Pular para o conteúdo principal

O ESPÍRITO DA JUSTIÇA


    "O que é justiça? É ela possível? E se ela não devesse ser possível, como se 
haveria de suportar a vida?" - desse modo eu me questionava 
sem cessar. Assustava-me profundamente encontrar por toda parte 
onde escavava em mim mesmo apenas paixões, apenas perspectivas 
de um ângulo, apenas a inescrupulosidade daquilo a que já 
faltam as pré-condições da justiça: onde estava a circunspecção? 
- ou seja, a circunspecção a partir da compreensão vasta? 
(Nietzsche)



        “ – A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um.” Assim definem os Espíritos a justiça, na questão nº 875 de “O Livro dos Espíritos.” Esses direitos, respondem os Espíritos na questão seguinte, são determinados pela lei humana e a lei natural. A lei humana é fadada ao progresso moral das civilizações. A segunda, apoiada na afirmativa de Jesus “Querer para os outros o que querereis para vós mesmos.” Deus pôs no coração do homem a regra de toda a verdadeira justiça, pelo desejo que tem cada um de ver os seus direitos respeitados”, sentenciam os Reveladores Celestes.

É natural, portanto, que ninguém desejando o mal para si, não irá desejar para outrem.

Herança da Idade Média, a justiça é simbolizada por uma estátua de mulher com os olhos vendados segurando em uma das mãos a balança e na outra a espada. Os olhos vendados simboliza a imparcialidade daqueles que a representam de evitar privilégios na aplicação da Justiça. Já a balança pesa o direito que cabe a cada uma das partes. E a espada simboliza a defesa dos valores daquilo que é justo.

Dentro da esteira evolutiva das civilizações, encontrar-se-ão no “tabu” (1) – o sagrado e o profano – as deliberações mais primitivas das leis, não escritas pelos homens. A esse respeito, leia-se o que escreve Freud, em sua obra Totem e Tabu: “... os primeiros sistemas penais humanos podem ser remontados ao tabu.”

Depreende-se daí que através do tabu, o homem mesmo diferenciando de sociedade para sociedade, o estabelecimento do legal e ilegal. Criados por convenções sociais religiosas e culturais, servia para preservar os bons costumes da sociedade.

O progresso foi exigindo reformulações e aprimoramento da lei humana que evolui de acordo com os padrões morais da sociedade que a estabelece. É importante se considerar que a lei humana vinculada aos padrões morais dos homens fundamenta-se necessariamente na Lei Natural, a que dimana de Deus, insculpida na consciência conforme assinalam os Reveladores Celestes na questão nº 621 de “O Livro dos Espíritos.”  

Cesare Bonesana, (1738-1794) aristocrata milanês, um dos principais nomes do iluminismo, conhecido como Marquês de Beccaria, em sua majestosa obra “Dos Delitos e das Penas”, assim afirma:

 “A moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem. (...) Consultemos, pois, o coração humano; acharemos nele os princípios fundamentais do direito de punir.”

Considerando-se a prevalência do egoísmo no coração do homem nas relações entre os indivíduos, é forçoso compreender que as leis humanas ainda padecem de vis interesses, até porque, como adverte Beccaria:

“Ninguém fez gratuitamente o sacrifício de uma porção de sua liberdade visando unicamente ao bem público. Tais quimeras só se encontram nos romances. Cada homem só por seus interesses está ligado às diferentes combinações políticas deste globo; e cada qual desejaria, se fosse possível, não estar ligado pelas convenções que obrigam os outros homens.”

Disto resulta, continua ele:
No entanto, entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à maioria miséria e fraqueza.”

Quando se analisa os primórdios do direito – Grego e Romano -, percebe-se o peso da tradição e a influência mística que a religião exercia sobre ele. Mesmo com as origens na tradição e religião, foram os sacerdotes os primeiros intérpretes do direito, relevando os desígnios dos deuses, quando na realidade era apenas a tradição calcificadas por enunciados de fórmulas. É importante se compreender que o direito sempre foi concebido pela vontade (poder) dos mais poderosos. Mesmo nas primeiras comunidades, quando a força era decisiva, os mais fortes subjugavam os mais fracos.

O homem movido pelas suas paixões busca o poder, através do direito, em detrimento de tudo e de todos provocando, em muitas situações, o caos e à anarquia na ordem social e jurídica, configurando-se em uma luta entre o bem e o mau, o herói e o bandido. (grifos nossos) Cenário característico de uma tragédia grega dentro da perspectiva que cultura cristã-ocidental a reinterpretou. Auréolas de misticismo, muito embora vise-se alcançar aperfeiçoamento na conduta moral.  A tragédia da justiça, no entanto, está no direito. A tragédia do direito está no homem que ao interpretá-lo corrompe, transgride, usurpa, tiraniza, quase sempre e na maioria das vezes, em prejuízo dos desafortunados. Jesus atento aos deslizes da justiça dos escribas e fariseus, advertiu: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.” (Mateus, 5:6).

O Espiritismo, assentado nas Leis Morais, tem na Lei de Amor (mais sublime dos sentimentos), Justiça (respeito aos direitos de cada um), e Caridade (indulgência, benevolência e perdão das ofensas), o que favorecerá o amor entre os homens propiciando a elaboração de códigos mais generosos e leis mais justas o que favorecerá à plenitude espiritual.

Na questão nº 797 de “O Livro dos Espíritos”, os Espíritos Reveladores respondem à Allan Kardec acerca das reformas necessárias às leis humanas: “- Isso acontecerá naturalmente pela força das circunstâncias e pela influência das pessoas de bem que conduzem na senda do progresso. Há muitas que já foram reformadas e muitas outras ainda serão. Espera!”

O Espírito da Justiça não se fará mais de acordo com simpatias, condições sociais, ideologias, mas sim de acordo com as virtudes morais acrisoladas na consciência. O Espírito da Justiça não será mais do homem, mas sim do Pai, que resplandecerá em cada homem, como enfatiza Jesus no Evangelho de João, 5:20, a respeito como deve ser refletida a Justiça: “Eu não posso fazer nada de mim mesmo; como ouço, assim julgo, e o meu juízo é justo, pois não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou.”


1) A palavra é de origem polinésia. Deriva do tonganês tabu e do maori tapu, termos que se referem à proibição de determinado ato, com base na crença de que tal ato invadiria o campo do sagrado, implicando em perigo ou maldição para os indivíduos comuns. O termo foi primeiramente registrado pelo capitão James Cook durante sua visita a Tonga em 1771. Foi, então introduzido na língua inglesa, difundindo-se posteriormente para outras línguas. Embora os tabus tenham sido inicialmente associados às culturas polinésias do Pacífico Sul, os tabus estão ou estiveram presentes em praticamente todas as sociedades.

(*) blogueiro e expositor espírita.

Comentários

  1. Francisco Castro de Sousa10 de abril de 2016 às 10:06

    Jorge Luiz você é teimoso! Vou queimar o meu livro! Mesmo assim parabéns pelo texto!

    ResponderExcluir
  2. Jorge amigo, prossegue nesse área.
    Parabéns e abraço fraterno.
    Luíza

    ResponderExcluir
  3. Artigo magnífico! Um beijo grande.

    Liana

    ResponderExcluir
  4. Gostei desse artigo. Não entendi o comentário acima. Francisco Castro de Sousa poderia explicar em quê reside a teimosia? Fiquei curioso. Como também quanto a seu livro, que pretende queimar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Francisco Castro de Sousa10 de abril de 2016 às 18:51

      Meu Caro Anônimo são metáforas, apenas Metáforas!

      Excluir
  5. Excelente texto Jorge. Rui Barbosa dizia a seu tempo: "Fora da Justiça não há salvação". Roberto Caldas

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DIA DA ESPOSA DO PASTOR: PAUTA PARASITA GANHA FORÇA NO BRASIL

     Imagens da internet Por Ana Cláudia Laurindo O Dia da Esposa do Pastor tem como data própria o primeiro domingo de março. No contexto global se justifica como resultado do que chamam Igreja Perseguida, uma alusão aos missionários evangélicos que encontram resistência em países que já possuem suas tradições de fé, mas em nome da expansão evangélico/cristã estas igrejas insistem em se firmar.  No Brasil, a situação é bem distinta. Por aqui, o que fazia parte de uma narrativa e ação das próprias igrejas vai ocupando lugares em casas legislativas e ganhando sanções dentro do poder executivo, como o que aconteceu recentemente no estado do Pará. Um deputado do partido Republicanos e representante da bancada evangélica (algo que jamais deveria ser nominado com naturalidade, sendo o Brasil um país laico (ainda) propôs um projeto de lei que foi aprovado na Assembleia Legislativa e quando sancionado pelo governador Helder Barbalho, no início deste mês, se tornou a lei...

OS ESPÍRITAS E O CENSO DE 2022

  Por Jorge Luiz   O Desafio da Queda de Números e a Reticência Institucional do Espiritismo no Brasil Alguns espíritas têm ponderado sobre o encolhimento do número de declarados espíritas no Brasil, conforme o Censo de 2022, com abordagens diversas – desde análises francas até tentativas de minimizar o problema. O fato é que, até o momento, as federativas estaduais e a Federação Espírita Brasileira (FEB) não se manifestaram com o propósito de promover um amplo debate sobre o tema em conjunto com as casas espíritas. Essa ausência das federativas no debate não chega a ser surpreendente e é uma clara demonstração da dinâmica do movimento espírita brasileiro (MEB). As federativas, na realidade, tornaram-se instituições de relacionamento público-social do movimento espírita.

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

JUSTIÇA COM CHEIRO DE VINGANÇA

  Por Roberto Caldas Há contrastes tão aberrantes no comportamento humano e nas práticas aceitas pela sociedade, e se não aceitas pelo menos suportadas, que permitem se cogite o grau de lucidez com que se orquestram o avanço da inteligência e as pautas éticas e morais que movem as leis norteadoras da convivência social.  

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia: