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ENTREVISTA ALYSSON LEANDRO MASCARO

 


Na sessão inaugural de entrevista em janeiro de 2015, o professor de direito e palestrante espírita Alysson Leandro Mascaro concedera entrevista ao Jornal.

Intitulado como o jurista da esperança, Alysson Mascaro é um dos grandes nomes da filosofia do direito no Brasil, formando e liderando a sua mais destacada escola de pensamento jurídico crítico. Advogado e parecerista em São Paulo, autor de mais de dez livros, com destaque para “Cristianismo Libertador”, “Estado e a Forma política”, “Filosofia do Direito” e Crítica da Legalidade e do Direito Brasileiro”.

Na entrevista relata sua formação dentro do espiritismo, seu engajamento na luta contra as injustiças sociais, a função do jurista como transformador da sociedade, além de estabelecer reflexões acerca do caráter eminentemente científico do espiritismo, e a contingencialidade histórica que transformou a doutrina espírita em uma doutrina cristã, reflexões estas contidas e amplamente debatidas em seu livro o Cristianismo Libertador.

Crítica Espírita—Narre sua trajetória no espiritismo.

Alysson Leandro Mascaro – Falarei de minha formação. Nasci em uma família espírita, no interior de São Paulo; cresci nesse ambiente. O contexto espírita no qual me desenvolvi era bastante contagiante em termos de horizonte moral e, ao mesmo tempo, muito aberto em termos principiológicos. Hoje, fazendo uma classificação retrospectiva, diria se tratar de uma espécie de comunidade cristã muito sincera, numa mistura ao mesmo tempo conservadora nas práticas e liberal em termos de visão de mundo, a meio caminho de um franciscanismo ou de uma religião da libertação. Não era um espiritismo dos mais costumeiros. A instituição espírita, imensa, se estabelecia ao lado de uma favela, com um trabalho muito intenso junto a tal comunidade. Cresci no trabalho assistencial e vivendo a realidade de um ambiente social extremamente sofrido. Além disso, quando adolescente, tive contato muito próximo também com o mais pobre asilo de velhos da região. Essa experiência dos meus anos de criança e adolescente me forjou. Quanto ao plano intelectual, havia a ideia de que o Espiritismo devesse ser uma moral melhorada, o melhor cristianismo em termos de valores de mundo, sem a hipocrisia das religiões. Além disso, o conhecimento que se apresentava se pretendia científico e filosófico. Essa base anunciava, para quem o quisesse, o progresso do saber como uma diretriz. Perdi a conta, nos meus anos de infância e adolescência, de quantos livros li, na casa das centenas. Assim cresci, ao lado da pobreza e dos livros.

C.E.- Foi difícil para você, vindo de uma formação espírita, chegar ao materialismo dialético?

A.L.M. – Sempre fui de esquerda. Desde cedo tive sensibilidade extremada à dor da injustiça social. Quando, de criança, me engajei no ambiente caritativo, este sentimento foi decisivo para depois alicerçar minha visão teórica de mundo. Deu-me solidamente o lado em que estou e de onde concebo o mundo. Acumulei tanto a experiência de estar ao lado dos que nada tinham quanto, com o passar do tempo, a compreensão política dos mecanismos que constituem a sociedade. Quando ingressei na faculdade, já era socialista. No plano existencial e prático, ser contra as explorações e a favor da transformação social é um dever do espírita. É uma aberração um cristão ou um espírita que defendam o capitalismo, a riqueza ou o poder. No plano teórico, se o espiritismo é uma ciência, ele deve abraçar todo progresso do saber. A psicanálise e o marxismo, por exemplo, são-lhe campos necessários. Desde o século XIX, com o marxismo, descobriu-se o grande continente da história e da sociedade. É portanto imperioso estar a par e angariar o melhor dos saberes.

 

C.E.—Você diz no seu livro “Cristianismo libertador” que o espiritismo não é cristão e que essa vinculação é um acaso histórico.

Explique sua posição. A.L.M. – Se o espiritismo é a ciência do espírito, qualquer manifestação moral não lhe é estrutural, e sim contingencial. Assim, pelo acaso dos espíritas serem ocidentais, são eles cristãos, ainda que de um certo cristianismo pós-iluminista, propondo nos meados do século XIX uma religião natural. O espiritismo é ciência como a química. Se há químico cristão, a química não é cristã.

C.E.—O que pensar então da interpretação do espiritismo como terceira revelação?

A.L.M. – Uma ciência não trabalha com revelação, mas sim com descoberta. Assim sendo, todo o linguajar do século XIX deve ser lido nesse diapasão.

C.E.—Você tem constatado que o espiritismo se apoiou na tradição da religião natural. Ainda é possível partir desse paradigma como base teórica?

A.L.M. – Propor uma religião natural foi a tentativa do Iluminismo nos séculos XVII e XVIII. Com isso, combatia-se a revelação como fonte da moral e os anacronismos irracionais e as guerras entre religiões proselitistas daí advindas. Perto do religiosismo que ainda grassa no mundo, a religião natural é um belo paradigma. Mas toda a evolução do conhecimento nos séculos XIX e XX põe o conhecimento sobre o ser humano, seu comportamento, sua ação moral e suas práticas em novos patamares. A religião natural deve ser tomada como uma experiência típica do contexto iluminista, melhor que o passado e aquém do presente.

C.E.—Você defende a ideia que o núcleo do espiritismo é a ciência, e afirma que se algum dia a ciência demonstrar que não existe o espírito, então o espiritismo não tem mais razão de ser. Bom, nossa cultura científica é amplamente materialista e já desacredita o espírito e a dimensão espiritual. O que pensar disso?

A.L.M. – Não há ciência sem concretude e materialidade. Ela trabalha com factualidade, prova, causalidade. Neste sentido, pode-se então falar da ciência do espírito como campo de investigação, legitimado a partir de indícios e sugestões. Quando houver, a prova do espírito só poderá ser científica e, portanto, material.

C.E.—Existem várias formas de ser espírita?

A.L.M. – Tantas quanto as formas de ser médico, químico, matemático, astrônomo, técnico em eletrônica etc.

C.E.— Você tem trabalhado com a ideia de que o Estado e o Direito representam o status quo da sociedade. Qual o papel do jurista face às injustiças e violências dos nossos tempos?

A.L.M. – O papel do jurista é se engajar na transformação do mundo, não como jurista, mas sim como batalhador das causas do povo e da superação do mundo capitalista.

C.E.- Não é uma contradição ser jurista numa sociedade onde o direito representa a garantia das violência.

A.L.M. – Sim, e isso está não só no jurista, mas em todas as profissões, práticas e ações de nossa sociabilidade. O capitalismo planta, de ponta a ponta, a contradição. O cortador de cana lavra a terra para uma mercadoria cuja finalidade pouco importa à sociedade. A professora educa para habilidades técnicas. O jurista age para a eterna circulação das mercadorias, dando a propriedade aos seus donos. É preciso escapar totalmente do caleidoscópio da mercadoria.

C.E.—Você aceitou participar do EJE-ES*. Como o enxerga e qual a importância deste tipo de evento?

A.L.M. – Em primeiro lugar, será uma alegria voltar mais uma vez ao Espírito Santo e rever amigos fraternos e encontrar e falar aos novos companheiros. Além disso, é fundamental abrir o espaço de encontro entre pessoas com o firme propósito de avançar no conhecimento e no transbordar de um sólido saber em favor da transformação social

*( Encontro Jurídico Espírita do Espírito Santo).

 Entrevista publicada na edição de Janeiro de 2015, Ano I, Volume I.

 

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