecedoras desses princípios humanos, assim como entidades que se autoproclamam líderes do movimento espírita, nacional e, pasmem, internacional também, ainda se empenhem em calar inteligências, abafar sentimentos, aprisionar pensamentos, castrar atitudes e ações mediante uma normatização conservadora e arcaica a que chamaram unificação!

Mais uma vez serve-se uma minoria de meios arbitrários e autoritários para conquistar poder e supremacia sobre uma maioria silenciosa e, ao que lamentavelmente parece, ainda desejosa de que lhe ditem regras a fim de não assumirem a responsabilidade por suas escolhas e atos – ao que de nenhuma forma se furtam, apesar de tudo... Não basta dizer “eu estava, ou estou, cumprindo ordens” – somos todos, a esta altura da nossa jornada, portadores de livre arbítrio, saibamos ou não utilizá-lo.

Resguardadas as devidas proporções, como estaria a humanidade se Sócrates, Sêneca, Platão, Pitágoras, Lao Tse, Buda, Krishna, Erasto, Fénelon, Comenius, Rousseau, Voltaire, Copérnico, Galileu, Lutero, Newton, Einstein, Martin Luther King, Zumbi dos Palmares, Gandhi, Francisco de Assis – apenas para citar aleatoriamente alguns porque há tantos e tantos outros – se tivessem calado, se tivessem omitido, se tivessem simplesmente acomodado e aceito o status quo? E se Jesus se tivesse submetido aos doutores da lei, a os fariseus?

E é em nome da liberdade de pensamento e de expressão, de estudo, de observação, que necessário se torna avaliar esse procedimento de unificação que essa minoria, carregada de orgulho e vaidade, de ranços de um religiosismo autoritário e castrador, pretensamente poderosa, pretendeu e pretende ainda, desse modo, moldar o Espiritismo em conformidade com suas conveniências eivadas de personalismos, divulgando conceitos muitas vezes avessos ao bom senso e à razão e infestando o meio espírita com apostilas ditando procedimentos e material de estudos frequentemente aquém e até contrários aos princípios espiritistas.

E já que citei Voltaire, trago uma frase desse filósofo do iluminismo para nossa reflexão: Aquele que te faz crer em absurdos, também pode te fazer praticar atrocidades. E não é isso que vimos e vemos acontecendo no Brasil, e mesmo pelo mundo afora?

Graças a muito esforço, e a decorrer de milênios e milênios de erros e acertos, desenvolvemos a capacidade de raciocinar; não podemos fingir que não existe, nem abdicar dessa poderosa capacidade, ferramenta indispensável para nossa libertação e crescimento intelectual e moral.

Comentários

  1. Gostei. Lembei-me do desespero que foi o assumir o cristianismo pelo Estado de Roma. Uma vereança que, com muitas lutas e guerras dominou grande parte do Mundo conhecido na época.
    Se antes, em Roma, as religiões era politeístas e sem uma hierarquia de força, agora com uma imensidão de povos e extensão territorial, optaram em "unificar o credo", através de uma religião. A escolhida foi criar a Católica (universal). Lembrando que a religião do Rei, Imperador, Chefe Político... Era de todos sob seu poder. O cristão de perseguido tem agora uma Igreja Católica que, além de lhe proteger, persegue as outras Religiões e, principalmente, os vieses que surgem tanto no entendimento quanto na prática da Fé cristã. Mesmo aqueles que preferiam o jeito do "cristianismo inicial".

    ResponderExcluir
  2. Boa noite Valnei, apreciei seu comentário, muito pertinente. Grata, Doris Gandres.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

OS ESPÍRITAS E OS GASPARETTOS

“Não tenho a menor pretensão de falar para quem não quer me ouvir. Não vou perder meu tempo. Não vou dar pérolas aos porcos.” (Zíbia Gaspareto) “Às vezes estamos tão separados, ao ponto de uma autoridade religiosa, de um outro culto dizer: “Os espíritas do Brasil conseguiram um prodígio:   conseguiram ser inimigos íntimos.” ¹ (Chico Xavier )                            Li com interesse a reportagem publicada na revista Isto É , de 30 de maio de 2013, sobre a matéria de capa intitulada “O Império Espírita de Zíbia Gasparetto”. (leia matéria na íntegra)             A começar pelo título inapropriado já que a entrevistada confessou não ter religião e autodenominou-se ex-espírita , a matéria trouxe poucas novidades dos eventos anteriores. Afora o movimento financeiro e ...