Pular para o conteúdo principal

FILOSOFIA SOCIAL ESPÍRITA

(continuação)

 

Estamos postando textos da obra (acima) do prof. Alysson Mascaro. Esse é o 3. artigo

        Também os riscos de uma filosofia social espírita são grandes. Teria o mesmo risco que qualquer filosofia cristã, ou judaica, ou muçulmana, se tratássemos o Espiritismo a partir de um aspecto religioso. Vale dizer, as filosofias que começam da ética para reexplicar o mundo têm uma grave deficiência de formação que é começar a filosofia do céu e não da Terra; o Espiritismo por essa razão não arroga a si o direito de uma filosofia necessariamente espírita ou de uma teoria social espírita. O que é certo é que o conhecimento científico do espírito implica em grandes transformações filosóficas e sociais, mas não pode haver uma filosofia espírita ao lado de uma filosofia geral, concorrendo as duas. Há uma confluência do conhecimento e da experiência humana, não há conhecimentos estanques. Aliás, estes conhecimentos estanques – filosofia cristã, etc. – acabam por deturpar, dada sua insuficiência, o próprio esteio de onde se originaram. A “política cristã”, os partidos políticos cristãos e a chamada democracia cristã na prática só fazem manchar o cristianismo. Da mesma maneira a existência do espírito como comprovação científica em nada tem o direito de conduzir a uma política espírita ou mesmo a uma ética espírita. E, dentre estes lados, o Espiritismo é tão simplesmente o lado da ciência, muito embora os espíritas se encarreguem de implicações.

            Mas a ciência espírita inegavelmente acarreta consequências para o plano social. Isto porque não se pode negar a implicação filosófica de todo o conhecimento científico. O que não dizer do impacto social do evolucionismo de Darwin, destruidor de teologias as mais variadas? Não houve, é certo, uma filosofia darwinista, mas houve sim o impacto de Darwin no pensamento filosófico e social. Da mesma maneira, não há uma filosofia social espírita, mas há o impacto do Espiritismo na compreensão filosófica e social.

O primeiro destes impactos diz respeito ao caráter infinito do espírito. O problema valorativo se altera profundamente com a ciência do espírito. Não há mais a perspectiva da vida finita, abre-se a porta da totalidade, inscrevem-se os limites nos sem-fim. Só com o Espiritismo podem fazer mínimo sentido as bem-aventuranças do Cristo. Sem o Espiritismo, elas parecem sadismo divino.

            A compreensão do espírito também faz cair por terra todo antropomorfismo teológico. A ciência do espírito demonstra que não há associação necessária da imagem do homem à imagem de Deus. Como espírito, o homem é originalmente uma nulificação, simples e ignorante. Poder-se-á avaliar o impacto de tal conceito espírita à descoberta do evolucionismo do homem a partir dos primatas. Não é com Deus que se assemelha o homem, é ao macaco, diriam os evolucionistas. Da mesma forma, se o Espiritismo quiser ser iconoclasta, pode completar dizendo que, enquanto dado inicial da existência, o espírito tem o exato oposto da onisciência divina – o espírito é simples e ignorante.

            As perspectivas sociais que se intitularam nestes últimos séculos de cristãs não se sustentam em face do conhecimento científico espírita. Os laços de solidariedade não devem se dados pela hipótese de serem todos os homens vindos de Adão. Qualquer ética deverá se fundar em outras instâncias.

            Da mesma forma, o entendimento dos laços passados e futuros do espírito faz desmoronar a ideia de que Deus dê a cada qual uma cruz e que se deve carrega-la inexoravelmente nesta vida. A pobreza e a miséria não são da conta de Deus pai vingador. Instaura-se a responsabilidade da humanidade por si mesma. A partir daí, não há justo título reconhecido pelo altar da divindade: a existência social humana é passível de discussão e de indagação.

            Talvez neste ponto resida a grande contribuição espírita para o debate filosófico social: o Espiritismo libera a humanidade, finalmente, destas “razões” da natureza humana, principalmente as religiosas. Não há que se dizer de uma lógica social para uma vida, não há que se pensar que o extermínio e a morte acabam com a existência – portanto a “purificação”, a salvação e a despreocupação com as implicações humanas para além morte estão deslegitimadas -, e não há que se dizer a respeito de uma natureza divina do homem que funda as mais torpes moralidades, ao mesmo tempo hipócritas e orgulhosas.

            O que poderá dizer a ciência do espírito a respeito da organização social? Enquanto conhecimento estrito da existência do espírito, muito pouco. No entanto, o Espiritismo tem um caráter asséptico das questões espirituais, e, é certo, nas consequências ético-morais do seu conhecimento, implicará numa profunda transformação social. É preciso indagar, pois, a respeito da derivação ético-moral do Espiritismo.

                                                                                                             (continua)

 

fonte: Cristianismo Libertador, Alysson Mascaro, editora Comenius.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

O CERNE DA QUESTÃO DOS SOFRIMENTOS FUTUROS

      Por Wilson Garcia Com o advento da concepção da autonomia moral e livre-arbítrio dos indivíduos, a questão das dores e provas futuras encontra uma nova noção, de acordo com o que se convencionou chamar justiça divina. ***   Inicialmente. O pior das discussões sobre os fundamentos do Espiritismo se dá quando nos afastamos do ponto central ou, tão prejudicial quanto, sequer alcançamos esse ponto, ou seja, permanecemos na periferia dos fatos, casos e acontecimentos justificadores. As discussões costumam, normalmente e para mal dos pecados, se desviarem do foco e alcançar um estágio tal de distanciamento que fica impossível um retorno. Em grande parte das vezes, o acirramento dos ânimos se faz inevitável.

A FÉ COMO CONTRAVENÇÃO

  Por Jorge Luiz               Quem não já ouviu a expressão “fazer uma fezinha”? A expressão já faz parte do vocabulário do brasileiro em todos os rincões. A sua história é simbiótica à história do “jogo do bicho” que surgiu a partir de uma brincadeira criada em 1892, pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador do zoológico do Rio de Janeiro. No início, o zoológico não era muito popular, então o jogo surgiu para incentivar as visitas e evitar que o estabelecimento fechasse as portas. O “incentivo” promovido pelo zoológico deu certo, mas não da maneira que o barão imaginava. Em 1894, já era possível comprar vários bilhetes – motivando o surgimento do bicheiro, que os vendia pela cidade. Assim, o sorteio virou jogo de azar. No ano seguinte, o jogo foi proibido, mas aí já tinha virado febre. Até hoje o “jogo do bicho” é ilegal e considerado contravenção penal.

CONFLITOS E PROGRESSO

    Por Marcelo Henrique Os conflitos estão sediados em dois quadrantes da marcha progressiva (moral e intelectual), pois há seres que se destacam intelectualmente, tornando-se líderes de sociedades, mas não as conduzem com a elevação dos sentimentos. Então quando dados grupos são vencedores em dadas disputas, seu objetivo é o da aniquilação (física ou pela restrição de liberdades ou a expressão de pensamento) dos que se lhes opõem.

“TUDO O QUE ACONTECER À TERRA, ACONTECERÁ AOS FILHOS DA TERRA.”

    Por Doris Gandres Esta afirmação faz parte da carta que o chefe índio Seattle enviou ao presidente dos Estados Unidos, Franklin Pierce, em 1854! Se não soubéssemos de quem e de quando é essa declaração poder-se-ia dizer que foi escrita hoje, por alguém com bastante lucidez para perceber a interdependência entre tudo e todos. O modo como vimos agindo na nossa relação com a Natureza em geral há muitos séculos, não apenas usando seus recursos, mas abusando, depredando, destruindo mananciais diversos, tem gerado consequências danosas e desastrosas cada vez mais evidentes. Por exemplo, atualmente sabemos que 10 milhões de toneladas de plásticos diversos são jogadas nos oceanos todo ano! E isso sem considerar todas as outras tantas coisas, como redes de pescadores, latas, sapatos etc. e até móveis! Contudo, parece que uma boa parte de nós, sobretudo aqueles que priorizam seus interesses pessoais, não está se dando conta da gravidade do que está acontecendo...

FUNDAMENTALISMO AFETA FESTAS JUNINAS

  Por Ana Cláudia Laurindo   O fundamentalismo religioso tenta reconfigurar no Brasil, um país elaborado a partir de projetos de intolerância que grassam em pequenos blocos, mas de maneira contínua, em cada situação cotidiana, e por isso mesmo, tais ações passam despercebidas. Eles estão multiplicando, por isso precisamos conhecer a maneira com estas interferências culturais estão atuando sobre as novas gerações.

NÃO SÃO IGUAIS

  Por Orson P. Carrara Esse é um detalhe imprescindível da Ciência Espírita. Como acentuou Kardec no item VI da Introdução de O Livro dos Espíritos: “Vamos resumir, em poucas palavras, os pontos principais da doutrina que nos transmitiram”, sendo esse destacado no título um deles. Sim, porque esse detalhe influi diretamente na compreensão exata da imortalidade e comunicabilidade dos Espíritos. Aliás, vale dizer ainda que é no início do referido item que o Codificador também destaca: “(...) os próprios seres que se comunicam se designam a si mesmos pelo nome de Espíritos (...)”.

JESUS TEM LADO... ONDE ESTOU?

   Por Jorge Luiz  A Ilusão do Apolitismo e a Inerência da Política Há certo pedantismo de indivíduos que se autodenominam apolíticos como se isso fosse possível. Melhor autoafirmarem-se apartidários, considerando a impossibilidade de se ser apolítico. A questão que leva a esse mal entendido é que parte das pessoas discordam da forma de se fazer política, principalmente pelo fato instrumentalizado da corrupção, que nada tem do abrangente significado de política. A política partidária é considerada quando o indivíduo é filiado a alguma agremiação religiosa, ou a ela se vincula ideologicamente. Quanto ao ser apolítico, pensa-se ser aquele indiferente ou alheio à política, esquecendo-se de que a própria negação da política faz o indivíduo ser político.

TEMOS FORÇA POLÍTICA ENQUANTO MULHERES ESPÍRITAS?

  Anália Franco - 1853-1919 Por Ana Cláudia Laurindo Quando Beauvoir lançou a célebre frase sobre não nascer mulher, mas tornar-se mulher, obviamente não se referia ao fato biológico, pois o nascimento corpóreo da mulher é na verdade, o primeiro passo para a modelagem comportamental que a sociedade machista/patriarcal elaborou. Deste modo, o sentido de se tornar mulher não é uma negação biológica, mas uma reafirmação do poder social que se constituiu dominante sobre este corpo, arrastando a uma determinação representativa dos vários papéis atribuídos ao gênero, de acordo com as convenções patriarcais, que sempre lucraram sobre este domínio.