Pular para o conteúdo principal

A TRANSFORMAÇÃO ESPÍRITA

 


                O conhecimento científico da realidade espiritual permite desvendar uma das últimas barreiras para a compreensão da natureza humana: a existência espiritual. Trata-se, pois, de uma verdadeira revolução, posto que tal realidade espiritual foi negada durante boa parte da história da racionalidade da civilização. De um lado, negada pela teologia, que tem com a vida após a morte do corpo uma confusa relação de exaltação e repressão. Do outro lado, negada pelas estruturas das relações sociais que nunca permitiu ao homem desvendar-se para além da sua condição de utensílio, da sua condição de ser para a produção, para a exploração. A libertação humana, que é o seu tornar-se pleno, ainda hoje é negada e reprimida por uma humanidade que tem a negação em si mesmo como modo de vida.

            O conhecimento espírita é necessariamente progressista, transformador. Transformador na medida em que possibilita ao homem uma radical compreensão de si mesmo. Progressista porque liberta a humanidade do estágio do misticismo e dogmatismo religioso e inaugura, no que diz respeito à vida após a morte, a ciência do espírito. O projeto espírita é um projeto de transformação radical da humanidade. Muito porque se constitui em um conhecimento sobre a natureza humana. Mas também porque implica na compreensão da história do homem, porque implica em seus valores e sua práxis.

            É preciso ressaltar este caráter libertador do Espiritismo. Nosso mundo contemporâneo assiste a um momentâneo assalto do conservadorismo no domínio da compreensão humana. Se todo o século XX viveu tragédias e horrores, se viveu duas Grandes Guerras e tanta miséria, viveu também tentativas louváveis de libertação – econômica, social, democrática, psicológica, moral, ética. Nesta virada de século e milênio, estamos vivendo um momento reacionário, de muita perda de conquistas racionais, de desmobilização e de desconscientização. Não é à toa que vai imperando no Brasil atual, o misticismo, o religiosismo barato que se traveste de shows e fanatismo, guerra por fiéis, etc. O movimento espírita foi, para nossa realidade brasileira do século XX, uma feliz experiência de estudo sério e trabalho contínuo de libertação. Os exemplos de um cristianismo simples, humilde e desprovido de interesses materiais não podem se apagar de nossa memória, e os houve em grande número. No entanto, a nossa virada de milênio parece estar permeada, socialmente, pelo frívolo, pela mesquinharia, pelo religiosismo feito produto mercadológico barato.

            Mas é preciso estacar momentaneamente nossos passos e refletir. É preciso buscar as sendas e os sentidos de nossa existência, como forma de compreensão da situação humana e como modo de melhor empreender os intuitos da transformação humana. É preciso ver, ainda, que a existência do espírito imortal não foi totalmente absorvida, como revolução para a humanidade.

            A imortalidade do espírito, comprovada fartamente pela ciência espírita, e aos poucos tendo que ser sumamente aceita pela ciência tecnicista, implica em um mundo novo de compreensão do homem. É de se dizer que a ciência do espírito está em sua mais tenra infância. Se esta ciência fosse um ser humano, poder-se-ia dizer com folga que não passou do primeiro ano de vida. No entanto, esse rebento de alguns dias, quanta novidade e quanta alteração ocasionou.

            A morte do corpo como o limite da existência humana está definitivamente superada a partir de uma razoável compreensão espírita. Não há que se temer pelo nada. Há uma vida infinita, a vida do espírito. Muito isto implica em nossa vida cotidiana.

            As religiões, tradicionais explicadoras do mundo e pregadoras do certo e errado, viram desmoronar seus dogmatismos século a século por meio dos avanços da ciência. Sem o apoio numa ciência do espírito – vale dizer, sem trabalharem cientificamente com a imortalidade da alma e a reencarnação – todo o discurso tradicional das religiões, que refuta a ciência, está fadado a momento passado da história humana. A ciência do espírito serve de fim de qualquer teologia tradicional. Além disso, já há muito a filosofia denuncia o caráter irracional de Deus das religiões tradicionais. Nenhum Deus minimamente razoável pode-se apoiar no dogmatismo dessas religiões. Sem que haja uma vida infinita e múltipla, toda a existência humana nasce sob o estigma de uma injustiça insolúvel, injustiça de condições, injustiça de possibilidades. A assim tratar da questão é de melhor razoabilidade esquecer-se da questão divina.

            Se deus atualmente não encontra abrigo nas ciências, nas religiões está confinando em desconfortável local. Por isso, é preciso varrer as infelizes experiências de moral que insistem num mundo terreno injusto e ao mesmo tempo num Deus de justiça, sem outras explicações mais. Nenhuma religião pode sustentar qualquer moral sem ter por conta da comprovação da imortalidade do espírito e da reencarnação. E sustentar a ciência do espírito representa, no fundo, o fim das próprias religiões tradicionais e de suas moralidades. E o Espiritismo, como já dizia Conan Doyle, não é só pura e simplesmente a destruição das religiões: ele é principalmente a tábua de salvação das sinceras e verdadeiras moralidades. No sistema das religiões, sendo o homem um ser de uma chance de vida, está sempre em prova – na maior parte delas o homem é tido como um pecador – e, com uma só vida, nasce saído de condições distintas tendo que chegar a um mesmo fim! Se o Deus das religiões dá a partida da corrida da vida determinando lugares injustos e diferentes para cada qual, e cobra de todos o mesmo no final, só resta uma batalha individual da fé e da crença para a salvação. A injustiça divina, que é o fundo inconsciente e prático do sentimento religioso, gera o individualismo, que é a base do egoísmo, que por sua vez é o antípoda da verdadeira solidariedade e do amor fraternal.

            O mundo ainda hoje não se acostumou a viver sob o império da libertação. Viveu milênios sob a tutela das religiões, que ditaram mundos mais fantasiosos como determinantes metafísicos do homem. Viver sob a ciência ainda hoje parece ser difícil. Não é difícil viver sob a ciência da técnica, daquela que está a serviço da produção de bens, do consumismo, da alienação. A esta ciência tecnicista a multidão acorre a acompanha-la. Difícil é viver sob a ciência da libertação sobre a compreensão verdadeiramente racional do mundo e da vida, crítica e não meramente instrumental. O conhecimento científico espírita aí se inscreve. Não é sucedâneo religioso com alguma folga, nem uma ciência em contraposição a outras, é apenas um objeto específico da própria ciência. O conhecimento científico espírita nada tem a ver com as religiões passadas, nem é seu sucessor. O Espiritismo instaura a ciência do espírito, a libertadora compreensão do homem como ser espiritual.

            A libertação espírita é irmã da libertação moral, da libertação econômica, da libertação dos padrões sociais autoritários, da libertação sexual, da libertação das relações sociais, da libertação do verdadeiro amor universal. Todas as libertações foram incompreendidas. Várias viraram novas moralidades, diferentes das antigas mas ainda falsas e chãs, ou inverteram o autoritarismo trocando seus dominadores, ou criaram novas dependências humanas. No entanto, o esforço por se fazerem compreendidas ainda está no seu início. O costume de andar de pé demora um razoável tempo para uma humanidade que social, intelectual, moral e espiritualmente até pouco tempo atrás andou rastejando e pouco tempo faz que começou a andar de joelhos.

            Inscrever o Espiritismo na rota da libertação é urgência de todos nós. Destampamos o inconsciente, destampamos a psique, destampamos a ideologia, destampamos a alienação, destampamos a exploração econômica, destampamos até o último cromossomo a genética. O espírito já foi destampado, olhemos, pois, o que havia sob a tampa dos milênios.

 

Fonte: Cristianismo Libertador, Alysson Mascaro, editora Comenius

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

DEUS¹

  No átimo do segundo em que Deus se revela, o coração escorrega no compasso saltando um tom acima de seu ritmo. Emociona-se o ser humano ao se saber seguro por Aquele que é maior e mais pleno. Entoa, então, um cântico de louvor e a oração musicada faz tremer a alma do crente que, sem muito esforço, sente Deus em si.

SOCIALISMO E ESPIRITISMO: Uma revista espírita

“O homem é livre na medida em que coloca seus atos em harmonia com as leis universais. Para reinar a ordem social, o Espiritismo, o Socialismo e o Cristianismo devem dar-se nas mãos; do Espiritismo pode nascer o Socialismo idealista.” ( Arthur Conan Doyle) Allan Kardec ao elaborar os princípios da unidade tinha em mente que os espíritas fossem capazes de tecer uma teia social espírita , de base morfológica e que daria suporte doutrinário para as Instituições operarem as transformações necessárias ao homem. A unidade de princípios calcada na filosofia social espírita daria a liga necessária à elasticidade e resistência aos laços que devem unir os espíritas no seio dos ideais do socialismo-cristão. A opção por um “espiritismo religioso” fundado pelo roustainguismo de Bezerra Menezes, através da Federação Espírita Brasileira, e do ranço católico de Luiz de Olympio Telles de Menezes, na Bahia, sufocou no Brasil o vetor socialista-cristão da Doutrina Espírita. Telles, ao ...

SOBRE ATALHOS E O CAMINHO NA CONSTRUÇÃO DE UM MUNDO JUSTO E FELIZ... (1)

  NOVA ARTICULISTA: Klycia Fontenele, é professora de jornalismo, escritora e integrante do Coletivo Girassóis, Fortaleza (CE) “Você me pergunta/aonde eu quero chegar/se há tantos caminhos na vida/e pouca esperança no ar/e até a gaivota que voa/já tem seu caminho no ar...”[Caminhos, Raul Seixas]   Quem vive relativamente tranquilo, mas tem o mínimo de sensibilidade, e olha o mundo ao redor para além do seu cercado se compadece diante das profundas desigualdades sociais que maltratam a alma e a carne de muita gente. E, se porventura, também tenha empatia, deseja no íntimo, e até imagina, uma sociedade que destrua a miséria e qualquer outra forma de opressão que macule nossa vida coletiva. Deseja, sonha e tenta construir esta transformação social que revolucionaria o mundo; que revolucionará o mundo!

ESPIRITISMO E POLÍTICA¹

  Coragem, coragem Se o que você quer é aquilo que pensa e faz Coragem, coragem Eu sei que você pode mais (Por quem os sinos dobram. Raul Seixas)                  A leitura superficial de uma obra tão vasta e densa como é a obra espírita, deixada por Allan Kardec, resulta, muitas vezes, em interpretações limitadas ou, até mesmo, equivocadas. É por isso que inicio fazendo um chamado, a todos os presentes, para que se debrucem sobre as obras que fundamentam a Doutrina Espírita, através de um estudo contínuo e sincero.

O AUTO-DE-FÉ E A REENCARNAÇÃO DO BISPO DE BARCELONA¹ (REPOSTAGEM)

“Espíritas de todos os países! Não esqueçais esta data: 9 de outubro de 1861; será marcada nos fastos do Espiritismo. Que ela seja para vós um dia de festa, e não de luto, porque é a garantia de vosso próximo triunfo!”  (Allan Kardec)             Por Jorge Luiz                  Cento e sessenta e três anos passados do Auto-de-Fé de Barcelona, um dos últimos atos do Santo Ofício, na Espanha.             O episódio culminou com a apreensão e queima de 300 volumes e brochuras sobre o Espiritismo - enviados por Allan Kardec ao livreiro Maurice Lachâtre - por ordem do bispo de Barcelona, D. Antonio Parlau y Termens, que assim sentenciou: “A Igreja católica é universal, e os livros, sendo contrários à fé católica, o governo não pode consentir que eles vão perverter a moral e a religião de outros países.” ...

É HORA DE ESPERANÇARMOS!

    Pé de mamão rompe concreto e brota em paredão de viaduto no DF (fonte g1)   Por Alexandre Júnior Precisamos realmente compreender o que significa este momento e o quanto é importante refletirmos sobre o resultado das urnas. Não é momento de desespero e sim de validarmos o esperançar! A História do Brasil é feita de invasão, colonização, escravização, exploração e morte. Seria ingenuidade nossa imaginarmos que este tipo de política não exerce influência na formação do nosso povo.

O ESPIRITISMO É PROGRESSISTA

  “O Espiritismo conduz precisamente ao fim que se propõe todos os homens de progresso. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecer, eles não se encontrem em certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem - a mão para marchar, na mesma rota ao encontro de seus inimigos comuns: os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.”   Revista Espírita – junho de 1868, (Kardec, 2018), p.174   Viver o Espiritismo sem uma perspectiva social, seria desprezar aquilo que de mais rico e produtivo por ele nos é ofertado. As relações que a Doutrina Espírita estabelece com as questões sociais e as ciências humanas, nos faculta, nos muni de conhecimentos, condições e recursos para atravessarmos as nossas encarnações como Espíritos mais atuantes com o mundo social ao qual fazemos parte.

OS ESPÍRITAS E OS GASPARETTOS

“Não tenho a menor pretensão de falar para quem não quer me ouvir. Não vou perder meu tempo. Não vou dar pérolas aos porcos.” (Zíbia Gaspareto) “Às vezes estamos tão separados, ao ponto de uma autoridade religiosa, de um outro culto dizer: “Os espíritas do Brasil conseguiram um prodígio:   conseguiram ser inimigos íntimos.” ¹ (Chico Xavier )                            Li com interesse a reportagem publicada na revista Isto É , de 30 de maio de 2013, sobre a matéria de capa intitulada “O Império Espírita de Zíbia Gasparetto”. (leia matéria na íntegra)             A começar pelo título inapropriado já que a entrevistada confessou não ter religião e autodenominou-se ex-espírita , a matéria trouxe poucas novidades dos eventos anteriores. Afora o movimento financeiro e ...