Pular para o conteúdo principal

FINS E MEIOS DA TRANSFORMAÇÃO HUMANA

 (continuação)

 



           A tradição das teologias cristãs é hábil em estabelecer limites, passos, caminhos, meios, objetivos e fins da cristandade. Exemplos nas religiões não faltam. A vida é um bem maior, portanto não é permitida a contracepção. Não cobiçar as coisas alheias faz com que os homens não possam socializar os meios de produção. Muitas relações de meio e fim foram estabelecidas, historicamente, dentro do cristianismo.

            O Espiritismo foge de tudo isso. Em primeiro lugar porque originariamente, conforme visto, não é a casa de filosofias ou teologias, mas a casa da ciência, e esta não se indaga ab initio dos problemas acima citados. Em segundo lugar porque qualquer extensão filosófica do Espiritismo para a filosofia é possível, mas não necessariamente verdadeira por si.

            No entanto, tornar o cristianismo a partir do prisma fornecido pelo conhecimento científico espírita é grande revolução. Se Cristo é o exemplo da transformação, não nos faz pregar tábuas de deveres, nem metas ou de fins. O amor cristão é teoria e prática do cristianismo, meio e fim encerrados num só evento, o próprio amor.

            O cristianismo tampouco é uma teoria filosófica dos meios e fins cristãos. Cristo nunca foi filósofo, e, se fosse convidado para tanto, rejeitaria tal condição. Cristo era o homem do amor, e os cristãos não são necessariamente filósofos. A filosofia é um campo que se comunica com o amor cristão. Daí a construir uma necessária e universal filosofia cristã – ou mais ainda uma necessária filosofia cristã espírita – é não compreender o caráter do Cristo.

            Cristo, não tendo pregado filosofias ou teorias, foi no entanto muito maior que as filosofias. Os cristãos mais verdadeiros, os primitivos por exemplo, são muito mais imbuídos de um sincero e pleno amor teorizado e conceituado. Cristo não teria nenhum conceito para o amor. Mas sabia amar o próximo como a si mesmo.

            Por isso, a transformação humana, numa verdadeira perspectiva cristã – perspectiva possível adotada a partir do conhecimento científico espírita – não é jamais uma carta de princípios, passos ponteados ou caminhos especificados para fins previamente ditados. A transformação humana, numa perspectiva cristã, é revolucionária como o Cristo, revolucionária o sentido de uma práxis do amor verdadeiro, o que se perfaz na prática, e com as teorias e as filosofias tiradas não da metafísica, não da revelação ou do sagrado, mas opondo-se ao sistema opressivo e tendo em vista a exploração, as carências e as injustiças de nosso tempo, estando ao lado do explorado. Cristo falou do fariseu, mas não há tábuas sagradas inscritas no céu contra fariseus nem tampouco contra bezerros de ouro. No céu ou nas nuvens, se quisermos, enxergamos tudo escrito ou também não enxergamos nenhum sinal. O irmão que morre de injustiça e fome e miséria e desamor ao nosso lado, no entanto, nos obriga a ler, nas linhas tortas de nossa vida, de nossa história e de nossa relação social, quem seria o fariseu e o que é amar como Jesus amou. A transformação humana não é a mísera fé e a parca migalha que as igrejas mandaram oferecer em falso nome do Cristo. Não é este fingimento de caridade próprio de homens fracos e compromissados com o sistema das explorações sociais. A transformação humana é um passo de uma humanidade cujo amor não é passivo, é ativo. Cuja fé não é reativa, é propositiva. Cujos atos não são paliativos, são estruturas definitivas. Cujas batalhas não são reformas, são revoluções. Cujo bem não é migalha, é o prato principal e todo o banquete. Cuja alegria não é uma doença sarada, é todo o esplendor da saúde. Cuja justiça não é de outro mundo, quer-se logo para este, estendendo-se após isso para o infinito. A transformação humana verdadeiramente crista, somente possível através do prisma da ciência espírita, é uma humanidade nova e que valha pelo amor que a constitui, não a sociedade da migalha dada ou do dinheiro que se tenha. Se o amor do Cristo foi infinito, toda a luta que não seja radical e toda a transformação que queira ser parcial não são cristãs. O Cristo viverá somente no homem novo, o Cristo viverá só numa humanidade nova. Tratemos de entendê-la o mais possível, entendê-la e praticá-la para a transformação humana. Não proceder de tal modo é negar o destino que queremos á humanidade: a vida será para a harmonia, a plenitude é o fim que lhe destina o amor.

 

Fonte: Cristianismo Libertador, Alysson Mascaro, editora Comenius.

                                                                                                                                                    (continua)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

O NATAL DE CADA UM

  Imagens da internet Sabemos todos que “natal” significa “nascimento”, o que nos proporciona ocasião para inúmeras reflexões... Usualmente, ao falarmos de natal, o primeiro pensamento que nos ocorre é o da festa natalina, a data de comemoração do nascimento de Jesus... Entretanto, tantas são as coisas que nos envolvem, decoração, luzes, presentes, ceia, almoço, roupa nova, aparatos, rituais, cerimônias etc., que a azáfama e o corre-corre dos últimos dias fazem-nos perder o sentido real dessa data, desse momento; fazem com a gente muitas vezes se perca até de nós mesmos, do essencial em nós... Se pararmos um pouquinho para pensar, refletir sobre o tema, talvez consigamos compreender um pouco melhor o significando do nascimento daquele Espírito de tão alto nível naquele momento conturbado aqui na Terra, numa família aparentemente comum, envergando a personalidade de Jesus, filho de Maria e José. Talvez consigamos perceber o elevado significado do sacrifício daqueles missionári...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

ASTRÔNOMO DIZ QUE JESUS PODE TER NASCIDO EM JUNHO (*)

  Por Jorge Hessen Astrônomo diz que Jesus pode ter nascido em junho Uma pesquisa realizada por um astrônomo australiano sugere que Jesus Cristo teria nascido no dia 17 de junho e não em 25 de dezembro. De acordo com Dave Reneke, a “estrela de Natal” que, segundo a Bíblia, teria guiado os Três Reis Magos até a Manjedoura, em Belém, não apenas teria aparecido no céu seis meses mais cedo, como também dois anos antes do que se pensava. Estudos anteriores já haviam levantado a hipótese de que o nascimento teria ocorrido entre os anos 3 a.C e 1 d.C. O astrônomo explica que a conclusão é fruto do mapeamento dos corpos celestes da época em que Jesus nasceu. O rastreamento foi possível a partir de um software que permite rever o posicionamento de estrelas e planetas há milhares de anos.

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração, isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

A ESTUPIDEZ DA INTELIGÊNCIA: COMO O CAPITALISMO E A IDIOSSUBJETIVAÇÃO SEQUESTRAM A ESSÊNCIA HUMANA

      Por Jorge Luiz                  A Criança e a Objetividade                Um vídeo que me chegou retrata o diálogo de um pai com uma criança de, acredito, no máximo 3 anos de idade. Ele lhe oferece um passeio em um carro moderno e em um modelo antigo, daqueles que marcaram época – tudo indica que é carro de colecionador. O pai, de maneira pedagógica, retrata-os simbolicamente como o amor (o antigo) e o luxo (o novo). A criança, sem titubear, escolhe o antigo – acredita-se que já é de uso da família – enquanto recusa entrar no veículo novo, o que lhe é atendido. Esse processo didático é rico em miríades que contemplam o processo de subjetivação dos sujeitos em uma sociedade marcada pela reprodução da forma da mercadoria.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

DIVERSIDADE SEXUAL E ESPIRITISMO - O QUE KARDEC TEM A VER COM ISSO?

            O meio espírita, por conta do viés religioso predominante, acaba encontrando certa dificuldade na abordagem do assunto sexo. Existem algumas publicações que tentam colocar o assunto em pauta; contudo, percebe-se que muitos autores tentam, ainda que indiretamente, associar a diversidade sexual à promiscuidade, numa tentativa de sacralizar a heterocisnormatividade e marginalizar outras manifestações da sexualidade; outros, quando abrem uma exceção, ressaltam os perigos da pornografia e da promiscuidade, como se fossem características exclusivas de indivíduos LGBTQI+.