Pular para o conteúdo principal

EXPERIÊNCIAS POLÍTICAS COM O LIVRO DOS ESPÍRITOS

 


Pensando no Livro dos Espíritos e recusando seguir a formalidade de apenas citar perguntas e resposta, porque me parece demasiado clichê agir assim, mesmo quando escrevemos em períodos pontuais. Refleti, no entanto, sobre a importância de tê-lo à cabeceira quando vivi a agonia de um luto e bebi palavras feito soluções alquímicas que transformavam insônia em descanso. Agradecia a presença de Allan Kardec e espíritos devotados à instrução sobre nós mesmos, em forças e fragilidades próprias de quem caminha evolutivamente.

Muitas vezes assediada por situações que colocavam em cheque as escolhas feitas, encontrei em palavras a recompensa pelas renúncias e portas que fechei, na compreensão do que os olhos comuns não enxergavam. Viver é um processo demasiado importante para colocarmos nossas almas em mãos alheias! O valor de ser livre se manifesta sobejamente nas ciências do infinito, nos rumos da imortalidade da alma.

Filosofia espiritualista! Lindo eco cósmico! Digno de tantas poesias quanto a anunciada vitória da vida provoca levantes de esperança em meio à dor, sofrimentos atrozes e cenários de desespero. A vida venceu, isso é mais que tudo!

Mas é pensando na conjuntura espírita brasileira que parei o olhar na questão 74, e como ouvinte de palestras doutrinárias li a pergunta: “Pode estabelecer-se uma linha de separação entre instinto e a inteligência, isto é, precisar onde um acaba e começa a outra?”

Resposta: “Não, porque muitas vezes se confundem. Mas, muito bem se podem distinguir os atos que decorrem do instinto dos que são da inteligência”.

Será ato da inteligência negar a responsabilidade política dos cidadãos encarnados?

Será móvel do instinto fomentar políticas humanas de destruição dos corpos vulneráveis?

Move minhas inquietações o cenário da necropolítica brasileira.  Meu desejo de perceber a inteligência como requisito de elevação dos espíritos instiga a busca, a leitura, análise e questionamentos comparativos muitas vezes solitários.

Afinal, o Livro dos Espíritos é uma espécie de ancoradouro nas solidões literárias angustiadas ou curiosas. Quero lidar melhor com a ideia de espírito encarnado e desencarnado como um conceito integralizador, afinal, se o ser desencarnado continua vivendo, a inteligência, que também é algo imaterial segue com ele pela erraticidade.

Estanco na questão 76: “Que definição se pode dar dos Espíritos?”

Resposta: ” Pode-se dizer que os Espíritos são os seres inteligentes da criação. Povoam o Universo, fora do mundo material.”

Inquietação aumenta. Como pudemos, enquanto seres inteligentes da criação promover tantas destruições ao longo da história humana? Como conseguimos ajustar esta inteligência a sistemas predatórios que não perdoam nenhuma forma de vida, extraindo de todas elas a própria essência, para gerar condições de domínio?  Feudalismo, mercantilismo, capitalismo, liberalismo, e outras vertentes interligadas, geradoras de opressão e morte, tanto quanto de riqueza e mando.

Este perfil político negado e atuante, inerente às sociedades que criamos, permanece com os espíritos desencarnados? Ou esfumaça com a experiência corpórea? Onde vivemos quando desencarnamos? teremos outras formas de vivências coletivas?

A questão 84 pergunta: “Os espíritos constituem um mundo à parte, fora daquele que vemos?”

Resposta: Sim, o mundo dos Espíritos, ou das inteligências incorpóreas”.

85 : “Qual dos dois, o mundo espírita ou o mundo corpóreo, é o principal, na ordem das coisas?”

Resposta: “O mundo espírita, que preexiste e sobrevive a tudo”.

Opa! Tem algo muito grande nesta resposta! Se o mundo espírita ou a erraticidade de onde viemos e para onde voltamos é a referência mais forte de território existencial para os espíritos, é lá que se encontra o princípio de tudo o que trouxemos para organizar a sociedade terrena.

Nesta sociedade material na forma como a compreendemos, nós espíritos atuamos com vistas a colocar a inteligência como recurso de melhoramento coletivo, beneficiando assim a vida como um processo contínuo de elevação moral, política, educacional, cultural, e tudo o que amplia a base civilizatória da humanidade.

Cada vez mais aumentam as evidências racionais de que a evolução humana não é resultante de processos religiosos, mas políticos, haja vista encontrarmos esta energia de impulsionamento em cada situação vivida, construída, dilatada coletivamente!

A ligação intrínseca entre os mundos nos quais habitamos, pelos quais passamos, amealhando experiências, aprendizados, reconfigurando nossa subjetividade, nos amadurecem o ser, predispondo-nos a alcances humanitários e espirituais simbolizados nos termos mais elevados para designar a bondade, a pureza, o amor.

A cultura religiosa disseminada na Terra nos confunde muito mais do que esclarece, principalmente quando trabalha pensamentos de salvação, resultantes de negociações comportamentais com um Deus exigente, rigoroso, castrador , que sente expressivo prazer em humilhar os seres.

O resgate da união com a fonte criadora como expressão sagrada, ganha forma e força nas ações cotidianas, em cuidados reais com a vida em suas multiformes manifestações. Evoluímos na utilidade, e podemos evoluir com maior impulso quando transferirmos o empenho religiosista para as questões de humanidade e espiritualidade, de maneira integrada, ética, em expressão de amor cósmico.

Questão 149: “O que sucede à alma no instante da morte?”

Resposta: “Volta a ser Espírito, isto é, volve ao mundo dos Espíritos, donde se apartara momentaneamente.”

Imagino então esse mundo pleno, dinâmico, distante da concepção religiosa de salvação individualista pautada em sacrifícios corporais, separações, distinções sociais e outras tantas.

Questão 150: “A alma, após a morte, conserva a sua individualidade?”

Resposta: Sim; jamais a perde. Que seria ela, se não a conservasse? ”

Esta plenitude consciencial da individualidade de cada ser espiritual nos mundos incorpóreos se dará no vácuo? Não existirão relações? Como podem existir relações sem outros seres, com suas problemáticas e energias próprias?

Algumas questões do Livro dos Espíritos me trouxeram perguntas para muitas horas dessa vida, e assim prosseguirei em ritmo de estudo, pesquisa, crente de que o aprendizado não é resultado de meras repetições daquilo que foi escrito.

O que faltou ser interpretado nos aguarda! Nos instiga! Viver é um processo vitorioso, mas para conseguirmos usufruir benefícios deste fato carecemos de partilha.

Nossa existência não prescinde a energia do amor, e este fluxo impulsionador move a ciência, a tecnologia, os processos cognitivos e gera o alimento intelectual que desafia o cérebro humano.

A política evolutiva é libertadora! Com as contribuições legítimas de Allan Kardec e sua partilha das vozes dos espíritos podemos mergulhar nesta seara de descobertas cada vez mais promissora.

Como é maravilhoso sentir-se parte desta luz!

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

PESTALOZZI E KARDEC - QUEM É MESTRE DE QUEM?¹

Por Dora Incontri (*) A relação de Pestalozzi com seu discípulo Rivail não está documentada, provavelmente por mais uma das conspirações do silêncio que pesquisadores e historiadores impõem aos praticantes da heresia espírita ou espiritualista. Digo isto, porque há 13 volumes de cartas de Pestalozzi a amigos, familiares, discípulos, reis, aristocratas, intelectuais da Europa inteira. Há um 14º volume, recentemente publicado, que são cartas de amigos a Pestalozzi. Em nenhum deles há uma única carta de Pestalozzi a Rivail ou vice-versa. Pestalozzi sonhava implantar seu método na França, a ponto de ter tido uma entrevista com o próprio Napoleão Bonaparte, que aliás se mostrou insensível aos seus planos. Escreveu em 1826 um pequeno folheto sobre suas ideias em francês. Seria quase impossível que não trocasse sequer um bilhete com Rivail, que se assinava seu discípulo e se esforçava por divulgar seu método em Paris. Pestalozzi, com seu caráter emotivo e amoroso, não era de ...

TRÍPLICE ASPECTO: "O TRIÂNGULO DE EMMANUEL"

                Um dos primeiros conceitos que o profitente à fé espírita aprende é o tríplice aspecto do Espiritismo – ciência, filosofia e religião.             Esse conceito não se irá encontrar em nenhuma obra da codificação espírita. O conceito, na realidade, foi ditado pelo Espírito Emannuel, psicografia de Francisco C. Xavier e está na obra Fonte de Paz, em uma mensagem intitulada Sublime Triângulo, que assim se inicia:

EU POSSO SER MANIPULADO. E VOCÊ, TAMBÉM PODE?

  Por Maurício Zanolini A jornalista investigativa Carole Cadwalladr voltou à sua cidade natal depois do referendo que decidiu pela saída da Grã-Bretanha da União Europeia (Brexit). Ela queria entender o que havia levado a maior parte da população da pequena cidade de Ebbw Vale a optar pela saída do bloco econômico. Afinal muito do desenvolvimento urbanístico e cultural da cidade era resultado de ações da União Europeia. A resposta estava no Facebook e no pânico causado pela publicidade (postagens pagas) que apareciam quando as pessoas rolavam suas telas – memes, anúncios da campanha pró-Brexit e notícias falsas com bordões simplistas, xenofobia e discurso de ódio.

UM POUCO DE CHICO XAVIER POR SUELY CALDAS SCHUBERT - PARTE II

  6. Sobre o livro Testemunhos de Chico Xavier, quando e como a senhora contou para ele do que estava escrevendo sobre as cartas?   Quando em 1980, eu lancei o meu livro Obsessão/Desobsessão, pela FEB, o presidente era Francisco Thiesen, e nós ficamos muito amigos. Como a FEB aprovou o meu primeiro livro, Thiesen teve a ideia de me convidar para escrever os comentários da correspondência do Chico. O Thiesen me convidou para ir à FEB para me apresentar uma proposta. Era uma pequena reunião, na qual estavam presentes, além dele, o Juvanir de Souza e o Zeus Wantuil. Fiquei ciente que me convidavam para escrever um livro com os comentários da correspondência entre Chico Xavier e o então presidente da FEB, Wantuil de Freitas 5, desencarnado há bem tempo, pai do Zeus Wantuil, que ali estava presente. Zeus, cuidadosamente, catalogou aquelas cartas e conseguiu fazer delas um conjunto bem completo no formato de uma apostila, que, então, me entregaram.

A DOR DO FEMINICÍDIO NÃO COMOVE A TODOS. O QUE EXPLICA?

    Por Ana Cláudia Laurindo A vida das mulheres foi tratada como propriedade do homem desde os primevos tempos, formadores da base social patriarcal, sob o alvará das religiões e as justificativas de posses materiais em suas amarras reprodutivas. A negação dos direitos civis era apenas um dos aspectos da opressão que domesticava o feminino para servir ao homem e à família. A coroação da rainha do lar fez parte da encenação formal que aprisionou a mulher de “vergonha” no papel de matriz e destituiu a mulher de “uso” de qualquer condição de dignidade social, fazendo de ambos os papéis algo extremamente útil aos interesses machistas.

JESUS E A IDEOLOGIA SOCIOECONÔMICA DA PARTILHA

  Por Jorge Luiz               Subjetivação e Submissão: A Antítese Neoliberal e a Ideologia da Partilha             O sociólogo Karl Mannheim foi um dos primeiros a teorizar sobre a subjetividade como um fator determinante, e muitas vezes subestimado, na caracterização de uma geração (1) , isso, separando a mera “posição geracional” (nascer na mesma época) da “unidade de geração” (a experiência formativa e a consciência compartilhada). “Unidade de geração” é o que interessa para a presente resenha, e é aqui que a subjetividade se torna determinante. A “unidade de geração” é formada por aqueles indivíduos dentro da mesma “conexão geracional” que processam ou reagem ao seu tempo histórico de uma forma homogênea e distintiva. Essa reação comum é que cria o “ethos” ou a subjetividade coletiva da geração, geração essa formada por sujeitos.

OS FILHOS DE BEZERRA DE MENEZES

                              As biografias escritas sobre Bezerra de Menezes apresentam lacunas em relação a sua vida familiar. Em quase duas décadas de pesquisas, rastreando as pegadas luminosas desse que é, indubitavelmente, a maior expressão do Espiritismo no Brasil do século XIX, obtivemos alguns documentos que nos permitem esclarecer um pouco mais esse enigma. Mais recentemente, com a ajuda do amigo Chrysógno Bezerra de Menezes, parente do Médico dos Pobres residente no Rio de Janeiro, do pesquisador Jorge Damas Martins e, particularmente, da querida amiga Lúcia Bezerra, sobrinha-bisneta de Bezerra, residente em Fortaleza, conseguimos montar a maior parte desse intricado quebra-cabeças, cujas informações compartilhamos neste mês em que relembramos os 180 anos de seu nascimento.             Bezerra casou-se...

RECORDAR PARA ESQUECER

    Por Marcelo Teixeira Esquecimento, portanto, como muitos pensam, não é apagamento. É resolver as pendências pretéritas para seguirmos em paz, sem o peso do remorso ou o vazio da lacuna não preenchida pela falta de conteúdo histórico do lugar em que reencarnamos reiteradas vezes.   *** Em janeiro de 2023, Sandra Senna, amiga de movimento espírita, lançou, em badalada livraria de Petrópolis (RJ), o primeiro livro; um romance não espírita. Foi um evento bem concorrido, com vários amigos querendo saudar a entrada de Sandra no universo da literatura. Depois, que peguei meu exemplar autografado, fui bater um papo com alguns amigos espíritas presentes. Numa mesa próxima, havia vários exemplares do primeiro volume de “Escravidão”, magistral e premiada obra na qual o jornalista Laurentino Gomes esmiúça, com riqueza de detalhes, o que foram quase 400 anos de utilização de mão de obra escrava em terras brasileiras.

O GRANDE PASSO

                    Os grandes princípios morais têm características de universalidade e eternidade, isto é, servem para todos os quadrantes do Universo, em todos os tempos.          O exercício do Bem como caminho para a felicidade é um exemplo marcante, sempre evocado em todas as culturas e religiões:          Budismo: O caminho do meio entre os conflitos e a dor está no exercício correto da compreensão, do pensamento, da palavra, da ação, da vida, do trabalho, da atenção e da meditação.          Confucionismo: Não se importe com o fato de o povo não conhecê-lo, porém esforce-se de modo que possa ser digno de ser conhecido.          Judaísmo: Não faça ao próximo o que não deseja para si.     ...

O ESTUDO DA GLÂNDULA PINEAL NA OBRA MEDIÙNICA DE ANDRÉ LUIZ¹

Alvo de especulações filosóficas e considerada um “órgão sem função” pela Medicina até a década de 1960, a glândula pineal está presente – e com grande riqueza de detalhes – em seis dos treze livros da coleção A Vida no Mundo Espiritual(1), ditada pelo Espírito André Luiz e psicografada por Francisco Cândido Xavier. Dentre os livros, destaque para a obra Missionários da Luz, lançado em 1945, e que traz 16 páginas com informações sobre a glândula pineal que possibilitam correlações com o conhecimento científico, inclusive antecipando algumas descobertas do meio acadêmico. Tal conteúdo mereceu atenção dos pesquisadores Giancarlo Lucchetti, Jorge Cecílio Daher Júnior, Décio Iandoli Júnior, Juliane P. B. Gonçalves e Alessandra L. G. Lucchetti, autores do artigo científico Historical and cultural aspects of the pineal gland: comparison between the theories provided by Spiritism in the 1940s and the current scientific evidence (tradução: “Aspectos históricos e culturais da glândula ...