Pular para o conteúdo principal

A LIBERDADE SEGUNDO O ESPIRITISMO

 

 

Por Doris Gandres

Há milênios, desde os tempos mais remotos e as coletividades mais primitivas, luta o homem pela conquista de liberdade, de libertação de domínios de todos os tipos, inclusive o domínio disfarçado, camuflado de ajuda, de amparo, como a dominação em nome da religião e de Deus. Nessa ânsia, usou dos meios mais variados e mesmo os mais violentos, comprometendo justamente o objetivo a que se propunha.

Liberdade, essa condição, esse “bem” se assim podemos chamá-la, é uma das condições fundamentais para o progresso humano, tanto o material quanto o intelectual, o psicológico, o moral e, consequentemente, o espiritual. É no exercício da liberdade que se desenvolve o discernimento, o livre arbítrio, faculdade essencial para condução de nossas escolhas sob a égide de princípios e de valores individuais. Ao mesmo tempo, contudo, cresce a nossa responsabilidade, ferramenta imprescindível para validarmos nosso mérito.

Na Revista Espírita de março de 1869, ao fazer o Estudo Fisiológico e Moral, Kardec afirma o seguinte: “Com o ser espiritual independente, a responsabilidade é absoluta (...) Provar que o homem é responsável por todos os seus atos é provar a sua liberdade de ação, e provar a sua liberdade é revelar a sua dignidade” (1). Essa afirmativa eleva a liberdade ao nível da dignidade, valor que coloca o ser humano num patamar por todos almejado.

Quando, sob qualquer aspecto e/ou pretexto, a liberdade se vê cerceada pela força, pela coação, pela intimidação, pela instigação do medo, ou da inferioridade, ou da menos valia, ou qualquer seja o meio, depois de um determinado tempo e limite, instala-se a insatisfação, a revolta, o ódio inclusive. Então, em determinado momento, acontecem as “convulsões sociais” como explicita Allan Kardec no livro Obras Póstumas, capítulo Questões e Problemas: “As convulsões sociais são revoltas dos Espíritos encarnados contra o mal que os acicata, índices de suas aspirações a esse reinado de justiça pelo qual anseiam...” (2).

E no comentário de Kardec à questão 783 de O Livro dos Espíritos encontramos este esclarecimento: “As revoluções morais, como as revoluções sociais, infiltram-se pouco a pouco nas ideias, germinam ao longo dos séculos, e depois explodem subitamente, fazendo ruir o edifício carcomido do passado” (3).

A doutrina nos ensina também que a liberdade, no entanto, é relativa; sabemos comumente que nossa liberdade vai até onde começa a liberdade do outro. Na Revista Espírita de maio de 1866, um Espírito Protetor adverte que “a liberdade de ação tem por limite as leis da natureza, que nenhum pode transpor” (4). Há, porém, uma condição em que somos inteira e absolutamente livres – é no pensamento, é em consciência. Nesse campo ninguém pode nos cercear, ainda que por vezes possa parecer atingir esses domínios...

Atualmente, entretanto, um pouco mais esclarecidos, em todos os sentidos, compreendemos um pouco melhor as nossas possibilidades e limitações e, assim, podemos agir um pouco melhor na conquista e na preservação das liberdades possíveis, inerentes ao respeito ao ser humano e aos direitos naturais do cidadão, cumpridor de seus deveres sociais, humanos e fraternos.

 

Revista Espírita, março 1869

Obras Póstumas, Questões e |Problemas

O Livro dos Espíritos, q.783

Revista Espírita, maio 1866

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DIA DA ESPOSA DO PASTOR: PAUTA PARASITA GANHA FORÇA NO BRASIL

     Imagens da internet Por Ana Cláudia Laurindo O Dia da Esposa do Pastor tem como data própria o primeiro domingo de março. No contexto global se justifica como resultado do que chamam Igreja Perseguida, uma alusão aos missionários evangélicos que encontram resistência em países que já possuem suas tradições de fé, mas em nome da expansão evangélico/cristã estas igrejas insistem em se firmar.  No Brasil, a situação é bem distinta. Por aqui, o que fazia parte de uma narrativa e ação das próprias igrejas vai ocupando lugares em casas legislativas e ganhando sanções dentro do poder executivo, como o que aconteceu recentemente no estado do Pará. Um deputado do partido Republicanos e representante da bancada evangélica (algo que jamais deveria ser nominado com naturalidade, sendo o Brasil um país laico (ainda) propôs um projeto de lei que foi aprovado na Assembleia Legislativa e quando sancionado pelo governador Helder Barbalho, no início deste mês, se tornou a lei...

OS ESPÍRITAS E O CENSO DE 2022

  Por Jorge Luiz   O Desafio da Queda de Números e a Reticência Institucional do Espiritismo no Brasil Alguns espíritas têm ponderado sobre o encolhimento do número de declarados espíritas no Brasil, conforme o Censo de 2022, com abordagens diversas – desde análises francas até tentativas de minimizar o problema. O fato é que, até o momento, as federativas estaduais e a Federação Espírita Brasileira (FEB) não se manifestaram com o propósito de promover um amplo debate sobre o tema em conjunto com as casas espíritas. Essa ausência das federativas no debate não chega a ser surpreendente e é uma clara demonstração da dinâmica do movimento espírita brasileiro (MEB). As federativas, na realidade, tornaram-se instituições de relacionamento público-social do movimento espírita.

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

JUSTIÇA COM CHEIRO DE VINGANÇA

  Por Roberto Caldas Há contrastes tão aberrantes no comportamento humano e nas práticas aceitas pela sociedade, e se não aceitas pelo menos suportadas, que permitem se cogite o grau de lucidez com que se orquestram o avanço da inteligência e as pautas éticas e morais que movem as leis norteadoras da convivência social.  

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia: