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COM QUE ROUPA EU VOU?


            
       São controversas as narrativas que levaram o grande compositor Noel Rosa (1910/1937) a compor o samba COM QUE ROUPA (1930). De toda forma a dúvida que o invadia era um apelo à forma como se apresentaria diante de convite talvez irrecusável. Pensava não ter a vestimenta adequada? Temia destoar dos demais? Criticava o excesso de pompa dos demais convidados? Criticava veladamente o supérfluo frente ao necessário? Difícil saber o que o movia.

            Aproveitando o momento auspicioso da sociedade e em lembrando a genialidade daquele compositor que tão jovem partiu para a pátria espiritual, convém que meditemos sobre a vestimenta que utilizamos nas diversas ocasiões que os convites da vida nos alcançam. É certo que cada ambiente solicite uma indumentária que se adéqüe a sua natureza. Daí uma ida à praia permita vestuário mais sóbrio quando comparado a uma cerimônia de gala e tudo pode ser muito normal nessas variáveis.
            Buscando um sentido mais interpretativo, para valorizar aspectos mais profundos do tema, é possível considerar que o corpo representa a vestimenta do Espírito Imortal, a qual ele ingressa muitas vezes ao nascer e entrega à terra vencida a etapa de cada existência. É certo que escolhemos o organismo material em consonância com as características das necessidades de cada encarnação. 
            Por outro lado ainda é pertinente que se pense esse tema sob as possibilidades, com as quais nos dispomos nas diversas situações que são enfrentadas por cada pessoa. Importa a roupa ou a essência com que nos vestimos? Mudamos por conta da crítica do outro ou adotamos uma postura responsável diante dos princípios que abraçamos? A maneira como abordamos alguém considerado socialmente subalterno é a mesma adotada diante do socialmente superior? Consideramos que os valores morais admitidos devem variar segundo o ambiente em que nos situamos?
            A proposta que eternizou uma canção para o carnaval pode desempenhar um papel de reflexão para as demandas que envolvem o nosso mapa existencial. A compreensão da luta contínua entre o supérfluo e o essencial, um espelhamento da forma e a sua fôrma. A busca do que realmente importa e como nos comportamos frente aos chamados da vida. Manter a clareza quanto à escolha das energias que vestimos nas diversas oportunidades em que somos convidados a mostrar a cara no mundo.
            Ter convicção de que a roupa que exibe reflete o intento interior enobrece a atitude. A desconexão dessas grandezas faz parecer ser o que não é e mais cedo ou mais tarde haverá de fazer experimentar o gosto amargo da farsa descoberta, senão para o mundo, para si mesmo. Resta igualmente saber observar sem prévio julgamento a maneira como cada um se veste ao se aproximar. No seu exemplo luminoso, de vestuário simples, Jesus parecia ter apenas uma peça e não julgava precisar mais. Os seus pensamentos, as suas palavras, as suas ações traziam a mesma vestimenta, sinal evidente de sua inequívoca superioridade aos rumores da transitoriedade, seduzido que era pelo eterno traje da verdade. 

Comentários

  1. Caro Roberto! Oportuna e inspiradíssima reflexão estás a nos oferecer. Nesses tempos de COVID, realmente com qual roupa queremos ir? Jorge Luiz.

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