Pular para o conteúdo principal

O HOMEM: ETERNO NAZISTA?

       

Por Jorge Luiz

 

            A face sombria do Brasil é fascista. Ela se revelou nos recentes anos e emponderou pessoas e instituições.

Por 10 votos a zero, os vereadores de São Miguel do Oeste (SC) – todos homens – cassaram o mandato de Maria Tereza Capra (PT), sob alegação de quebra de decoro parlamentar. A vereadora denunciou a saudação nazista (foto acima) feita por extremistas de direita em ato de apoio ao então presidente Jair Bolsonaro. Decisão, indiscutivelmente, de apoio ao fascismo.

A questão aqui colocada não é de foro específico sobre bandeiras partidárias, mas, apenas, abordar esse fenômeno mundial que recrudesceu no Brasil nos últimos quatro anos, proporcionando um crescimento de células nazistas na ordem de 270%. Isso ocorrendo em uma assembleia de representantes do povo, logo se percebe que o nazismo é uma das peças do enredo de uma sociedade capitalista.

O fascismo está na agenda mundial. Estudos, pesquisas e obras literárias são publicadas e outras são resgatadas com o mesmo propósito: elaborar uma crítica ao fascismo, suas origens e o perigo para as democracias mundiais.

A questão se tornou emblemática no Brasil quando trouxe essas expressões fascistas para perto de cada brasileiro. Ocorreram rompimento de amizades e laços familiares que não deixam de ser oposição de parte da sociedade brasileira ao fascismo. A esse respeito, o professor e filósofo do Direito, Alysson Mascaro, expressa-se:

 

“Desde há muito, os fascismos ampliaram a desgraça das sociabilidades capitalistas pelo mundo. Se é verdade que da época de seu surgimento até hoje encontraram resistências e oposições, a maior parte das críticas ao fascismo, ao não alcançar a materialidade de suas causas, contribui para sustentar as condições de possibilidade e reafirmação de tal experiência. Mediante deslocamentos ou diluições de suas razões, assim operam as leituras liberais, que insistem nas instituições políticas e jurídicas capitalistas como salvaguarda daquilo que elas próprias contribuem para gestar.”

 

            Conclui-se, portanto, que o fascismo é elemento indissociável do ideal do capital e sempre se mostra presente nas crises recorrentes do capitalismo.

            No Brasil, presenciamos que a luta contra o fascismo não é uma luta fácil. Venceu-se uma batalha, mas a guerra continua, pois ele sobrevive no ambiente familiar, social, religioso, militar, político, judiciário... e até espírita. Ele faz parte da estrutura psicológica do indivíduo? Esse é o ponto que merecerá a reflexão desse resenhista.

            Ken Wilber, um dos grandes pensadores dos dias atuais, não se faz de rogado e nem recorre ao politicamente correto quando se refere aos nazistas, pois, da mesma forma, ele fala da maior parte da sua família e sobre os seus melhores amigos.

            Wilber, ao estudar o desenvolvimento moral do indivíduo – estágios da consciência –, admite que o ser humano passa do “eu” (egocêntrico) ao “nós” (etnocêntrico) até “todos nós” (globocêntrico). A partir dessa escala, Wilber admite que 70% da população mundial é nazista – etnocêntricos. Em seguida, ele faz a seguinte pergunta: “Quem é o dono das ideias e crenças seguidas por esses 70%?” A resposta é por demais desconcertante: “De modo geral, as grandes religiões do mundo.” Aqui, reside a causa – caráter religioso do Espiritismo – para se entender o fascismo entre os espíritas brasileiros.

            Teve bastas razão Benito Mussolini (1883-1945), político italiano, ao profetizar que “O fascismo é uma religião. O século XX será conhecido como o século do fascismo.”

           

            Umberto Eco (1932 - 2016), escritor e filósofo italiano, contraria Wilber ao afirmar:

 

“Existiu apenas um nazismo, e não podemos chamar de “nazismo” o falangismo hipercatólico de Franco, pois o nazismo é fundamentalmente pagão, politeísta e anticristão, ou não é nazismo. Com o fascismo, ao contrário, é possível jogar de muitas maneiras sem que mude o nome do jogo.”

           

            Eco, buscando esclarecer a confusão sobre a temática nazismo versus  fascismo, elabora uma lista de características típicas daquilo que ele gostaria de chamar “Ur-Fascismo(1)” ou “fascismo eterno”: a) culto à tradição; b) a recusa da modernidade; c) irracionalismo; d) o discordar é traição; e) racismo por definição; f) nacionalismo (por isso a obsessão pela conspiração/xenofobia); g) os inimigos são, ao mesmo tempo, fortes demais e fracos demais; h) o pacifismo é conluio com o inimigo; i) desprezo pelos fracos; j) cada um educado para se tornar um herói; k) machismo; l) populismo qualitativo (oposição aos “pútridos” governos parlamentares; m) o Ur-Fascismo fala uma “novilíngua” (todos os textos escolares nazistas e fascistas se baseavam em um léxico pobre e uma sintaxe elementar).

                       

            Com relação a essas e outras contradições, o professor e filósofo Herculano Pires comentou em sua festejada obra O Reino, onde ele faz menção às problemáticas do movimento espírita brasileiro quanto aos problemas sociais, aos espíritas reacionários, ao tipo burguês, aos apegados às injustiças do capitalismo, aos espíritas de tendências fascistas e aos revolucionários que ardem pelas transformações sociais imediatas. Ele falhou por não antever, comparou o meio espírita a outros meios – as profundas sequelas em que hoje é preciso conviver, estando os espíritas perdidos – não só doutrinariamente como Herculano Pires considerou – dentro de um labirinto ideológico com nenhuma perspectiva de solução.

            O pano de fundo para essa situação tem sido apontar o dedo para o médium baiano Divaldo Franco, frente aos impropérios por ele ditos em palestras, até por ignorar as temáticas abordadas nos campos sociopolíticos. Precisa-se entender que o Divaldo é um homem de quase um século de vida e essas dissociações cognitivas são pertinentes à idade. Errados são os do seu entorno que ainda o permite sua participação nesses eventos, abertos a essas provocações.

            Sabemos que o fascismo não é eterno, como afirma Eco, e nem tampouco todos seremos fascistas, como mostrado nos estados da consciência de Wilber. O Espírito, conforme ensina os Espíritos, é criado simples e ignorante, através da “esteira transportadora” de Wilber, e através das vidas sucessivas espíritas. Poder-se-á até existirem algumas mesclas fascistas, temporariamente, na condição de seres teleológicos que somos, contudo, tendentes todos à plenitude com o Criador.

            Há espíritas fascistas? Eis a questão, já que há espíritas bolsonaristas e o bolsonarismo é fascismo e se mostra como uma grande ameaça à integridade da democracia brasileira. Essa é a principal questão que divide o meio espírita e ninguém, no entanto, autoavalia-se assim. O que fazer?

A resposta é mais desafiadora e exige maturidade para quem autoafirma espírita. Chegou a hora da revelação do ser. A hora que todos os espíritas deverão dar o testemunho do que o Espiritismo fez de positivo em suas vidas. Precisa-se discutir todos esses senões e porquês, sejam em encontros de trabalhadores, sejam em seminários e congressos. Todas essas questões estão esvaziando as casas espíritas e os eventos. Chega de temáticas sobre a “cor do céu”, enquanto na terra a coisa está tingida de ressentimentos.

            Hipócritas, não somos! Ou somos?

           

           

           

Referências

 

ECO, Umberto. Fascismo eterno. E-book. Rio de Janeiro, 1997.

MASCARO. Alysson. Crítica do fascismo. São Paulo, 2022.

WILBER, Ken. Espiritualidade integral. São Paulo, 2006.

PIRES, J. Herculano. O Reino. São Paulo. E-book

(1) Ur- é um prefixo que significa "original, antigo, primitivo", do alemão ur- "(fora) de, anterior", do protogermânico *uz-, "de", do protoindo-europeu *ud- "para cima, para fora".

 

   

Comentários

  1. Ótimo texto! Provocativo e inquietante. Nos faz refletir sobre a dura realidade (des)humana e, como não deixar de dizer, realidade espírita.
    O que a Vida nos pede é coragem... para enfrentar a realidade posta neste plano, como diz o autor, em vez de discutir a "cor de céu".
    Esta tarefa, me parece, deverá ser feita principalmente pelo espíritas do campo progressista e dialógico, pois o movimento institucionalizado hegemônico, ahhh, este somente contempla a "cor do céu" e se envaidece da caridade cotidiana que não muda o status da face fascista brasileira mas "garante" um lugar no Nosso Lar.

    ResponderExcluir
  2. Ótimo texto. Boa reflexão.

    ResponderExcluir
  3. Excelente conteúdo e maravilhosa fonte de consultas. Urge sempre analises dessa natureza, diante das adversidades Fascitas e Nazistas por estarem de mãos dados e contraria ao preconizado ensino de Jesus , bem como na literatura espírita e autores constantes nas referencias acima. A mesmice de dantes e as contradições atuais, demonstram ignorar os problemas sociais que precedem, refletirmos e reeducarmos a luz da EMPATIA. Parabéns JORGE LUIZ, porém nem todos que irão não conseguirão refletir se seu cotidiano está concorde ou discorde com texto em epígrafe.
    Marco Pollo Dutra

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

A CULPA É DA JUVENTUDE?

    Por Ana Cláudia Laurindo Para os jovens deste tempo as expectativas de sucesso individual são consideradas remotas, mas não são para todos os jovens. A camada privilegiada segue assessorada por benefícios familiares, de nome, de casta, de herança política mantenedora de antigos ricos e geradora de novos ricos, no Brasil.

O MOVIMENTO ESPÍRITA MUNDIAL É HOJE MAIS AMPLO E COMPLEXO, MAS NÃO É UM MUNDO CAÓTICO DE UMA DOUTRINA DESPEDAÇADA*

    Por Wilson Garcia Vivemos, sem dúvida, a fase do aperfeiçoamento do Espiritismo. Após sua aurora no século XIX e do esforço de sistematização realizado por Allan Kardec, coube às gerações seguintes não apenas preservar a herança recebida, mas também ampliá-la, revendo equívocos e incorporando novos horizontes de reflexão. Nosso tempo é marcado pela aceleração do conhecimento humano e pela expansão dos meios de comunicação. Nesse cenário, o Espiritismo encontra uma dupla tarefa: de um lado, retornar às fontes genuínas do pensamento kardequiano, revendo interpretações imprecisas e sedimentações religiosas que se afastaram de seu caráter filosófico-científico; de outro, abrir-se à interlocução com as descobertas contemporâneas da ciência e com os debates atuais da filosofia e da espiritualidade, como o fez com as fontes que geraram as obras clássicas do espiritismo, no pós-Kardec.

09.10 - O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

            Por Jorge Luiz     “Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)                    Cento e sessenta e quatro anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outr...

PRÓXIMOS E DISTANTES

  Por Marcelo Henrique     Pense no trabalho que você realiza na Instituição Espírita com a qual mantém laços de afinidade. Recorde todos aqueles momentos em que, desinteressadamente, você deixou seus afazeres particulares, para realizar algo em prol dos outros – e, consequentemente, para si mesmo. Compute todas aquelas horas que você privou seus familiares e amigos mais diletos da convivência com você, por causa desta ou daquela atividade no Centro. Ainda assim, rememore quantas vezes você deixou seu bairro, sua cidade, e até seu estado ou país, para realizar alguma atividade espírita, a bem do ideal que abraçaste... Pois bem, foram vários os momentos de serviço, na messe do Senhor, não é mesmo? Quanta alegria experimentada, quanta gente nova que você conheceu, quantos “amigos” você cativou, não é assim?

DEMOCRACIA SEM ORIENTAÇÃO CRISTÃ?

  Por Orson P. Carrara Afirma o nobre Emmanuel em seu livro Sentinelas da luz (psicografia de Chico Xavier e edição conjunta CEU/ FEB), no capítulo 8 – Nas convulsões do século XX, que democracia sem orientação cristã não pode conduzir-nos à concórdia desejada. Grifos são meus, face à atualidade da afirmação. Há que se ressaltar que o livro tem Prefácio de 1990, poucas décadas após a Segunda Guerra e, como pode identificar o leitor, refere-se ao século passado, mas a atualidade do texto impressiona, face a uma realidade que se repete. O livro reúne uma seleção de mensagens, a maioria de Emmanuel.

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...

A FÉ NÃO EXCLUI A DÚVIDA

  Por Jerri Almeida A fé não exclui a dúvida! No espiritismo, a dúvida dialoga filosoficamente com a fé. O argumento da “verdade absoluta”, em qualquer área do conhecimento, é um “erro absoluto”. No exercício intelectual, na busca do conhecimento e da construção da fé, não se deve desconsiderar os limites naturais de cada um, e a possibilidade de autoengano. Certezas e dúvidas fazem parte desse percurso!

TRAPALHADAS "ESPÍRITAS" - ROLAM AS PEDRAS

  Por Marcelo Teixeira Pensei muito antes de escrever as linhas a seguir. Fiquei com receio de ser levado à conta de um arrogante fazendo troça da fé alheia. Minha intenção não é essa. Muito do que vou narrar neste e nos próximos episódios talvez soe engraçado. Meu objetivo, no entanto, é chamar atenção para a necessidade de estudarmos Kardec. Alguns locais e situações que citarei não se dizem espíritas, mas espiritualistas ou ecléticos. Por isso, é importante que eu diga que também não estou dizendo que eles estão errados e que o movimento espírita, do qual faço parte, é que está certo. Seria muita presunção de minha parte. Mesmo porque, pelo que me foi passado, todos primam pela boa intenção. E isso é o que vale.