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QUAL O CRIME DESSE HOMEM?

 


            Condenado por aclamação. Tantos, que nem sequer o tinham visto uma só vez, haviam engrossado o vozerio da condenação? Não deve ser verdade que aquele homem fosse conhecido por aquela multidão. Muitos ali se faziam presentes pelo desejo ardente de opinar sem conhecimento de causa, embalados por vantagens sabe-se lá quais.

            Pilatos delegara a escolha. Ele próprio não via motivos para impor o castigo. O prisioneiro não lhe impunha dificuldades reais. Os sacerdotes teriam se esforçado para mostrar-lhe a periculosidade, mas teria sido inútil. Aquele homem – Jesus – não tinha porque estar ali, mas estava. E não era apenas uma coincidência.

            Numa época de tão poucos fartamente aquinhoados, em contraposição ao populacho de desdentados e analfabetos que mendigavam restos de pão para a fome de ontem, os pretensos donos das verdades espirituais conseguiam ser tão mais cruéis que os exércitos de Cesar. Eram eles que queriam a condenação de Jesus. Em nome de deus. Do deus que lhes servia na medida de suas cegueiras.

Não! Não havia crime naquele homem. Havia insubmissão. Havia altivez cavalgando na humildade. De forma que era o menor que se tornava gigante quando se punha de pé. Tornara intolerável a convivência ao abrir a casa do Pai sem reservas para que todos pudessem entrar, sem cobrança pecuniária, com dispensa do óbolo.   

Muitos agravantes de conduta teriam sido somatórios. Distribuiu pão, peixes, vinho sem que nenhum desses bens lhes pertencesse, mostrando que numa sociedade é possível realocar haveres e tornar comunitário o seu usufruto. E quando falou de Deus também falou de Justiça. E de Amor.

Todo tempo que se seguiu a sua passagem no planeta, ano pós ano, aqueles que se supõem seus seguidores lhe prestam homenagens lembrando as agruras da condenação injusta e da despropositada e cruel violência que lhe impuseram. Uma boa tentativa de remissão.  Uma tentativa de inocentá-lo e culpando a barbaridade do passado.

O mundo mudou sob muitos aspectos. Sistemas políticos, telecomunicações, novas culturas, cardápio de hábitos. A distribuição de valores e haveres permanece a mesma. Essa lógica continua a condenar Jesus à crucificação. A essência de sua mensagem não se alterou.

Ali, no palácio de Pilatos, Jesus estava condenado por ser quem era e nada mudaria aquela realidade. Não importava se havia ou não a culpa, o crime. Suas palavras e atos o incriminavam, apenas por ter existido.

Somos seus herdeiros? Dispostos a assumir as suas culpas? Prontos para o julgamento?

Fiquemos atentos, pois o seu chamado de convocação continua a ecoar. Acima de crenças e religiões. Repõe espiritualidade e indica uma estrada de solidariedade, acolhimento e lutas regenerativas pela paz. Que esses crimes também nos caibam.

 

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