quinta-feira, 12 de novembro de 2020

EDUCAR NÃO É ESFRIAR

 


Quando voltamos à terra num corpo de criança, esquecemos o que somos, o que fomos, o que sabemos, para nos tornarmos total sensibilidade, para abrirmo-nos para todas as influências, para absorvermos todo o nosso ambiente. Os espíritos, enquanto crianças, estão puros, esquecidos, inocentes, sensíveis e amam com mais profundidade, com mais sinceridade, sem meias medidas. Um psicólogo, que anda fazendo sucesso nas redes, ultimamente soltou a barbaridade de que as crianças não sabem ainda o que é amar e precisam primeiro aprender a respeitar! O que?! Basta conviver com as crianças para sabermos o quanto elas sabem amar e muito melhor que os adultos. A sua delicadeza de sentimento, a sua percepção do outro, a sinceridade transbordante, o senso de justiça agudo – quem nunca sentiu e viu isso nas crianças?

Podem dizer que as estou idealizando, ainda mais se tivermos em mente que se trata de um espírito antigo, já vivido, com seus possíveis desajustes. Mas não… é que no tempo de criança, esse espírito velho está dormindo e inaugura-se uma nova personalidade que começa a interagir com seu meio. De modo que, quando criança, esse espírito encarnado vai se parecer mais com seu meio, do que consigo mesma, enquanto personalidade antiga. Essa vai se revelando pouco a pouco no final da infância e já na adolescência e às vezes só palidamente. Pode se dar que mais tarde, depois de terapias e reflexões, de experiências e vivências, é que a pessoa consiga separar de certa maneira o que recebeu na educação dessa vida, de suas tendências profundas, vindas de milênios tantos.

Mas, algo que me chama a atenção e entristece é que em nosso mundo, amadurecer, deixar de ser criança – e cada vez mais se espera e se faz de tudo para que isso aconteça o mais rapidamente possível – é passar por um processo de resfriamento, é deixar de ser sincero, é abandonar a sensibilidade, em troca de um espírito de praticidade e, muitas vezes, de cálculo.

Os adultos, que já perderam a sensibilidade da criança e já não são capazes de sentir como elas e nem de se lembrar como sentiam quando eram crianças – fazem um trabalho constante de esfriamento dos filhos, dos alunos, das crianças que vivem ao seu redor. Como? Desconsiderando os sentimentos infantis, reprimindo-os, tratando-os com desdém e indiferença. Mentindo para as crianças. Negligenciando as suas necessidades afetivas, negando-se à sua convivência, fugindo do diálogo, gritando impacientemente, correndo como loucos para ganhar dinheiro e viver a vida, chamada produtiva, e deixando pouco ou quase nenhum espaço para aconchegar, acarinhar, brincar, comer e orar em conjunto…

E as crianças se entristecem, se entediam, se entregam aos games, à TV… elas mesmas, claro, não sabem exprimir o que estão sentindo com esse abandono afetivo.

Justamente, renascemos assim, sensíveis e abertos, ingênuos e confiantes, para que possamos nos reconstruir a partir de sentimentos mais puros e nobres numa nova personalidade e lá vêm os adultos – que já foram crianças também e se esqueceram – e passam por cima dessa sensibilidade como tratores. E então as crianças de hoje se farão à semelhança desses adultos e se hoje choram magoadas pelo abandono dos pais, no futuro farão o mesmo com os filhos. Esse ciclo de endurecimento tem que ser rompido em algum ponto, por alguém que não se permita esfriar e guarde dentro de si a capacidade de compreender as crianças e acolhê-las.

Essa pessoa adulta mais sensível, possivelmente sofrerá muito no mundo adulto, prático, competitivo, implacável. Será considerada tola, desequilibrada talvez, propensa à dramatização. Para o mundo, há que se manter os olhos secos, a capacidade de descartar pessoas facilmente, o calculismo para se atingir os fins, o coração cauterizado para excessos de compaixão e empatia – enfim, há que se deixar de ser criança no sentido mais belo do termo. Aliás, esse mesmo sentido que Jesus usou ao dizer que não poderíamos entrar no Reino dos Céus se não nos fizéssemos como crianças.

Os adultos constroem defesas contra o sofrimento, esfriando o sentimento. Justamente porque tiveram que reprimir no decorrer do processo de adultização, seus sentimentos mais delicados e profundos, adotam a estratégia de fingir que tudo isso é bobagem, que temos de ser fortes, práticos e realistas – excelentes virtudes, sim. Mas que nesse caso, são disfarces para frieza, calculismo e falta de generosidade.

Sim, faz parte de nosso desenvolvimento biológico, psíquico e social, sairmos da fase infantil de desamparo, dependência e ingenuidade, para a postura do adulto responsável, autônomo e consciente. Mas no adulto equilibrado, é bom que a criança continue viva, brincando, sonhando, amando, com despojamento e bondade, alegria e autenticidade e saiba, sobretudo, compreender quem ainda está criança.

Um comentário:

  1. Creio que precisamos valorizar a infância das crianças para se tornarem adultos saudáveis.

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