domingo, 10 de abril de 2016

O ESPÍRITO DA JUSTIÇA


    "O que é justiça? É ela possível? E se ela não devesse ser possível, como se 
haveria de suportar a vida?" - desse modo eu me questionava 
sem cessar. Assustava-me profundamente encontrar por toda parte 
onde escavava em mim mesmo apenas paixões, apenas perspectivas 
de um ângulo, apenas a inescrupulosidade daquilo a que já 
faltam as pré-condições da justiça: onde estava a circunspecção? 
- ou seja, a circunspecção a partir da compreensão vasta? 
(Nietzsche)



        “ – A justiça consiste no respeito aos direitos de cada um.” Assim definem os Espíritos a justiça, na questão nº 875 de “O Livro dos Espíritos.” Esses direitos, respondem os Espíritos na questão seguinte, são determinados pela lei humana e a lei natural. A lei humana é fadada ao progresso moral das civilizações. A segunda, apoiada na afirmativa de Jesus “Querer para os outros o que querereis para vós mesmos.” Deus pôs no coração do homem a regra de toda a verdadeira justiça, pelo desejo que tem cada um de ver os seus direitos respeitados”, sentenciam os Reveladores Celestes.

É natural, portanto, que ninguém desejando o mal para si, não irá desejar para outrem.

Herança da Idade Média, a justiça é simbolizada por uma estátua de mulher com os olhos vendados segurando em uma das mãos a balança e na outra a espada. Os olhos vendados simboliza a imparcialidade daqueles que a representam de evitar privilégios na aplicação da Justiça. Já a balança pesa o direito que cabe a cada uma das partes. E a espada simboliza a defesa dos valores daquilo que é justo.

Dentro da esteira evolutiva das civilizações, encontrar-se-ão no “tabu” (1) – o sagrado e o profano – as deliberações mais primitivas das leis, não escritas pelos homens. A esse respeito, leia-se o que escreve Freud, em sua obra Totem e Tabu: “... os primeiros sistemas penais humanos podem ser remontados ao tabu.”

Depreende-se daí que através do tabu, o homem mesmo diferenciando de sociedade para sociedade, o estabelecimento do legal e ilegal. Criados por convenções sociais religiosas e culturais, servia para preservar os bons costumes da sociedade.

O progresso foi exigindo reformulações e aprimoramento da lei humana que evolui de acordo com os padrões morais da sociedade que a estabelece. É importante se considerar que a lei humana vinculada aos padrões morais dos homens fundamenta-se necessariamente na Lei Natural, a que dimana de Deus, insculpida na consciência conforme assinalam os Reveladores Celestes na questão nº 621 de “O Livro dos Espíritos.”  

Cesare Bonesana, (1738-1794) aristocrata milanês, um dos principais nomes do iluminismo, conhecido como Marquês de Beccaria, em sua majestosa obra “Dos Delitos e das Penas”, assim afirma:

 “A moral política não pode proporcionar à sociedade nenhuma vantagem durável, se não for fundada sobre sentimentos indeléveis do coração do homem. (...) Consultemos, pois, o coração humano; acharemos nele os princípios fundamentais do direito de punir.”

Considerando-se a prevalência do egoísmo no coração do homem nas relações entre os indivíduos, é forçoso compreender que as leis humanas ainda padecem de vis interesses, até porque, como adverte Beccaria:

“Ninguém fez gratuitamente o sacrifício de uma porção de sua liberdade visando unicamente ao bem público. Tais quimeras só se encontram nos romances. Cada homem só por seus interesses está ligado às diferentes combinações políticas deste globo; e cada qual desejaria, se fosse possível, não estar ligado pelas convenções que obrigam os outros homens.”

Disto resulta, continua ele:
No entanto, entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à maioria miséria e fraqueza.”

Quando se analisa os primórdios do direito – Grego e Romano -, percebe-se o peso da tradição e a influência mística que a religião exercia sobre ele. Mesmo com as origens na tradição e religião, foram os sacerdotes os primeiros intérpretes do direito, relevando os desígnios dos deuses, quando na realidade era apenas a tradição calcificadas por enunciados de fórmulas. É importante se compreender que o direito sempre foi concebido pela vontade (poder) dos mais poderosos. Mesmo nas primeiras comunidades, quando a força era decisiva, os mais fortes subjugavam os mais fracos.

O homem movido pelas suas paixões busca o poder, através do direito, em detrimento de tudo e de todos provocando, em muitas situações, o caos e à anarquia na ordem social e jurídica, configurando-se em uma luta entre o bem e o mau, o herói e o bandido. (grifos nossos) Cenário característico de uma tragédia grega dentro da perspectiva que cultura cristã-ocidental a reinterpretou. Auréolas de misticismo, muito embora vise-se alcançar aperfeiçoamento na conduta moral.  A tragédia da justiça, no entanto, está no direito. A tragédia do direito está no homem que ao interpretá-lo corrompe, transgride, usurpa, tiraniza, quase sempre e na maioria das vezes, em prejuízo dos desafortunados. Jesus atento aos deslizes da justiça dos escribas e fariseus, advertiu: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque eles serão fartos.” (Mateus, 5:6).

O Espiritismo, assentado nas Leis Morais, tem na Lei de Amor (mais sublime dos sentimentos), Justiça (respeito aos direitos de cada um), e Caridade (indulgência, benevolência e perdão das ofensas), o que favorecerá o amor entre os homens propiciando a elaboração de códigos mais generosos e leis mais justas o que favorecerá à plenitude espiritual.

Na questão nº 797 de “O Livro dos Espíritos”, os Espíritos Reveladores respondem à Allan Kardec acerca das reformas necessárias às leis humanas: “- Isso acontecerá naturalmente pela força das circunstâncias e pela influência das pessoas de bem que conduzem na senda do progresso. Há muitas que já foram reformadas e muitas outras ainda serão. Espera!”

O Espírito da Justiça não se fará mais de acordo com simpatias, condições sociais, ideologias, mas sim de acordo com as virtudes morais acrisoladas na consciência. O Espírito da Justiça não será mais do homem, mas sim do Pai, que resplandecerá em cada homem, como enfatiza Jesus no Evangelho de João, 5:20, a respeito como deve ser refletida a Justiça: “Eu não posso fazer nada de mim mesmo; como ouço, assim julgo, e o meu juízo é justo, pois não busco a minha vontade, mas a vontade do Pai que me enviou.”


1) A palavra é de origem polinésia. Deriva do tonganês tabu e do maori tapu, termos que se referem à proibição de determinado ato, com base na crença de que tal ato invadiria o campo do sagrado, implicando em perigo ou maldição para os indivíduos comuns. O termo foi primeiramente registrado pelo capitão James Cook durante sua visita a Tonga em 1771. Foi, então introduzido na língua inglesa, difundindo-se posteriormente para outras línguas. Embora os tabus tenham sido inicialmente associados às culturas polinésias do Pacífico Sul, os tabus estão ou estiveram presentes em praticamente todas as sociedades.

(*) blogueiro e expositor espírita.

6 comentários:

  1. Francisco Castro de Sousa10 de abril de 2016 às 10:06

    Jorge Luiz você é teimoso! Vou queimar o meu livro! Mesmo assim parabéns pelo texto!

    ResponderExcluir
  2. Jorge amigo, prossegue nesse área.
    Parabéns e abraço fraterno.
    Luíza

    ResponderExcluir
  3. Artigo magnífico! Um beijo grande.

    Liana

    ResponderExcluir
  4. Gostei desse artigo. Não entendi o comentário acima. Francisco Castro de Sousa poderia explicar em quê reside a teimosia? Fiquei curioso. Como também quanto a seu livro, que pretende queimar.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Francisco Castro de Sousa10 de abril de 2016 às 18:51

      Meu Caro Anônimo são metáforas, apenas Metáforas!

      Excluir
  5. Excelente texto Jorge. Rui Barbosa dizia a seu tempo: "Fora da Justiça não há salvação". Roberto Caldas

    ResponderExcluir